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São Paulo, sexta-feira, 24 de janeiro de 2003

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RECEITA ORTODOXA

Para empresário, alta dos juros é "descabida", afeta imagem do presidente Lula e só beneficia bancos

Lua-de-mel com PT está no fim, diz Ermírio

Ormuzd Alves - 25.set.02/Folha Imagem
O empresário Antônio Ermírio de Moraes, do grupo Votorantim, que critica a elevação dos juros


GUILHERME BARROS
EDITOR DO PAINEL S.A.

O empresário Antônio Ermírio de Moraes, 74, presidente do grupo Votorantim e crítico de primeira hora, na campanha eleitoral, do então candidato Luiz Inácio Lula da Silva, considerou "descabida" a decisão do Banco Central, anteontem, de aumentar a taxa básica de juros da economia de 25% para 25,5% ao ano.
Os bancos, a seu ver, continuam sendo os maiores beneficiados com a decisão. "Quem ganha mesmo com essa decisão, mais uma vez, são os banqueiros", diz o empresário. O maior prejudicado, a seu ver, é o presidente Lula. "A decisão afeta principalmente a imagem de Lula."
Para Ermírio de Moraes, decisões como essa podem provocar o fim da lua-de-mel do novo governo com a sociedade mais rapidamente do que se previa. "A lua-de-mel com o novo governo já está começando a acabar", diz Ermírio de Moraes.

Folha - Qual sua opinião sobre a decisão do Copom de aumentar os juros?
Antônio Ermírio de Moraes -
Achei meio descabida a decisão do Banco Central de aumento da taxa de juros. Eu achava que eles iriam manter os juros. Não vejo razão para o aumento de meio ponto percentual. Foi uma decisão no mínimo precipitada. Será que era necessário mesmo esse aumento dos juros? Mais uma vez a área financeira foi privilegiada. Não faz sentido pagar 180% ao ano de juros no cheque especial. Quem toma dinheiro no cheque especial está liquidado.

Folha - Quais poderão ser as consequências dessa decisão de aumento dos juros?
Ermírio de Moraes -
A lua-de-mel com o novo governo já está começando a acabar. O programa da fome, por exemplo, começa a ficar desmoralizado. Vai acabar parecendo demagogia. Um governo sensato levanta os pontos onde tem carência de alimentos no país e monta centrais de abastecimento próximas a esses locais para a distribuição dos alimentos. Em três ou quatro meses, acaba o problema. Se for dar dinheiro, a turma acaba tomando cachaça.

Folha - O sr. acha que o programa Fome Zero está mal formulado?
Ermírio de Moraes -
O programa ainda nem saiu do papel. O que acho é que eles deveriam mapear onde há fome no país, saber quais são os municípios onde há fome e calcular a percentagem da população subnutrida. Por tudo que venho lendo, acho que o total de subnutridos deve representar 20% da população, cerca de 30 milhões de pessoas. E a concentração maior deve ser no Nordeste, muito mais do que no Norte.

Folha - O Fome Zero pode ficar desgastado?
Ermírio de Moraes -
O problema é que o programa não anda. Agora, com mais essa decisão de aumentar meio ponto percentual dos juros, vai acabar irritando todo mundo.

Folha - O aumento dos juros pode ter repercussões negativas para a popularidade do presidente Lula?
Ermírio de Moraes -
Pelo meu sentimento, acho que a decisão foi ruim, principalmente para a imagem do presidente Lula. Ele sempre pregou o contrário disso. O discurso do PT foi sempre o de corrigir a tabela do Imposto de Renda e, agora, está defendendo os 27,5% de alíquota no IR sem correção.
Nos juros, a mesma coisa. O PT sempre defendeu baixar os juros, e agora decide aumentar. Assim, a lua-de-mel do novo governo com a sociedade vai acabar muito rapidamente. O povo vai acabar se irritando com o governo.

Folha - O sr. acha que essa decisão de aumento dos juros irá afetar a decisão de investimentos das empresas?
Ermírio de Moraes -
A decisão de investimentos das empresas, não. A decisão prejudica a imagem do presidente da República. O reflexo é direto.

Folha - O aumento dos juros não pode ter efeito positivo no combate à inflação?
Ermírio de Moraes -
Quem ganha mesmo com essa decisão, mais uma vez, são os banqueiros. O aumento dos juros favorece uma minoria. Uma minoria do ponto de vista do número de instituições, mas que representa uma maioria se levar em conta o lucro. Os bancos ganharam muito mais do que as empresas industriais e vão continuar ganhando. Os juros, agora, estão mais altos do que no período do governo Fernando Henrique Cardoso.

Folha - Mas a alta dos juros não indica um sinal de que o governo está disposto a baixar a inflação?
Ermírio de Moraes -
Sempre que a inflação está alta os banqueiros ganham mais. Por que os banqueiros não baixam os juros? Os bancos já ganham porque não pagam quase nada em impostos. Ninguém vai aumentar o consumo por causa dos juros. O consumo pode muito bem ser disciplinado.

Folha - Como o sr. analisa as mudanças defendidas pelo professor Carlos Lessa no BNDES?
Ermírio de Moraes -
O papel do BNDES é desenvolver a produção do Brasil e ponto final. O Brasil produz apenas 1% do PIB do mundo e a tarefa do BNDES é aumentar essa participação do país. É uma vergonha o Brasil produzir apenas 1% do PIB mundial. O Brasil não produz quase nada e é isso que o BNDES deve dar prioridade. O BNDES deve se preocupar em aumentar a produção de maneira responsável e, com isso, criar mais emprego no país para poder melhorar a qualidade de vida da população. Se isso acontecer, o Brasil melhora de vida. Eu não analisei ainda as mudanças defendidas pelo professor Carlos Lessa no BNDES. Só acho que o papel do BNDES deve ser o de aumentar a produção do país.

Folha - Como o sr. está vendo os primeiros dias do governo Lula?
Ermírio de Moraes -
Não quero atacar o Lula. Só acho que já está na hora de ele viajar menos.


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