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OPINIÃO ECONÔMICA
Dear prudence
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Uma coluna semanal não se
sustenta sem uma diversidade
de temas, situações e personagens. O que fazer, porém, quando o colunista é dado a idéias fixas? Mulher é a mais desculpável delas, lembra Carlos Heitor
Cony. Mas, convenhamos, é um
assunto impróprio para uma coluna de opinião econômica.
Vou fazer uma confissão abominável. Faz uma certa falta o
Napoleão de hospício que presidia o Banco Central até janeiro
de 1999. Antes da sua demissão,
o artigo semanal estava mais ou
menos garantido. Em uma
emergência, sempre se podia recorrer às folclóricas extravagâncias do alto funcionário. Alguns
continuam, até hoje, desancando as manifestações alopradas
da figura em questão. Mas que
graça tem, com o perdão da expressão, chutar cachorro morto?
O quadro é preocupante. Pedro Malan, por exemplo, é um
mato do qual decididamente
não sai coelho. Cultiva, há anos,
aquela opacidade misteriosa, típica da alta tecnocracia das entidades multilaterais de financiamento. É capaz de discursar
horas e horas, com grande elegância, sem dizer nada, absolutamente nada de controvertido.
Vejamos. Uma possibilidade
seria falar um pouco do ministro
da Fazenda dos EUA, já que o
nosso não dá sustento. Com a liberdade dos grandes e fortes, Lawrence Summers deitou o verbo,
em discurso pronunciado em
Londres na semana passada.
Fez diversas recomendações sobre a reforma do sistema financeiro internacional, em especial
do FMI. ("The Right Kind of
IMF for a Stable Global Financial System", December, 14, 1999,
disponível em www.ustreas.gov).
Muitas das recomendações do
secretário do Tesouro dos EUA
são verdadeiras homenagens ao
conselheiro Acácio, aquele personagem do Eça que dizia o óbvio com grande solenidade. Outras tantas refletem, como não
poderia deixar de ser, os pontos
de vista e interesses dos EUA.
Mas várias delas, inclusive algumas bastante acacianas, merecem a atenção do Brasil, país
que se destacou nos anos recentes por agredir as mais elementares regras de prudência financeira.
Summers critica, por exemplo,
a fixação do FMI no ajuste dos
déficits fiscais. Segundo ele, o
FMI deve concentrar a sua atenção na vulnerabilidade dos países à dinâmica instável dos mercados financeiros. Não deve ser
mais possível brincar que a sigla
IMF significa "it's mostly fiscal"
(é sobretudo fiscal), comentou
sarcasticamente.
Dentro do espírito do mais puro Acácio, Summers recomenda
que os governos administrem os
passivos externos com prudência e "pensem longa e rigorosamente sobre a sua abordagem à
liberalização financeira". É exatamente o que precisa fazer o
Banco Central do Brasil, que andou anunciando planos mirabolantes de decretar a plena conversibilidade do real em meados
de 2000.
Summers acrescentou que o
FMI deve trabalhar com os seus
países membros para desenvolver uma série de indicadores
quantitativos, incluindo não
apenas o nível de reservas internacionais, mas também o prazo
das dívidas interna e externa do
setor público e a escala, estrutura temporal e composição da dívida externa do setor privado,
entre outras informações.
Essas recomendações podem
parecer triviais, e são mesmo. No
entanto, países como o Brasil
não as respeitaram nos anos recentes e estão pagando um preço
altíssimo por isso. O pior é que o
governo brasileiro ainda reluta
em tomar as precauções recomendadas para proteger o país
contra os turbulentos mercados
financeiros internacionais
Neste ano, o Brasil teve que
pagar nada mais nada menos
do que US$ 43 bilhões em amortizações externas até novembro,
um aumento de 52% em relação
ao registrado em igual período
de 1998. Em janeiro-novembro,
o total dos vencimentos de principal da dívida de médio e longo
prazos (exclusive US$ 4,2 bilhões
de amortizações refinanciadas)
foi ligeiramente superior ao total das exportações de mercadorias.
É evidente que o nosso Banco
Central perdeu o controle sobre
o perfil da dívida externa. Uma
das razões desse descontrole foi
a proliferação, nos contratos de
endividamento externo, de cláusulas que dão aos credores o direito de exigir pagamento antecipado quando as condições pioram. Outra, a excessiva dependência de empréstimos de prazo
curto.
Governos omissos e escapistas
como o brasileiro têm sempre
uma desculpa a oferecer para esses problemas. Nos anos 90, as
inevitabilidades da "globalização", particularmente em seu
aspecto financeiro, têm sido o
álibi preferido.
Sobre esse ponto, o comentário
de Summers é bastante instrutivo. Embora a moda seja culpar a
voracidade do mercado global
de capitais pelas crises recentes,
a responsabilidade central é dos
próprios governos dos países em
desenvolvimento, diz ele.
"Se aprendi uma coisa em
meus sete anos no governo, é que
políticas nacionais determinam
os resultados nacionais", sentencia o secretário do Tesouro dos
EUA.
A mensagem é clara. Se tiverem bom senso, países como o
Brasil não ficarão aguardando
grandes "reformas da arquitetura financeira mundial" ou esquemas internacionais de controle e estabilização dos fluxos
de capital.
Devem ser prudentes e tomar,
sem delongas, as suas próprias
providências e medidas de autoproteção.
Paulo Nogueira Batista Jr., 44, economista e professor da Fundação Getúlio Vargas-SP, escreve às quintas-feiras nesta coluna.
E-mail: pnbjr@attglobal.net
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