São Paulo, terça, 24 de março de 1998

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LUÍS NASSIF
Serra e o desafio da Saúde

O presidente Fernando Henrique Cardoso e o senador José Serra são amigos que não se bicam. Respeitam-se intelectualmente um ao outro, têm história política em comum e até se gostam. Mas trabalhar em conjunto é um suplício para ambos.
Particularmente, FCH incomoda-se com a forma obsessiva com que Serra defende suas posições e ocupa espaços e, principalmente, o espicaça para a ação. Como intelectual, FHC preferiria auxiliares que cumprissem sua missão, sem solicitar demais do presidente.
Por isso mesmo, a indicação de Serra para o Ministério da Saúde é um lance político de largo espectro, suficientemente importante para superar as idiossincrasias recíprocas.
Serra traz, sobre seu antecessor Carlos Albuquerque, a vantagem de ter estatura política para defender adequadamente os interesses de sua pasta perante a área econômica.
Também não terá dificuldades em se relacionar com a parte mais atuante do Sistema Único de Saúde (SUS).
Nas mudanças ministeriais, terá dois grandes aliados em cargos-chave para qualquer trabalho consistente na área social: o atual ministro do Trabalho, Paulo Paiva, assumindo o Planejamento, e o presidente da Caixa Econômica Federal (CEF), Sérgio Cutolo, o Trabalho.
É uma aposta alta dos dois lados -para FHC e Serra-, e pode ser considerado o primeiro lance para as eleições de 2002. Garantida a reeleição de FHC, acaba a necessidade de maioria parlamentar de dois terços para a aprovação das reformas e a subordinação à aliança com o PFL.
Haverá nova aglutinação de forças políticas. Em setores do próprio PFL, considera-se que a entrada de Serra é o primeiro lance para a recomposição de uma aliança de centro-esquerda que na próxima legislatura juntaria a bancada do PSDB; setores "light" do PT e de outros partidos de esquerda; parte do PMDB e (em caso de derrota de Paulo Maluf ao governo de São Paulo) parte do PPB. Além disso, eliminando as indicações políticas para a Saúde, mina-se boa parte da influência do PFL no Nordeste.
Sendo bem-sucedido, esse jogo garantiria ao segundo governo FHC um espectro de aliança mais condizente com sua formação política. E a Serra, a possibilidade de lançar-se a vôos mais altos -provavelmente o governo de São Paulo, nas próximas eleições.
Desafio ciclópico
Obviamente o desafio é ciclópico. Serra sabe que cada morte em fila do SUS será debitada a ele. Além disso, terá de superar sua tendência centralizadora, e se cercar dos melhores gerentes que puder, se quiser ser bem-sucedido em sua missão. A municipalização da saúde é basicamente um processo social, cujos controles são muito mais de ordem indicativa do que burocrática.
Após décadas de discussão, o modelo a ser implantado está razoavelmente bem definido, e não haverá como escapar dessas definições.
A operação das políticas de saúde deve ficar com a ponta, os municípios, articulados em uma política nacional por meio de fóruns de discussão.
A universalização da saúde é prerrogativa de civilidade -e esta é a posição de Serra. E as formas de controle da saúde devem estar alicerçadas em estatísticas transparentes e sistemas de avaliação.
O maior desafio do ministro, no entanto, será atuar didaticamente junto à mídia, possibilitando uma melhor compreensão do processo de municipalização, e fazendo com que o tema entre decisivamente no noticiário. Será a maneira mais rápida de se expor às críticas consistentes, visando aprimorar o modelo, combatendo os vícios e disseminando as virtudes.

E-mail: lnassif@uol.com.br



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