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BENJAMIN STEINBRUCH
Brasil feliz e infeliz
Enquanto vícios estruturais não forem corrigidos, triunfos como o do taekwondo
serão um mero e feliz acaso
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O BRASIL tinha tudo para ser feliz na semana passada. O Pan
começou com bons resultados para os brasileiros. O primeiro
ouro veio em um esporte cujo nome
a maioria das pessoas nem sabia
pronunciar -taekwondo-, mas o
medalhista é uma lição de vida. Diogo André Silveira da Silva não é um
iniciante no esporte. Disputou a medalha de bronze na Olimpíada de
Atenas e ficou em quarto lugar nesse
esporte, uma arte marcial coreana
surgida há 2.000 anos.
Menino pobre, Diogo tinha tudo
para entrar no mundo do crime na
adolescência. Uma frase dele, após
receber a medalha, foi marcante:
"No bairro onde eu nasci, para você
ser alguém, tinha que ter uma arma". Mas a mãe o tirou da rua e conseguiu colocá-lo em uma academia.
Hoje, ele enche de lágrimas os olhos
dos brasileiros, de orgulho.
Com esse exemplo, a semana começou esplendida. Infelizmente,
uma tragédia estarreceu o país na
terça, quando o avião da TAM se
chocou contra um prédio da própria
companhia aérea ao tentar pousar
em Congonhas e levou cerca de 200
pessoas à morte. Mais lágrimas, agora de pesar, vergonha e revolta.
Escrevi neste espaço, há duas semanas, sobre a crise aérea brasileira.
Na conclusão do artigo, sugeri que a
crise só poderá ser debelada a médio
e longo prazos se os protagonistas
desse teatro assumirem suas responsabilidades. O governo, com planejamento, investimentos públicos
e estímulo aos empreendimentos
privados para recuperar a infra-estrutura aeroportuária. As empresas,
com investimentos em modernização de equipamentos e gestão.
Não mudei de idéia. Os familiares
e amigos das vítimas do acidente de
Congonhas têm direito a tudo: chorar, gritar, desabafar, xingar e acusar. Eles estão com o coração partido pela perda de pessoas amadas.
Querem, como todo o país quer, medidas imediatas, inadiáveis.
Mas todos aqueles que, por graça
de Deus, não tiveram entes queridos
envolvidos no desastre, além de exigir medidas emergenciais, têm obrigação de lembrar que o país chegou a esse ponto de descalabro por problemas que não se iniciaram hoje.
Quando se prega a obstinação por
crescimento econômico, é sobre
bem-estar e segurança que se está
falando. Quando se diz que a meta
de inflação deve ser 4,5%, e não de
4%, em 2009, é disso que se está falando. Quando se defende uma redução mais corajosa dos juros básicos, é disso que se está falando.
Políticas econômicas exageradamente conservadoras, como as que
têm sido adotadas nos últimos dez
anos, inibem o planejamento e o investimento, comprometem a infra-estrutura, ceifam empregos e, a longo prazo, levam a desastres. As vítimas do avião da TAM, ou do da Gol,
chocam o país. Não poderia ser diferente. Mas há milhares de outras
pessoas anonimamente vitimadas a
cada dia nas estradas mal conservadas, nas periferias tomadas pela violência, nos hospitais abandonados e nas cidades distantes de nossos
olhos, onde a falta de saneamento
básico leva à morte milhares de
crianças antes de completar um ano.
Desleixos e irresponsabilidades
que possam ter provocado a tragédia
de Congonhas precisam ser apurados e punidos exemplarmente. Não
dá para esperar anos por essas apurações, como infelizmente tem
ocorrido em desastres recentes.
O país, porém, tem vícios estruturais que também precisam ser corrigidos com urgência. Enquanto essa
correção não for feita, triunfos como
o de Diogo Silva continuarão sendo
um mero e feliz acaso. Pela lógica social brasileira, ele estaria hoje com
uma arma na mão.
BENJAMIN STEINBRUCH , 54, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).
bvictoria@psi.com.br
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