UOL


São Paulo, terça-feira, 24 de junho de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

OPINIÃO ECONÔMICA

Se nacionalismo é bom para eles...

BENJAMIN STEINBRUCH

Reportagem da revista "BusinessWeek" usou na semana passada uma imagem interessante para descrever a situação da indústria automobilística americana. Os fabricantes de veículos mantêm atualmente estoques não-vendidos no valor de US$ 80 bilhões. Se todos esses carros fossem colocados um atrás do outro, a fila seria suficiente para cruzar quatro vezes o território dos Estados Unidos.
A indústria americana de veículos está outra vez em crise. O fabuloso mercado que compra 16 milhões de unidades por ano estagnou e os fabricantes japoneses e europeus ganham mercado, enquanto os locais perdem terreno.
Os números dessa crise impressionam. Só para manter funcionando os fundos de pensão, as três grandes montadoras americanas apresentam um buraco de US$ 32 bilhões, muito maior do que o déficit de toda a Previdência no Brasil. Outros US$ 9 bilhões referem-se a custos médicos de funcionários e ex-funcionários.
Esse filme é conhecido. Ocorreu algo parecido nos anos 70 e 80, quando a indústria japonesa invadiu a América com seus carros econômicos. Naquela época, a indústria foi salva por empréstimos e subsídios governamentais. Agora, segundo a previsão dos analistas, o desfecho pode ser o mesmo. Nos últimos dois anos, o governo já socorreu a agricultura, a indústria do aço e as empresas aéreas criando barreiras à importação ou subsídios diretos.
Os americanos, sem nenhum constrangimento, chamam isso de nacionalismo. E estão certos. Sem ele, milhões de empregos teriam sido perdidos nos EUA, com consequências desastrosas para toda a sociedade.
É uma feliz coincidência que isso esteja ocorrendo nos EUA neste momento em que o governo Lula finalmente deixou aflorar sua primeira pitada de nacionalismo. Na semana passada, quatro ministros da área econômica divulgaram o "Roteiro para a Agenda de Desenvolvimento".
Por enquanto, trata-se apenas de mais um documento, feito, segundo os críticos, apenas para diminuir o impacto da política de juros altos. Mas, de qualquer forma, traz definições importantes. Ficou explícito, pela primeira vez no papel, que o governo vai prestigiar cadeias produtivas, setores industriais e empresas que sejam consideradas estratégicas para o desenvolvimento.
Depois de 15 anos em que os setores competitivos ou não foram entregues à sua própria sorte, há uma promessa de que o Brasil vai ter política industrial -e isso merece aplauso. Há consenso de que, independentemente da política monetária do Banco Central, chegou a hora de reativar a produção por meio de mecanismos clássicos utilizados em qualquer economia capitalista. Há consenso de que é preciso retomar os investimentos em infra-estrutura (transportes, energia e saneamento), sem o que não se poderá viabilizar inversões do setor privado. Há consenso de que os incentivos devem ser oferecidos mediante rigoroso estabelecimento de metas e prazos. Há consenso de que o avanço nas exportações é essencial e de que os setores competitivos precisam de apoio para manter e ampliar a sua capacidade de disputar o mercado externo.
Caberá agora às forças nacionais pressionar para que essas definições se transformem em medidas o mais rápido possível. A tarefa de pôr o plano em prática caberá a um grupo coordenador.
Por ora, a grande notícia é que o governo, finalmente, decidiu abandonar a retranca adotada nos últimos 15 anos, em que se pensou unicamente em política monetária para estabilizar os preços e se esqueceu do desenvolvimento. Quando as novas diretrizes saírem do papel, rapidamente se verá que as duas preocupações são absolutamente compatíveis.

Benjamin Steinbruch, 49, empresário, é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.
E-mail - bvictoria@psi.com.br


Texto Anterior: Comércio: Superávit da balança se aproxima de US$ 10 bi
Próximo Texto: Consumo: Remédio deve ter preço controlado
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.