São Paulo, domingo, 24 de fevereiro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ENTREVISTA

PETER SAVILLE

Muito sociáveis, profissionais do Brasil devem focar nos resultados

Guru de RH afirma que melhorar a gestão dos funcionários e reter talentos é cada vez mais crucial

DENYSE GODOY
DA REPORTAGEM LOCAL

O PSICÓLOGO inglês Peter Saville, consultor de empresas e referência em administração de recursos humanos, lançou no país um questionário de avaliação de profissionais para ajudar as companhias a aproveitar melhor o potencial dos seus talentos. "Isso é decisivo para as firmas e para a economia brasileira", afirma.

 

FOLHA - O que a ferramenta captou sobre as qualidades dos profissionais brasileiros?
PETER SAVILLE
- Os dados colhidos no Brasil foram comparados com as informações obtidas dos americanos e dos ingleses. O primeiro ponto notado entre os profissionais brasileiros foi que, assim como os dos EUA, eles tenderam a dar a si próprios notas altas em todos os quesitos. Isso pode significar tanto que os ingleses possuem mais autocrítica quanto que brasileiros e americanos são mais condescendentes consigo mesmos. Porém, pela minha experiência, percebi que não há tanta diferença entre os trabalhadores dos diversos países como o senso comum costuma apontar. Existem estereótipos -a imagem que se tem de um grupo freqüentemente não se confirma na realidade. Dos brasileiros, destacam-se as habilidades em influenciar pessoas. Os profissionais são sociáveis, persuasivos, assertivos. Eles desafiam, dão a sua opinião em vez de ficar quietos, acreditam que podem de alguma forma interferir nas situações [de modo a torná-las favoráveis a eles].

FOLHA - Na verdade, esse resultado confirma o que geralmente se pensa sobre os brasileiros. Diz-se que este é o país do "jeitinho", em que sempre é possível encontrar uma forma de resolver os problemas. Mas o que há de positivo e de negativo nessas características?
SAVILLE
- Estamos falando de personalidade -então não tem bom ou mau. O que há são dois lados da mesma moeda. Ser sociável é uma habilidade importante para a administração. Pode ser que os brasileiros influenciem pessoas não de uma maneira agressiva, mas sim convincente. No Exército, é necessário que os líderes dêem ordens. Em crises, também.

FOLHA - Então isso pode ser uma desvantagem quando há conflitos ou a necessidade de adotar uma posição contundente?
SAVILLE
- É uma possibilidade. Em alguns casos, o profissional precisa ser menos sociável. Como cientista, devo ressaltar que a análise foi feita a partir de uma amostra inicial; não se trata de uma conclusão absoluta, pois é preciso continuar coletando dados e investigando.

FOLHA - Os resultados da ferramenta também mostram que o brasileiro é menos meticuloso, organizado e determinado do que os americanos. Isso é um problema?
SAVILLE
- Sim. Afinal, não basta ter idéias, ser persuasivo, se você não entrega resultados. O profissional tem de focar nesse aspecto, fazer as coisas acontecerem de fato. Os empreendedores de sucesso simplesmente vão lá e executam.

FOLHA - E quanto à constatação de que os brasileiros são menos visionários do que os americanos? Afeta a sua capacidade de empreender?
SAVILLE
- Não creio. Essencial, para os empreendedores, é a capacidade de correr riscos. Uma coisa a que se dá valor demais é a educação formal. Isso é um erro. Quem foi que disse que ser um craque em língua portuguesa faz de uma pessoa um administrador competente? Grande parte dos empreendedores não estudou. Eles têm inteligência prática, detectam oportunidades. Às vezes, nem sequer possuem um plano de negócios quando começam -está tudo na sua cabeça. E eles odeiam ouvir que tiveram sorte. Costumo contar uma historinha quando comento esse assunto. Um grande jogador de golfe sempre escutava que tinha sorte nas partidas. E ele ironizava: "É estranho. Quanto mais pratico, mais sortudo fico!" [risos]. Essa é uma grande verdade nos negócios: existe um pouco de sorte, mas a maior parte do sucesso é feita de trabalho e inteligência. O empreendedor faz a sua sorte.

