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São Paulo, quinta-feira, 24 de julho de 2003

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LUÍS NASSIF

O moto-perpétuo da crise

Nos jornais de ontem foi publicada a informação de que algumas agências de risco internacionais consideram que a volatilidade do câmbio não vai permitir uma política monetária menos agressiva no médio prazo. Segundo elas, a deflação atual seria consequência de valorização do real. Mas, à medida que o câmbio não conseguir se sustentar, haverá necessidade de nova desvalorização, com efeitos inflacionários, exigindo a manutenção dos juros elevados.
A lógica desse moto-perpétuo da crise brasileira é a seguinte:
1) a economia fica exposta ao capital de risco. Eclode uma crise qualquer, nacional ou internacional, o capital sai correndo do país, levando a uma crise cambial. O país é obrigado a recorrer ao FMI e o câmbio explode;
2) ao explodir, o câmbio provoca dois efeitos simultâneos. De um lado, permite uma melhoria nas contas externas, pelo aumento do superávit comercial e das demais contas do balanço de pagamentos. E até pelo reforço de caixa trazido pelo FMI. De outro, provoca um efeito inflacionário, obrigando o BC a aumentar os juros;
3) essa combinação de melhoria nas contas externas no curto prazo mais juros altos é sopa no mel para o capital de curto prazo, que volta e provoca valorização na taxa de câmbio, pelo aumento da oferta de dólares. Se o BC não impede esse movimento, gradativamente o dólar ruim (especulativo) vai expulsando o dólar bom (aquele proveniente dos superávits comerciais), porque as exportações se tornam menos competitivas.
Para o capital de investimento, tanto faz o nível do câmbio na hora da entrada. O que ele quer é o câmbio estável depois que entrou. Se o superávit comercial fosse mantido em um patamar confortável, o risco cambial deixaria de existir. Caindo o superávit, o país volta a depender dos especuladores.
Aí vem o gênio da planilha do BC, saca o seu "modelito" e sustenta que o capital volátil permanecerá no país desde que as reformas sejam tocadas e os fundamentos da economia sejam melhorados.
O capital de risco não trabalha em cima de fundamentos da economia, mas do conceito de "caro" e "barato". Entra-se no país com os preços dos C-Bonds lá embaixo. Cada espirro do Lula, cada declaração de apoio são superdimensionados, invasões do MST, minimizadas, tudo para valorizar o C-Bond. À medida que os preços vão aumentando, que vão batendo no limite de alta, o humor do mercado se inverte, independentemente do que possa estar ocorrendo com os fundamentos da economia.
Vai exigir uma nova reforma a cada dia, que se mate um leão por hora, uma missão impossível por minuto. O modelo explode, interrompe todas as reformas, e esses mesmos analistas que hoje o defendem alegarão que a culpa não foi do modelo, mas do fato de o país não ter atendido às exigências impossíveis do modelo.
Fica desde já o leitor avisado: o modelo não vai dar certo, e não é por insuficiência de reformas, mas por subordinar uma nação inteira, hipotecar anos de crescimento a uma lógica que não existe.

E-mail - Luisnassif@uol.com.br


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