São Paulo, domingo, 24 de junho de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

VINICIUS TORRES FREIRE

Mais quebras nos EUA, e nada


Dois fundos de investimento em papéis exóticos baseados em imóveis vão à breca, mas megafinança dá de ombros

RUÍNA IMOBILIÁRIA e "hedge funds", ao lado das firmas de "private equity" as estrelas da finança global, voltaram a dar notícias ruins nos EUA. "Hedge funds" ligados a um bancão de investimentos, o Bear Stearns, estão à beira da breca por causa de apostas erradas em papéis cujo preço, em última instância, depende da solvência dos compradores da casa própria, que continuam a dar calotes.
Vai dar rolo? "Hedge funds" têm quebrado desde o ano passado e nada. A ruína imobiliária é a pior em 17 anos e ajudou a frear a economia dos EUA, mas não houve hecatombe.
Vários bancões emprestaram para os fundos do Bear Stearns. Ameaçam botar no pau e vender as garantias que receberam (também papelório lastreado em dívida imobiliária). Mas o mercado, afora o mau humor suave nas Bolsas, não se abalou.
O risco é o da venda em massa desses papéis, CDOs cujo valor depende do nível do calote imobiliário. Numa venda maciça, os papéis valeriam ainda menos. Quem os detêm, apostou na sua alta ou os deu em garantia de empréstimos estaria meio frito, num cenário radical. "Hedge funds" investem em instrumentos financeiros exóticos -e os criam. Compram muitos CDOs ("collateralized debt obligations", títulos de dívida lastreados em qualquer coisa), de onde se originam os papéis que micaram os fundos do Bear Stearns.
O que é um CDO? Uma matriochka financeira, aquela boneca russa que encaixa outras menores dentro de si. Na versão básica, um CDO é um título que rende juros de um título que rende juros de um empréstimo que alguém fez para comprar objetos reais (casas, por exemplo).
São derivativos. De tão confusos e por não existir mercado organizado para tais papéis, é difícil saber seu preço. Em tese, quanto mais calote na dívida original, menos valem, mas os fundos fantasiam os preços.
Como é "feito" um papel de CDO? Um banco empresta a empresas ou a clientes que vão comprar casas.
A seguir, para reduzir seu risco, o banco emite títulos de investimento lastreados no conjunto do rendimento desses empréstimos. Isto é, indiretamente, os títulos rendem a quem investe neles os juros das dívidas da casa própria ou das empresas.
Por sua vez, tais títulos podem ser também comprados e reunidos por um banco de investimento em pacotes, em um CDO, uma espécie de fundo. O banco então emite títulos de investimento lastreados no pacote de papéis do CDO. É como se, por vias ainda mais indiretas, o investidor que aplica no título lastreado em CDO recebesse um composto dos juros de quem paga a casa própria ou da empresa que tomou empréstimo.
Em tese, o CDO reduz riscos (e, pois, juros) de empréstimos. Ao colocar vários tipos de dívida (e riscos) no mesmo pacote, minimiza o impacto do calote de sua parte mais "podre"; arruma financiamentos para tais empréstimos a taxas menores do que haveria se o tomador do empréstimo fosse de um tipo só.
Desde 2002, o negócio de CDOs cresce 50% ao ano. Foram emitidos US$ 510 bilhões desses papéis em 2006. Sobre CDOs, "hedge funds" criam engenharias financeiras ainda mais complexas, usando na maior parte dinheiro emprestado. Sim, parece um dominó que conecta a economia inteira. Vai desandar? A ver.

vinit@uol.com.br


Texto Anterior: Rubens Ricupero: Do épico à chanchada
Próximo Texto: Medida do PAC contra gastos não avança
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.