São Paulo, terça-feira, 24 de março de 2009

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ARTIGO

Os atos são o que contam agora

GILLIAN TETT
DO "FINANCIAL TIMES"

QUANDO UM ativo tóxico não é de fato "tóxico"? Quando está nas mãos da máquina de manipulação de Wall Street e Washington, ao que parece. Um ano atrás, quando os Estados Unidos primeiro vieram a compreender a escala horrenda de seus problemas financeiros, políticos e financistas não tinham vergonha em pronunciar a palavra "tóxico" para definir os maus ativos. Mas, em seguida, as melhores mentes de Washington e de Wall Street vieram a considerar o termo como muito alarmista e passaram a utilizar o termo ativo "problemático".
Agora, Tim Geithner, o secretário do Tesouro dos EUA, parece sentir que até mesmo a palavra "problemático" é assustadora demais. O novo mote do Tesouro é "ativos legados". A questão, porém, é determinar se um novo plano e uma mudança de nome são capazes de corrigir os problemas. Caso a mais recente iniciativa de Geithner fracasse, o dano causado à economia e à confiança do mercado poderá ser de fato devastador. Raramente houve tanto em jogo, não importa que palavra seja utilizada.
No papel, ao menos, decerto existe motivo para um pouco mais de esperança. Se nada mais, o plano demonstra que o Tesouro compreendeu a raiz do problema -a saber, a incapacidade dos bancos para lancetar a venenosa inflamação criada por seus ativos meio tóxicos, meio "legados".
Quando começaram a surgir inadimplências no mercado de hipotecas de risco ("subprime") americano, dois anos atrás, a suposição generalizada era a de que os bancos simplesmente absorveriam quaisquer prejuízos com esses papéis. Depois, no fim de 2007, quando os problemas do setor "subprime" se agravaram, os bancos saíram em busca de alguém que tirasse esses ativos de suas mãos.
Mas, quando os bancos enfim reconheceram a necessidade de vender os papéis a preços pelo menos um pouco realistas, o sistema estava em tamanho choque que ninguém mais dispunha do capital, ou apetite por risco, necessário para comprar. O plano de Geithner tenta resolver esse problema essencialmente oferecendo dinheiro do governo a investidores privados. A intenção é usar a livre concorrência para estabelecer um preço para os ativos. Assim, ninguém poderá alegar que o preço foi "manipulado" de forma a beneficiar bancos e investidores, ou assim se espera.
Mas o problema central continua. Está longe de claro que o novo plano seja capaz de produzir um mercado "real" para esses ativos (ou real o bastante para impedir queixas de práticas indevidas). Tampouco se sabe quantos investidores entrariam na parada, dada a reação feroz e imprevisível contra os financistas de todo naipe.
O simples volume de dinheiro público que está sendo entregue a investidores privados poderia bastar para despertar indignação pública. O mesmo se aplica à ideia de que os bancos podem precisar de ainda mais capital. Além disso, em um mundo no qual a maioria dos investidores se sente completamente confusa, a simples complexidade do mais recente plano representa um novo risco em termos de confiança.
Mas, em última análise, o teste será descobrir se transações reais estão ou não sendo conduzidas. Caso surjam vendas rapidamente, um círculo virtuoso de otimismo pode se iniciar. Mas, se nada acontecer por algumas semanas, o cinismo do mercado uma vez mais afogará o plano. De qualquer forma, são os atos, e não as palavras (politicamente corretas), que contam, agora. Os ponteiros estão correndo, para Geithner e todo o sistema.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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