São Paulo, segunda-feira, 24 de junho de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

Os avanços sociais do Brasil

VINOD THOMAS

A experiência nos ensina que não há soluções mágicas ou atalhos no caminho do desenvolvimento socioeconômico. É preciso tempo e paciência para constatarmos resultados. Dito isso, quando o Brasil, segundo maior país em desenvolvimento -a China tem o maior PIB-, obtém a maior taxa de avanço social da última década, é importante registrar e celebrar esse fato.
O Censo Demográfico Brasileiro de 2000, recentemente divulgado pelo IBGE, mostra que a mortalidade infantil caiu de 47,8 por mil em 1991 para 29,6 por mil em 2000. Ao mesmo tempo, a percentagem de crianças de 7 a 14 anos matriculadas no ensino fundamental cresceu de 80,5% para 96,5% no mesmo período. Na região Nordeste, onde a renda média nominal representa apenas 30% da equivalente no Sudeste, as melhorias são ainda mais dramáticas: a mortalidade infantil caiu de 72,9 por mil para 44,2 por mil e as matrículas cresceram de 75% para 91%.
O impacto de boas políticas públicas sobre as taxas de mortalidade infantil e de matrículas é mais rápido do que sobre outros indicadores, como expectativa de vida e alfabetização, mas também houve melhorias nessas áreas: a taxa de analfabetismo no Brasil caiu de 19,1% para 13,3% da população e a expectativa de vida ao nascer aumentou de 65,6 para 68,1 anos durante a última década. Novamente o Nordeste exibe as melhoras proporcionalmente mais significativas, com a taxa de analfabetismo passando de 35,4% para 18,4% da população e o aumento da expectativa de vida de 63 para 66,5 anos.
A redução de quase 20 pontos percentuais na mortalidade infantil em uma década insere-se entre os melhores desempenhos já alcançados por qualquer país do mundo. Malásia e Cuba -países muito menores do que o Brasil- tiveram taxas de melhoria semelhantes. Egito, Equador e Peru também progrediram rapidamente, mas partindo de situações muito piores. Os ganhos iniciais na redução da mortalidade infantil (de 100 para 80 mortes por mil) são mais facilmente obtidos do que ganhos subsequentes (de 40 para 20 mortes por mil, por exemplo).
A redução da mortalidade infantil e a educação universal são duas das principais "Metas de Desenvolvimento do Milênio", definidas pela comunidade internacional, que também visam a erradicação da pobreza extrema e da fome até 2015. O que está por trás do progresso do Brasil com relação a essas metas?
Primeiro, o crescimento econômico poderia ser apontado como um desses fatores. Mas no Brasil o crescimento foi modesto, em torno de 1,3% em termos per capita na última década. Durante esse período, países de renda semelhante (de renda média para alta) cresceram a uma taxa duas vezes maior. Países de renda alta e média cresceram a 1,7% e 2,3% ao ano, respectivamente. Portanto o crescimento econômico não poder ter sido um fator importante para o progresso social exibido pelo Brasil.
Segundo, a absorção de tecnologia, resultante da abertura do país para o resto do mundo, poderia ser outro fator impulsionador das melhorias em saúde e educação. No entanto, dado que o grau de abertura do Brasil não é particularmente maior que o de outros países, o progresso tecnológico mundial também não parece ser um fator que explique essas melhorias. Para 2000, o grau de abertura do país -medido pela razão da soma de exportações e importações sobre o PIB- atingiu 23%, enquanto países de renda similar exibiram um grau de apertura de 56%.
Terceiro, políticas sociais, especialmente gastos públicos em saúde e educação, poderiam ter tido um impacto positivo. Mesmo com o rigoroso ajuste fiscal dos últimos anos, os gastos em saúde e educação parecem ter sido protegidos dessa contração das contas públicas. Ainda mais importante, nos anos 90 foram implementadas alterações na política social que podem ser identificadas como as maiores responsáveis pelo progresso social descrito acima.
Tais alterações seguiram três orientações básicas. A universalização dos serviços de saúde e educação básicas; a implementação de programas mais bem focalizados, com uma melhor seleção de beneficiários; e a descentralização, que determinou uma maior participação dos governos estaduais e municipais nas despesas sociais e das comunidades locais.
O Fundescola (Fundo de Fortalecimento da Escola), o Programa Bolsa-Escola, o Fundef (Fundo do Ensino Fundamental), o PAC (Programa de Agentes Comunitários), o PSF (Programa de Saúde da Família) e o PAB (Programa de Atendimento Básico) são exemplos de programas altamente focalizados, com recursos financiados pelo governo federal, mas executados pelos governos estaduais e municipais.
O Brasil ainda enfrenta grandes desafios sociais. O aumento da cobertura da educação secundária é o primeiro nessa lista de prioridades. Da mesma forma, a necessidade de melhorar a qualidade da educação básica e do atendimento de saúde continua sendo importante desafio. Diminuir o déficit habitacional, especialmente por meio de programas de financiamento dirigidos para as parcelas mais pobres da população, constitui outro desafio igualmente importante. Além de melhorar o bem-estar da população, a expansão dos programas de saúde preventiva e de saneamento básico terá efeitos positivos na diminuição das despesas com atendimento médico e, dado que as restrições fiscais continuaram limitando a expansão dos gastos sociais, esse tipo de gasto deve ser priorizado.
Mesmo assim, permanece o fato de que o Brasil foi capaz de melhorar drasticamente a educação básica e a saúde por meio de boas políticas, não obstante as taxas reduzidas de crescimento e o ajuste fiscal. Essa experiência fornece lições importantes para atingir um progresso rápido no bem-estar básico da sociedade.


Vinod Thomas é diretor do Banco Mundial para o Brasil.


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