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VINICIUS TORRES FREIRE
Mais quebras nos EUA, e nada
Dois fundos de investimento
em papéis exóticos baseados
em imóveis vão à breca, mas
megafinança dá de ombros
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RUÍNA IMOBILIÁRIA e "hedge
funds", ao lado das firmas de
"private equity" as estrelas da
finança global, voltaram a dar notícias ruins nos EUA. "Hedge funds"
ligados a um bancão de investimentos, o Bear Stearns, estão à beira da
breca por causa de apostas erradas
em papéis cujo preço, em última instância, depende da solvência dos
compradores da casa própria, que
continuam a dar calotes.
Vai dar rolo? "Hedge funds" têm
quebrado desde o ano passado e nada. A ruína imobiliária é a pior em 17
anos e ajudou a frear a economia dos
EUA, mas não houve hecatombe.
Vários bancões emprestaram para
os fundos do Bear Stearns. Ameaçam botar no pau e vender as garantias que receberam (também papelório lastreado em dívida imobiliária). Mas o mercado, afora o mau humor suave nas Bolsas, não se abalou.
O risco é o da venda em massa desses papéis, CDOs cujo valor depende
do nível do calote imobiliário. Numa
venda maciça, os papéis valeriam
ainda menos. Quem os detêm, apostou na sua alta ou os deu em garantia
de empréstimos estaria meio frito,
num cenário radical. "Hedge funds"
investem em instrumentos financeiros exóticos -e os criam. Compram muitos CDOs ("collateralized
debt obligations", títulos de dívida
lastreados em qualquer coisa), de
onde se originam os papéis que micaram os fundos do Bear Stearns.
O que é um CDO? Uma matriochka financeira, aquela boneca russa
que encaixa outras menores dentro
de si. Na versão básica, um CDO é
um título que rende juros de um título que rende juros de um empréstimo que alguém fez para comprar
objetos reais (casas, por exemplo).
São derivativos. De tão confusos e
por não existir mercado organizado
para tais papéis, é difícil saber seu
preço. Em tese, quanto mais calote
na dívida original, menos valem,
mas os fundos fantasiam os preços.
Como é "feito" um papel de CDO?
Um banco empresta a empresas
ou a clientes que vão comprar casas.
A seguir, para reduzir seu risco, o
banco emite títulos de investimento
lastreados no conjunto do rendimento desses empréstimos. Isto é,
indiretamente, os títulos rendem a
quem investe neles os juros das dívidas da casa própria ou das empresas.
Por sua vez, tais títulos podem ser
também comprados e reunidos por
um banco de investimento em pacotes, em um CDO, uma espécie de
fundo. O banco então emite títulos
de investimento lastreados no pacote de papéis do CDO. É como se, por
vias ainda mais indiretas, o investidor que aplica no título lastreado em
CDO recebesse um composto dos
juros de quem paga a casa própria ou
da empresa que tomou empréstimo.
Em tese, o CDO reduz riscos (e,
pois, juros) de empréstimos. Ao colocar vários tipos de dívida (e riscos)
no mesmo pacote, minimiza o impacto do calote de sua parte mais
"podre"; arruma financiamentos
para tais empréstimos a taxas menores do que haveria se o tomador
do empréstimo fosse de um tipo só.
Desde 2002, o negócio de CDOs
cresce 50% ao ano. Foram emitidos
US$ 510 bilhões desses papéis em
2006. Sobre CDOs, "hedge funds"
criam engenharias financeiras ainda
mais complexas, usando na maior
parte dinheiro emprestado. Sim, parece um dominó que conecta a economia inteira. Vai desandar? A ver.
vinit@uol.com.br
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