São Paulo, Sábado, 24 de Julho de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

MERCOSUL
Resolução permite adoção de medidas contra importações do bloco que ameacem indústria do país
Argentina amplia ameaça comercial

Reuters
O ministro Roque Fernández, que assinou a resolução


ANDRÉ SOLIANI
de Buenos Aires

A Argentina adotou ontem mais uma medida que ameaça reduzir as exportações brasileiras. A partir de segunda-feira, poderá adotar medidas de proteção contra qualquer produto importado do seus parceiros de bloco que ameace a indústria nacional.
A resolução, assinada pelo ministro da Economia, Roque Fernández, legaliza o uso de salvaguardas dentro do Mercosul. A decisão foi baseada na resolução 70 da Aladi (Associação Latino-americana de Integração), da qual o Brasil e a Argentina fazem parte.
"A medida não é dirigida a nenhum setor específico, é apenas a regulamentação de uma resolução da Aladi, que existe desde 1987", afirmou o subsecretário de Comércio Exterior, Félix Peña.
Em Brasília, ao tomar conhecimento da decisão argentina pela Folha, o governo reagiu. "Essa argumentação é falaciosa porque salvaguardas não se coadunam com regras de união aduaneira", afirmou Luiz Fernando Ligiero, chefe da assessoria de Comunicação Social do Itamaraty.
Essa idéia já havia sido aventada em fevereiro pela Argentina, como maneira de evitar uma invasão de produtos brasileiros, após a desvalorização do real. Na época, o Brasil rechaçou a proposta.
A salvaguarda permite o estabelecimento de limites quantitativos ou barreiras tarifárias, quando o crescimento da importação de um produto prejudica a indústria local. Ao contrário de medidas antidumping ou contra subsídios, o país que adota uma salvaguarda não precisa provar a existência de práticas desleais de comércio.
As salvaguardas, no entanto, não são inéditas no Mercosul. Na semana passada, a Argentina havia adotado a primeira medida dessa natureza contra os têxteis brasileiros. O vizinho brasileiro respaldou a decisão no ATV (Acordo de Têxteis e Vestuários), previsto pela OMC (Organização Mundial de Comércio).
Segundo a diplomacia argentina, como o Tratado de Assunção não regulamentava o ATV, prevalecia a legislação da OMC, assinada pelos dois países.
Na ocasião, a diplomacia brasileira, que contesta a validade de salvaguardas dentro de um projeto de integração, imaginou que a medida se limitaria ao setor têxtil.
Com a nova decisão argentina, as medidas de proteção poderão ser adotadas em qualquer setor. Mais uma vez, a Argentina alegou a falta de uma acordo específico dentro do Mercosul.
Segundo a diplomacia brasileira, existia um entendimento político entre os sócios do Mercosul de que medidas de salvaguardas não deveriam ser adotadas contra os membros do bloco.
O ex-secretário de comércio exterior da Argentina, Raúl Ochoa, admite a existência desse entendimento político. Mas, segundo ele, existe um vazio legal no Mercosul que permite a interpretação dada pela Argentina.
Segundo Ochoa, a falta de institucionalização de um série de pontos dentro do marco do Mercosul permite que países tomem decisões desse tipo em momentos de crise. Para Ochoa, se o Mercosul tivesse regras transparentes para tratar temas como a própria desvalorização do real, uma série de crises internas seriam evitadas.
O primeiro candidato a usar a janela de protecionismo aberta pela Argentina é o setor de calçados. Na quarta, os calçadistas brasileiros não aceitaram um proposta para limitar espontaneamente as exportações.
Segundo Carlos Bueno, da CIC (Câmara de Indústrias de Calçados), Peña telefonou para lhe dizer que estava pronta a medida que permite a adoção de salvaguardas.
Segundo dados da CIC, a importação de calçados cresceu quase 65% nos primeiros cinco meses deste ano, comparada com igual período do ano passado. Bueno relaciona o aumento das importações com a desvalorização do real.


Colaborou a Sucursal de Brasília


Texto Anterior: Painel S/A
Próximo Texto: Frota terá maior renovação
Índice

Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.