São Paulo, quarta-feira, 24 de março de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Minibolha ou degrau?

ANTONIO BARROS DE CASTRO

Que a economia brasileira deu claros sinais de ter ingressado numa fase de retomada no terceiro trimestre de 2003 não cabem dúvidas. No momento de maior vigor expansivo, o trimestre setembro-novembro, o produto industrial cresceu 5,5% (!) em relação ao trimestre imediatamente anterior.
Ampliando o período de observação para a segunda metade de 2003, os resultados ainda permanecem bastante positivos: ao longo do segundo semestre, a produção industrial cresceu 5% -o que equivale, em termos anuais, a um crescimento de 10,3%. Essa foi, aliás, convém registrar, a recuperação industrial mais vigorosa observada desde 1995. Ou seja, nem sequer a "retomada longa" (como costuma dizer meu colega Caio Prates), iniciada no segundo trimestre de 1999 e concluída no primeiro trimestre de 2001, apresentou o vigor inicial do surto que teve sua partida em agosto/setembro de 2003.
Mas acontece que o impulso inicial aparentemente não vingou. Os dados conhecidos sobre a indústria nos últimos meses revelam que ela se mantém praticamente estagnada desde novembro (sempre em médias móveis trimestrais). Se assim é, caberia talvez pensar que o movimento iniciado em agosto de 2003 estaria mais para uma minibolha do que para uma efetiva retomada do crescimento. E, nesse caso, as razões possivelmente seriam o mau desempenho dos salários e do emprego -já que as condições externas têm se mantido indiscutivelmente muito favoráveis ao país.
A primeira razão para colocar em dúvida a interpretação que acaba de ser invocada é o fato de que as retomadas ocorridas no passado foram sempre altamente irregulares. Mesmo nas retomadas longas (as mais exitosas), os avanços apresentam-se descontínuos. Por exemplo, o crescimento industrial iniciado em 1999 foi interrompido de fevereiro a junho de 2000 -não obstante novas reduções da Selic, verificadas ao longo desses meses. Essa foi, no entanto, uma retomada particularmente robusta, que se estendeu por quase dois anos e foi atropelada nos primeiros meses de 2001 por uma dramática conjunção de adversidades (colapso argentino, colapso da Bolsa de Nova York e crise energética). Entre outras possibilidades, as referidas interrupções do crescimento podem refletir exageros na formação de estoques, seguidos de "freadinhas de arrumação".
Uma segunda razão para que se coloquem em dúvida as conclusões anteriormente referidas é que, se tomarmos o período de julho de 2003 (antes de ter início a retomada) a janeiro de 2004, último dado divulgado, a taxa de crescimento seria de 5,6% (13,9%, anualizada), um resultado bastante forte e comparável a melhores retomadas no passado.
Uma terceira razão é que diversos dados recentemente revelados voltam a confirmar o movimento expansivo. Em conseqüência disso, mesmo fontes que haviam se rendido ao pessimismo têm recentemente chamado a atenção para reações positivas, no tocante às vendas da indústria (fonte CNI), às vendas do comércio (fonte IBGE) e até mesmo ao emprego formal, possivelmente o maior vilão da economia brasileira nos últimos tempos.
Tendo como pano de fundo as ponderações que acabam de ser feitas, deixo aqui um par de observações adicionais.
Se é verdade que estamos dando prosseguimento à recuperação iniciada no terceiro trimestre de 2003, os decepcionantes dados referentes a dezembro e janeiro denotam apenas a ultrapassagem de um degrau, numa escalada que prossegue não obstante o denso pessimismo dos mais recentes meses. A economia estaria, dessa forma, se revelando menos suscetível a estados de espírito do que costumam supor os analistas. Por outro lado, é bom assinalar que não há precedentes, desde 1983/4 (!), de uma retomada em que, com a expansão doméstica, as exportações cresçam vigorosamente e a balança comercial dê saltos a favor do país.


Antonio Barros de Castro, 65, professor titular da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e ex-presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), escreve às quartas, a cada 15 dias, nesta coluna.


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