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Stiglitz acha que discurso deve mudar
DO ENVIADO ESPECIAL A DAVOS
Em algum momento, mais cedo
que tarde, o governo brasileiro terá que reavaliar a "aposta" que fez
em juros altos e superávit fiscal
elevado e decidir por um curso alternativo -se quiser cumprir a
agenda que o levou a ganhar a
eleição.
A avaliação e o qualificativo de
"aposta" não são de um observador distante e neutro da realidade
brasileira, mas de um dos cinco
economistas estrangeiros que o
ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho, consulta eventualmente.
Chama-se Joseph Stiglitz, vai fazer 61 anos em fevereiro, leciona
em uma das mais reluzentes grifes
acadêmicas dos Estados Unidos
(a Columbia University, em Nova
York), presidiu o Conselho de Assessores Econômicos da Casa
Branca (governo Bill Clinton), e,
depois, transformou-se na besta
negra da globalização e o mais
vendido autor de livros que fogem à ortodoxia econômica.
O mais recente encontro de Stiglitz com Palocci foi em agosto,
mas trocaram informações por
interpostas pessoas depois disso,
o que não significa necessariamente que a avaliação sobre eventual mudança de curso seja uma
informação privilegiada.
Até porque Stiglitz diz que o
problema de um ministro que
queira mudar o curso é que ele
não pode dizer, antecipadamente,
que vai fazê-lo nem quando nem
como.
Mas a mudança de curso é inevitável, a seu juízo, porque juros
altos e elevado superávit fiscal (diferença entre receita e despesa do
governo) é uma combinação
mortal para o crescimento.
O economista usa o exemplo da
administração norte-americana a
que serviu, a de Bill Clinton, para
demonstrar que criar superávit (e
grande, como Clinton conseguiu)
leva a dinamitar a agenda da eleição.
Clinton leva sobre Lula a sideral
vantagem de que presidiu o mais
longo período de crescimento da
economia norte-americana, ao
passo que o brasileiro herda 20
anos de crescimento medíocre,
aos quais deu sua própria contribuição com zero ou muito pouco
mais que isso em 2003.
Reestruturar a dívida
Qual a alternativa que poderia
ser adotada no Brasil é tema em
que o economista da Columbia
não entra.
Mas é fácil deduzir quando ele
cita frase de Kemal Dervis, hoje
parlamentar na Turquia, mas que
tem uma dupla experiência para
falar sobre políticas em países
emergentes: foi funcionário do
Banco Mundial de 1978, do qual
só saiu para pilotar a crise turca de
2001, como ministro de Finanças.
Dervis traça um círculo de ferro
que afeta quase todos os 25 países
considerados emergentes, entre
eles o Brasil: "O endividamento
crônico leva a altas taxas de juros
que machucam o crescimento e a
distribuição de renda".
"Concordo inteiramente com
Dervis", diz Stiglitz, à mesa do
Hotel Rinaldi, após jantar de trabalho em que o tema foi precisamente: "Esperando a próxima crise em mercados emergentes".
Logo, é preciso cortar o nó do
endividamento, pela moratória
ou pela reestruturação da dívida,
se possível for. "Há vida depois da
moratória, como demonstram a
Rússia e a Argentina", diz Stiglitz,
contrariando a sabedoria convencional. Até ironiza: "Há quem diga que há vida melhor depois da
moratória".
O jantar, aliás, serviu para que
os economistas presentes, com a
única exceção de Antonio Go,
presidente do banco PCI (Filipinas), concordassem com duas
inevitabilidades.
Primeira, na exposição de Kenneth Rogoff, ex-economista-chefe
do Fundo Monetário Internacional (FMI), e, agora, professor do
Departamento de Economia da
Universidade Harvard, outra reluzente grife da academia norte-americana:
"Todos os 25 países emergentes
são vulneráveis e, nos próximos
cinco anos, três deles entrarão em
crise. Só não dá para antecipar
quais serão os três".
A segunda inevitabilidade é a
reestruturação da dívida, que está, na média dos 25 emergentes,
na altura de 60% do PIB (Produto
Interno Bruto, medida da renda
nacional). No Brasil, é 55%.
Stiglitz chegou a dizer que a hipótese de reduzir a dívida do Iraque foi levantada até nos Estados
Unidos pelo reconhecimento de
que, sem isso, o problema não desaparece. "Por que o Iraque merece mais que a Tanzânia ou outro
país?", pergunta o economista.
Kenneth Rogoff contou que sua
grande frustração, no tempo em
que serviu ao FMI, foi justamente
a "de não ter podido advogar a favor da restruturação da dívida".
Agora, na universidade, pode
fazê-lo, mas avisa, como Stiglitz e
Dervis, que seria ideal "uma moldura internacional" que facilitasse uma operação desse tipo. Sem
ela, "não há maneira organizada
de fazer a reestruturação da dívida".
(CR)
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