FOLHA - Qual é a grande preocupação dos gestores de pessoas no mundo atualmente?
SAVILLE
- A globalização ampliou as fronteiras da busca por talentos. Por isso, tanto na Europa como nos Estados Unidos, são crescentes os esforços e investimentos concentrados em selecionar, treinar e reter os melhores profissionais. É uma guerra pelos mais inteligentes e mais bem preparados.

FOLHA - Sobre a parte da seleção: os testes aplicados em recrutamento são encarados com bastante desconfiança pelos profissionais. Como essa ferramenta que o senhor desenvolveu se diferencia das demais?
SAVILLE
- A fim de que forneça resultados confiáveis, é preciso utilizá-la sempre com uma entrevista de "feedback", durante a qual os consultores ouvem o profissional a respeito das suas respostas. Pode acontecer um desvirtuamento de objetivos dos questionários existentes. Por exemplo, instrumentos clínicos, usados para diagnósticos de saúde mental, passam a avaliar candidatos a um emprego. Está errado. As pessoas reagem mal aos testes porque se sentem invadidas em sua privacidade. A ferramenta que criamos mede apenas qualidades profissionais e comportamentos das pessoas no trabalho para que os empregados sejam alocados no melhor cargo possível de acordo com suas competências, de forma que possam se desenvolver e contribuir para o sucesso da empresa. Em vez de fazer uma pergunta boba como: "Que tipo de animal você gostaria de ser?", esperando descobrir a partir da escolha do profissional as qualidades que ele acha que tem caso se coloque como uma águia ou um tigre, questionamos diretamente as características que ele possui, se é criativo, bom em elaborar idéias ou cumprir prazos.

FOLHA - Fala-se muito que as pessoas são a essência dos resultados de uma companhia, que é necessário valorizá-las, tratá-las bem, recompensá-las. Se é o certo, por que as pessoas olham em volta, nos seus ambientes de trabalho, e ficam com a impressão de que tudo não passa de discurso?
SAVILLE
- Pode não ser a realidade no Brasil, mas, em alguns países, os empregados ainda são tomados como commodities. Mas repito que na Europa e nos EUA esse tema cada vez se torna mais importante dentro do planejamento e da gestão das empresas. A diretoria de recursos humanos não fica mais sob outros departamentos -ela se reporta à diretoria geral. Ainda não é o mais comum, mas está acontecendo. O pensamento mudou, tem-se a noção de que é uma área crítica. É difícil medir o valor dos funcionários porque eles são um ativo intangível das firmas. Se prestarem atenção, elas percebem a contribuição que os colaboradores motivados e interessados dão. O que você prefere: ter um projeto nível A e um time nível B ou um projeto nível B e um time nível A? É óbvio, todo mundo escolhe a segunda alternativa, pois o time A pode executar melhor o plano mediano. Ou mudá-lo. É bom dizer, ainda, que algumas companhias simplesmente preferem investir nos seus 10% de funcionários mais talentosos, porque eles são responsáveis diretos pelos rumos do negócio.

FOLHA - O Brasil se encontra em um momento positivo em sua economia. Qual a importância, então, de as empresas nacionais prestarem mais atenção em como lidam com os seus funcionários?
SAVILLE
- É essencial que os talentos sejam desenvolvidos para não irem embora.

FOLHA - O senhor conversou com muitos presidentes de empresas no Brasil durante sua visita. Sentiu, da parte deles, disposição para melhorar a administração de recursos humanos nas companhias do país?
SAVILLE
- Definitivamente. Notei um grande interesse deles em saber o que há de mais novo no assunto, em aprender. Eles reconhecem que essa é uma área vital para o sucesso do negócio. E é um ciclo virtuoso: empresas que têm lucros contratam mais pessoal, e isso é bom para a economia do país como um todo.


Texto Anterior: Empresas foram investigadas sob suspeita de evasão de divisas
Próximo Texto: Frases
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.