São Paulo, Quinta-feira, 23 de Dezembro de 1999


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OPINIÃO ECONÔMICA

Dear prudence

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Uma coluna semanal não se sustenta sem uma diversidade de temas, situações e personagens. O que fazer, porém, quando o colunista é dado a idéias fixas? Mulher é a mais desculpável delas, lembra Carlos Heitor Cony. Mas, convenhamos, é um assunto impróprio para uma coluna de opinião econômica.
Vou fazer uma confissão abominável. Faz uma certa falta o Napoleão de hospício que presidia o Banco Central até janeiro de 1999. Antes da sua demissão, o artigo semanal estava mais ou menos garantido. Em uma emergência, sempre se podia recorrer às folclóricas extravagâncias do alto funcionário. Alguns continuam, até hoje, desancando as manifestações alopradas da figura em questão. Mas que graça tem, com o perdão da expressão, chutar cachorro morto?
O quadro é preocupante. Pedro Malan, por exemplo, é um mato do qual decididamente não sai coelho. Cultiva, há anos, aquela opacidade misteriosa, típica da alta tecnocracia das entidades multilaterais de financiamento. É capaz de discursar horas e horas, com grande elegância, sem dizer nada, absolutamente nada de controvertido.
Vejamos. Uma possibilidade seria falar um pouco do ministro da Fazenda dos EUA, já que o nosso não dá sustento. Com a liberdade dos grandes e fortes, Lawrence Summers deitou o verbo, em discurso pronunciado em Londres na semana passada. Fez diversas recomendações sobre a reforma do sistema financeiro internacional, em especial do FMI. ("The Right Kind of IMF for a Stable Global Financial System", December, 14, 1999, disponível em www.ustreas.gov).
Muitas das recomendações do secretário do Tesouro dos EUA são verdadeiras homenagens ao conselheiro Acácio, aquele personagem do Eça que dizia o óbvio com grande solenidade. Outras tantas refletem, como não poderia deixar de ser, os pontos de vista e interesses dos EUA. Mas várias delas, inclusive algumas bastante acacianas, merecem a atenção do Brasil, país que se destacou nos anos recentes por agredir as mais elementares regras de prudência financeira.
Summers critica, por exemplo, a fixação do FMI no ajuste dos déficits fiscais. Segundo ele, o FMI deve concentrar a sua atenção na vulnerabilidade dos países à dinâmica instável dos mercados financeiros. Não deve ser mais possível brincar que a sigla IMF significa "it's mostly fiscal" (é sobretudo fiscal), comentou sarcasticamente.
Dentro do espírito do mais puro Acácio, Summers recomenda que os governos administrem os passivos externos com prudência e "pensem longa e rigorosamente sobre a sua abordagem à liberalização financeira". É exatamente o que precisa fazer o Banco Central do Brasil, que andou anunciando planos mirabolantes de decretar a plena conversibilidade do real em meados de 2000.
Summers acrescentou que o FMI deve trabalhar com os seus países membros para desenvolver uma série de indicadores quantitativos, incluindo não apenas o nível de reservas internacionais, mas também o prazo das dívidas interna e externa do setor público e a escala, estrutura temporal e composição da dívida externa do setor privado, entre outras informações.
Essas recomendações podem parecer triviais, e são mesmo. No entanto, países como o Brasil não as respeitaram nos anos recentes e estão pagando um preço altíssimo por isso. O pior é que o governo brasileiro ainda reluta em tomar as precauções recomendadas para proteger o país contra os turbulentos mercados financeiros internacionais
Neste ano, o Brasil teve que pagar nada mais nada menos do que US$ 43 bilhões em amortizações externas até novembro, um aumento de 52% em relação ao registrado em igual período de 1998. Em janeiro-novembro, o total dos vencimentos de principal da dívida de médio e longo prazos (exclusive US$ 4,2 bilhões de amortizações refinanciadas) foi ligeiramente superior ao total das exportações de mercadorias.
É evidente que o nosso Banco Central perdeu o controle sobre o perfil da dívida externa. Uma das razões desse descontrole foi a proliferação, nos contratos de endividamento externo, de cláusulas que dão aos credores o direito de exigir pagamento antecipado quando as condições pioram. Outra, a excessiva dependência de empréstimos de prazo curto.
Governos omissos e escapistas como o brasileiro têm sempre uma desculpa a oferecer para esses problemas. Nos anos 90, as inevitabilidades da "globalização", particularmente em seu aspecto financeiro, têm sido o álibi preferido.
Sobre esse ponto, o comentário de Summers é bastante instrutivo. Embora a moda seja culpar a voracidade do mercado global de capitais pelas crises recentes, a responsabilidade central é dos próprios governos dos países em desenvolvimento, diz ele.
"Se aprendi uma coisa em meus sete anos no governo, é que políticas nacionais determinam os resultados nacionais", sentencia o secretário do Tesouro dos EUA.
A mensagem é clara. Se tiverem bom senso, países como o Brasil não ficarão aguardando grandes "reformas da arquitetura financeira mundial" ou esquemas internacionais de controle e estabilização dos fluxos de capital.
Devem ser prudentes e tomar, sem delongas, as suas próprias providências e medidas de autoproteção.


Paulo Nogueira Batista Jr., 44, economista e professor da Fundação Getúlio Vargas-SP, escreve às quintas-feiras nesta coluna.
E-mail: pnbjr@attglobal.net


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