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LUÍS NASSIF
Serra e o desafio da Saúde
O presidente Fernando Henrique Cardoso e o senador José
Serra são amigos que não se
bicam. Respeitam-se intelectualmente um ao outro, têm
história política em comum e
até se gostam. Mas trabalhar
em conjunto é um suplício para
ambos.
Particularmente, FCH incomoda-se com a forma obsessiva
com que Serra defende suas posições e ocupa espaços e, principalmente, o espicaça para a
ação. Como intelectual, FHC
preferiria auxiliares que cumprissem sua missão, sem solicitar demais do presidente.
Por isso mesmo, a indicação
de Serra para o Ministério da
Saúde é um lance político de
largo espectro, suficientemente
importante para superar as
idiossincrasias recíprocas.
Serra traz, sobre seu antecessor Carlos Albuquerque, a vantagem de ter estatura política
para defender adequadamente
os interesses de sua pasta perante a área econômica.
Também não terá dificuldades em se relacionar com a parte mais atuante do Sistema
Único de Saúde (SUS).
Nas mudanças ministeriais,
terá dois grandes aliados em
cargos-chave para qualquer
trabalho consistente na área social: o atual ministro do Trabalho, Paulo Paiva, assumindo o
Planejamento, e o presidente da
Caixa Econômica Federal
(CEF), Sérgio Cutolo, o Trabalho.
É uma aposta alta dos dois
lados -para FHC e Serra-, e
pode ser considerado o primeiro
lance para as eleições de 2002.
Garantida a reeleição de FHC,
acaba a necessidade de maioria
parlamentar de dois terços para
a aprovação das reformas e a
subordinação à aliança com o
PFL.
Haverá nova aglutinação de
forças políticas. Em setores do
próprio PFL, considera-se que a
entrada de Serra é o primeiro
lance para a recomposição de
uma aliança de centro-esquerda que na próxima legislatura
juntaria a bancada do PSDB;
setores "light" do PT e de outros
partidos de esquerda; parte do
PMDB e (em caso de derrota de
Paulo Maluf ao governo de São
Paulo) parte do PPB. Além disso, eliminando as indicações
políticas para a Saúde, mina-se
boa parte da influência do PFL
no Nordeste.
Sendo bem-sucedido, esse jogo
garantiria ao segundo governo
FHC um espectro de aliança
mais condizente com sua formação política. E a Serra, a possibilidade de lançar-se a vôos
mais altos -provavelmente o
governo de São Paulo, nas próximas eleições.
Desafio ciclópico
Obviamente o desafio é ciclópico. Serra sabe que cada morte
em fila do SUS será debitada a
ele. Além disso, terá de superar
sua tendência centralizadora, e
se cercar dos melhores gerentes
que puder, se quiser ser bem-sucedido em sua missão. A municipalização da saúde é basicamente um processo social, cujos
controles são muito mais de ordem indicativa do que burocrática.
Após décadas de discussão, o
modelo a ser implantado está
razoavelmente bem definido, e
não haverá como escapar dessas definições.
A operação das políticas de
saúde deve ficar com a ponta,
os municípios, articulados em
uma política nacional por meio
de fóruns de discussão.
A universalização da saúde é
prerrogativa de civilidade -e
esta é a posição de Serra. E as
formas de controle da saúde
devem estar alicerçadas em estatísticas transparentes e sistemas de avaliação.
O maior desafio do ministro,
no entanto, será atuar didaticamente junto à mídia, possibilitando uma melhor compreensão do processo de municipalização, e fazendo com que o tema entre decisivamente no noticiário. Será a maneira mais
rápida de se expor às críticas
consistentes, visando aprimorar o modelo, combatendo os
vícios e disseminando as virtudes.
E-mail: lnassif@uol.com.br
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