São Paulo, sexta-feira, 24 de junho de 2005

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ANÁLISE

"Crescimento do país está comprometido"

DA REPORTAGEM LOCAL

Carlos Eduardo Gonçalves, professor do departamento de economia da FEA-USP, diz que o risco que o país corre hoje, se as taxas de juros se mantiverem elevadas, é ter um desempenho "muito fraco neste ano". Leia a seguir os principais trechos da entrevista. (FF)

 

Folha - Os índices de inflação estão em queda. O BC deveria começar a reduzir os juros?
Carlos Eduardo Gonçalves -
A atividade mais fraca e a inflação em queda levaram o BC a parar de elevar os juros. Mas isso passou da hora. O BC afirma que a manutenção dos juros no atual patamar por um período longo de tempo será suficiente para trazer a inflação mais para próximo da meta. Acho que os juros já poderiam cair, mas isso só deve acontecer em setembro.

Folha - Por quê?
Gonçalves -
Se o BC começar a derrubar os juros muito logo, dará um atestado de que errou na mão em subir tanto. A inflação tem uma correlação muito alta com o câmbio nominal. Se os juros caírem agora, o câmbio se desvalorizará e a inflação pode se elevar um pouco, coisa que o BC não quer. O dilema do BC é complicado. Se ele deixar para começar a relaxar a política monetária muito para o fim do ano, o risco é de comprometer o crescimento no ano que vem.

Folha - O que o sr. achou da decisão do CMN de manter a meta de inflação de 4,5% até 2007?
Gonçalves -
Meta de 4,5% não é nenhum exagero. Está acima da média da inflação das economias emergentes e é bem razoável dado que há o intervalo de confiança para acomodar eventuais choques adversos. Meta mais alta não significa crescimento maior.

Folha - De que outros instrumentos o BC ou o governo dispõem para controlar a inflação?
Gonçalves -
Instrumento compulsório é uma opção, mas distorce a alocação ótima de recursos e só seria bem-vindo em situações emergenciais. O ideal seria uma política fiscal que permitisse uma queda mais acelerada do juro real.

Folha - Parte do aumento da inflação se deve a choques de oferta, como no caso do petróleo. O BC não deveria levar isso em conta na hora de avaliar a taxa de juros?
Gonçalves -
Mas o BC leva isso em conta. A idéia é a seguinte: combater apenas os efeitos secundários do choque de oferta, impedindo que os aumentos de preços, como os do petróleo, contaminem os outros preços. A idéia então é reagir ao choque de oferta -não para compensá-lo via juros mais elevados mas para impedir a propagação do choque.

Folha - Juros altos pioram a relação dívida/PIB. Não seria o caso de elevar o superávit primário?
Gonçalves -
O fato de 50% da dívida do país ser indexada à Selic diminui a eficácia da política monetária porque o canal do efeito riqueza (o valor presente dos ativos dos indivíduos cai quando os juros sobem) perde eficácia. Além disso, ao pressionar a dívida, o aumento de juros afeta negativamente as expectativas de inflação. Para atenuar esse efeito, o ideal seria praticarmos um superávit primário mais elevado.

Folha - Não estamos perdendo oportunidades, já que o cenário externo é mais favorável?
Gonçalves -
O crescimento tem sido sustentado pelo motor externo. Mas os juros não podem cair porque a inflação não era das melhores até dois meses atrás. O problema é que a oferta da economia cresce pouco porque os investimentos são escassos. Por isso, a demanda não pode crescer rápido sem causar inflação. Resultado: a autoridade monetária tem dificuldade para baixar os juros.

Folha - Os investimentos poderão ser afetados com a atual política monetária?
Gonçalves -
Os dados de investimentos dos últimos dois trimestres foram muito ruins. Parte culpa da política monetária, parte culpa de problemas estruturais.


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