São Paulo, quinta-feira, 24 de agosto de 2006

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PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Os reis da bufunfa

Os argumentos dos bancos para pedir a redução do compulsório são duvidosos, para dizer o mínimo

O ARTIGO da quinta-feira passada sobre o poder dos bancos teve repercussão surpreendente. Recebi quase 150 e-mails, a esmagadora maioria de apoio, não raro entusiasmado, além de telefonemas, pedidos de entrevista etc. Pequeno indício de que os bancos não são muito queridos no Brasil.
O mercado financeiro ficou silente, exceto pelo telefonema de um primo-irmão, que é executivo de banco. Além daquele sobrinho, que já foi personagem desta coluna, tenho também esse primo no mercado financeiro, o que sobrecarrega um pouco as reuniões de família. O que eu tento dizer a meus parentes "mercadistas" é o seguinte: "Tudo bem que vocês queiram estar onde a bufunfa está, mas deixem as teses da bufunfa fora dos encontros familiares".
O motivo do telefonema era me desafiar para uma partida de tênis, mas logo vi que o primo queria mesmo era falar do artigo. Levantou uns contra-argumentos e concluiu: "É fácil atacar os bancos!", insinuando que havia demagogia da minha parte. Marcamos a partida para semana que vem. Se eu ganhar, vai ser a primeira vez que o sistema financeiro perde uma neste país.
Às vezes, as teses dos reis da bufunfa são duvidosas, para dizer o mínimo. Por exemplo: os bancos sustentam que uma das grandes causas do elevado "spread" bancário (a diferença entre as taxas que os bancos cobram nos empréstimos e as que pagam a seus depositantes) é o volume de depósitos que eles têm de recolher ao Banco Central. Sugerem a redução desses depósitos compulsórios como forma de baixar os juros finais para as pessoas físicas e jurídicas.
Há um elemento de verdade nesse argumento. Mas cuidado. Como sempre, não estão contando a história toda. Os compulsórios constituem instrumento de política monetária e, ao mesmo tempo, uma forma barata de financiamento do governo federal. Parte dos compulsórios fica retida sem remuneração; outra parte pode ser remunerada a taxas inferiores às de mercado.
Não há garantia de que os recursos liberados pela diminuição dos compulsórios se destinem a empréstimos adicionais. Uma parte considerável, até preponderante, pode alimentar a compra de títulos federais, remunerados às onerosas taxas praticadas no Brasil. A destinação dependerá da disposição de emprestar do oligopólio bancário e da existência de demanda adicional de crédito às taxas de juro vigentes por parte das empresas e das pessoas físicas.
O resultado pode ser, por exemplo, um pequeno acréscimo do volume de crédito e uma queda também pequena dos juros para os tomadores. Por outro lado, aumentaria o custo médio da dívida pública, em razão da substituição de compulsórios não-remunerados ou relativamente baratos por títulos que pagam taxas elevadas. Em qualquer hipótese, os únicos beneficiários claros de uma diminuição dos compulsórios seriam os bancos, que trocariam ativos não remunerados ou mal remunerados por títulos governamentais com juros altos ou, alternativamente, por empréstimos a empresas e pessoas físicas a juros ainda maiores.
É verdade que os recolhimentos compulsórios são pesados no Brasil. Talvez seja de interesse público reduzi-los. Mas a medida teria que ser combinada com outras que visassem reduzir as taxas de juro e o poder excessivo dos bancos. Sem a pretensão de ser exaustivo (o meu espaço está acabando), mencionaria as seguintes: a) utilização firme dos bancos públicos (BB,CEF, BNDES) para aumentar a oferta de crédito e a concorrência no mercado; b) reforma do Copom e do CMN para diminuir a influência do sistema bancário sobre a política monetária e a regulamentação financeira; c) redução da taxa básica de juro fixada pelo BC para níveis civilizados; d) implementação adequada do cadastro positivo de tomadores de crédito; e) revisão do papel do Cade na defesa da concorrência no mercado bancário. Alguns desses pontos foram tratados em artigos publicados nesta semana, neste mesmo espaço, por Marcos Cintra e Elcio de Lucca.
Se o assunto continuar dando "ibope", voltarei a ele na próxima semana.


PAULO NOGUEIRA BATISTA JR., 51, economista e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "O Brasil e a Economia Internacional: Recuperação e Defesa da Autonomia Nacional" (Campus/ Elsevier, 2005).
pnbjr@attglobal.net


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