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São Paulo, segunda-feira, 24 de fevereiro de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Gastando menos para gastar mais

ROBERTO LUIS TROSTER

A raiz do fracasso de tentativas anteriores de retomada do crescimento sustentado da economia brasileira está no déficit público. Nossa história econômica está permeada de relatos de inflação corroendo nossa poupança, de moratórias manchando nossa reputação externa, de crises cambiais paralisando nossa economia e de surtos de crescimento seguidos de recessões. Todos são sintomas do mesmo mal: o descontrole das finanças do governo. Desde a vinda de dom João 6º, com honrosas exceções, a dificuldade em controlar as contas públicas minou -e segue minando- o nosso desenvolvimento.
Nosso desempenho econômico é pífio. Apesar do nosso potencial, somos apenas a 78ª renda per capita do planeta. Para crescer, é necessário produzir, mas o excesso de impostos emperra a atividade das empresas. Atualmente, os tributos representam 36% do PIB e, como não estão uniformemente distribuídos, os impostos em alguns setores são superiores a 50%. É caro produzir com impostos tão altos. Não só a tributação é elevada; no mercado de crédito, a situação é mais grave. Atualmente, um só credor -o governo- detém mais de dois terços de todo o crédito disponível. Ou seja, somando-se os créditos de todas as empresas e pessoas, não se chega sequer à metade da dívida pública. É demais.
O efeito da voracidade fiscal na intermediação bancária é emblemático. O governo retira recursos em todas as fases, atravancando o processo. Na primeira, quando um poupador posterga seu consumo e deposita suas economias numa instituição bancária, o governo fica com 20% de Imposto de Renda e a CPMF do rendimento do aplicador. Na segunda fase, os bancos não podem emprestar o total dos recursos captados, pois parte dos mesmos é depositada compulsoriamente no Banco Central e parte expressiva deles não é sequer remunerada. E, finalmente, na fase de emprestar o saldo remanescente, o banco tem de recolher IOF sobre o principal, além de PIS e Cofins sobre os juros recebidos.
Após todas as retiradas e cobrindo seus custos, destinará 34% do lucro para o Imposto de Renda e contribuição social. É nítido que a atuação do governo nesse processo inviabiliza o crédito abundante e barato para o investimento e o consumo.
O crédito é caro tanto para o setor privado como para o governo. A dívida pública encontra-se numa armadilha -como está elevada, os investidores cobram um prêmio de risco alto para rolá-la, o que, por sua vez, contribui para que continue aumentando. Para agravar a situação, o cenário internacional se apresenta turbulento, em razão da possibilidade de guerra entre Estados Unidos e Iraque. Teme-se um círculo vicioso em que câmbio e juros aumentem, a dívida cresça, o risco-país suba, os prazos encurtem e os vencimentos se avolumem. Trata-se de um quadro perverso, que é imperioso inverter.
O controle fiscal é condição necessária para voltar a crescer. Nesse sentido, o aumento da meta de superávit primário de 3,75% para 4,25%, anunciado neste mês pela equipe econômica, se mostrou oportuno e adequado. A elevação de 0,50 ponto percentual do PIB mostra de maneira incisiva o esforço do governo para garantir sua própria solvabilidade e para inverter o gasto excessivo de recursos públicos. O corte de R$ 14 bilhões sinaliza o comprometimento com uma política macroeconômica adequada para promover o desenvolvimento. É um primeiro passo importante.
Paradoxalmente, o esforço fiscal anunciado não é necessariamente recessivo e poderá ser menor no decorrer do tempo. Se analisado apenas de maneira estática, um corte de gastos é uma contração na demanda agregada. Entretanto, numa visão dinâmica, o aperto anunciado pode ter o efeito inverso e ser expansivo, pois a ação dos demais agentes nacionais e estrangeiros poderá superar o impacto contracionista dos cortes com novos investimentos produtivos, invertendo expectativas negativas, baixando juros e colocando a dívida pública num circulo virtuoso, com prêmios de risco declinantes.
É um passo importante, mas um primeiro passo apenas, já que há outros obstáculos a serem superados. A lista é extensa. Reequacionar a Previdência é fundamental, assim como as reformas tributária, trabalhista e do Judiciário. Geraríamos, dessa forma, ganhos de produtividade que se refletiriam de forma duradoura no desenvolvimento do país e poderíamos ter uma fonte de impostos maior no futuro. A maior barreira a ser superada é a crença de que nossas dificuldades são insuperáveis. Não são. O Brasil tem excelentes condições de prosperidade, que não devem mais ser desperdiçadas.


Roberto Luis Troster é economista-chefe da Febraban e professor titular da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo).

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