São Paulo, sexta-feira, 24 de agosto de 2007

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LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

A crise financeira e o Brasil

Mesmo num cenário mais perverso, os US$ 160 bilhões de reservas serão um eficiente guarda-costas para todos nós

A CRISE nos mercados financeiros tem provocado um intenso debate sobre suas conseqüências para a economia brasileira.
Como sempre acontece, encontramos posições polares, que variam da imagem da blindagem total às previsões pessimistas sobre nosso crescimento econômico. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que a crise é norte-americana e que o Brasil não tem nada com isso. Seu ministro da Fazenda participou até de talking shows para vender a imagem da blindagem construída nos últimos anos pelo governo petista.
Do lado pessimista, estão principalmente os investidores estrangeiros e outros participantes do mercado.
Hoje, a curva de juros locais indica uma rodada de aumentos das taxas, já refletindo certa insegurança na perspectiva do câmbio e, conseqüentemente, da inflação. Nas Bolsas de Valores, as ações de setores que dependem do crédito de longo prazo a taxas de juros decentes, como a construção civil, chegaram a cair mais de 25%. O real, hoje uma moeda musculosa com os US$ 160 bilhões das reservas do Banco Central, perdeu no pior momento quase 15% de seu valor.
Para que se possa fazer uma avaliação correta dos impactos dessa crise sobre nossa economia, é necessário que algumas premissas sejam estabelecidas de início. A primeira delas é que a crise de confiança que abala os alicerces mais importantes do mercado americano vai ser controlada em um espaço de tempo não muito grande. Apesar de toda a loucura que tomou conta de partes importantes desse mercado, é necessário entender que existem mecanismos institucionais eficientes -e que já estão funcionando- para lidar com esse tipo de crise.
A segunda questão a ser considerada é que as economias de mercado modernas criam mecanismos compensatórios que funcionam no sentido de corrigir as forças que criaram a própria crise. Não há dúvida de que a crise atual foi semeada por anos de juros baixos no mundo. Quando a inflação passou a ser um risco sério na maior economia do mundo, o custo do dinheiro começou a subir.
Os mercados, acostumados há vários anos de dinheiro barato, ignoraram esse ajuste e continuaram a viver dias de euforia, principalmente nos mercados de crédito. Mas, como o dito popular, água mole em pedra dura tanto bate até que fura.
Agora, com os mercados elevando o custo de crédito para patamares mais normais, estão sendo criadas forças de desinflação nos Estados Unidos. Além disso, a taxa de desemprego iniciou um claro movimento de elevação e a economia americana já está crescendo menos, aliviando as pressões inflacionárias, o que em breve permitirá ao Fed (Federal Reserve, o banco central norte-americano) iniciar um processo de redução dos juros. Isso já vinha ocorrendo mesmo antes dos acontecimentos recentes.
A dúvida que ainda fica é se nesse processo a economia americana vai perder sustentação e entrar em uma fase de crescimento muito baixo. Nesse caso, o resto do mundo, mesmo com a China funcionando com todos os cilindros de seu motor, pode ter uma desaceleração forte. Esse cenário negativo afetaria também o Brasil, adiando o sonho de um período mais prolongado de crescimento da ordem de 5% ao ano.
Mas, mesmo nesse quadro mais perverso, não espere uma crise grave como vivemos no passado. Os US$ 160 bilhões de reservas serão um eficiente guarda-costas para todos nós.


LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, 64, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).

lcmb2@terra.com.br


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