|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ALEXANDRE SCHWARTSMAN
Pacman
Nosso Pacman continuará comendo os recursos disponíveis e a esperança
de acelerar o crescimento
SEGUNDO MEU filho (15 anos, já
metido a crítico literário), o título deste artigo é óbvio, tendendo talvez para o apelativo, mas
não pude evitar. Comparar o devorador de fantasmas do videogame ao
setor público brasileiro, devorador
de recursos, pode ser precisamente
a metáfora necessária para entender
os limites do recém-anunciado PAC
(Programa de Aceleração do Crescimento).
Curiosamente, a discussão que resultou no PAC teve início nas propostas que, com o objetivo de acelerar o crescimento, pretendiam reduzir o gasto corrente do governo.
Naquele momento, cabeças pensantes no governo -que observavam a
inexorável escalada do dispêndio
público- já haviam percebido os
mecanismos pelos quais a política
fiscal comprometia a capacidade do
país de crescer de forma sustentável
a taxas mais elevadas que as observadas nos últimos anos.
Por um lado, a elevação constante
do gasto "rouba" recursos do setor
privado que poderiam ser usados
para investimento e, portanto, crescimento mais vigoroso do produto.
Como mostrei em meu primeiro artigo neste espaço, entre 1994 e 2005
o gasto público primário cresceu
cerca de 8% do PIB, traduzido em
perda equivalente para o setor privado. Adicionalmente, para financiar o gasto extra, os impostos subiram 9,4% do PIB no mesmo período. Como fica óbvio pelo aumento
do gasto, contrariamente à opinião
estabelecida, apenas a menor porção dessa derrama foi destinada à
elevação do superávit primário, aqui
entendido como serviço da dívida.
Impostos mais altos, porém, também cobram sua fatura na forma de
crescimento mais baixo, em particular caso sua elevação se concentre
naqueles tributos que mais distorcem a alocação dos recursos e a remuneração dos investimentos. A
política fiscal brasileira, portanto,
conseguiu produzir uma rara combinação de fatores particularmente
deletérios ao crescimento sustentado: por um lado, menor disponibilidade de recursos; pelo outro lado,
uma redução no incentivo ao investimento. Notável ainda foi a capacidade de reduzir o investimento público ao mesmo tempo em que os
gastos como um todo se expandiam
vigorosamente, indicando a prevalência do gasto corrente no processo, o que agravou o problema do
crescimento pelas deficiências de
infra-estrutura.
Nesse contexto, nada parecia mais
natural que um programa que controlasse a expansão do gasto corrente relativamente ao PIB. Os recursos
poupados poderiam: a) aumentar o
superávit primário e reduzir mais
rapidamente a dívida pública; ou b)
abrir espaço para redução da carga
tributária; ou c) permitir um aumento do investimento público; ou
ainda d) uma combinação das alternativas acima. Qualquer uma dessas
opções implicaria uma melhora relativamente à situação corrente,
tanto maior quanto mais ambicioso
e bem estruturado fosse o programa
de redução do gasto corrente vis-à-vis o PIB.
Não é de estranhar, portanto, as
esperanças que brotaram quando,
após as eleições, apareceram notícias acerca da disposição do governo
em finalmente implantar um ajuste
fiscal de longo prazo. No entanto, o
triste fato é que o programa anunciado formalmente nesta semana
pouco guarda do espírito original da
proposta. O controle do gasto corrente foi adiado e em seu lugar encontramos uma nova rodada de aumento do gasto público, agora destinado a investimentos em infra-estrutura.
Ainda que muitos desses projetos
pudessem ser conduzidos pelo setor
privado, sem impacto fiscal (ou com
impacto limitado caso a estrutura de
PPP fosse utilizada), foi dada preferência ao setor público. Em vez de
reforço do marco regulatório, que
induzisse investimento privado,
mais recursos públicos foram comprometidos, o que se traduz em redução adicional dos recursos disponíveis para o setor privado.
Assim, se o diagnóstico acerca do
efeito negativo da política fiscal sobre crescimento for verdadeiro, o
PAC não deverá ter efeitos significativos em termos de aceleração do
crescimento. A disponibilidade de
recursos para o setor privado não
deve aumentar nem será reduzida a
carga tributária, de modo que não se
pode esperar uma resposta em termos da expansão do investimento
privado adicional à que já vem se
materializando nos últimos trimestres. Nosso Pacman continuará comendo os recursos disponíveis e,
com eles, a esperança de acelerar o
crescimento econômico.
ALEXANDRE SCHWARTSMAN, 43, economista-chefe para América Latina do Banco Real, é doutor pela Universidade da Califórnia (Berkeley) e ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central.
alexandre.schwartsman@hotmail.com
Texto Anterior: Lula muda plano por apoio de governadores Próximo Texto: PAC/apoio: Governadores pressionam para alterar obras do PAC Índice
|