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São Paulo, sexta-feira, 24 de outubro de 2003

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ANÁLISE

Recordes à custa de recessão

MARCELO BILLI
DA REPORTAGEM LOCAL

O Brasil bateu dois recordes ontem. Em Brasília, o Banco Central anunciou que, pela primeira vez desde 1992, o país conseguirá atingir saldo positivo na chamada conta de transações correntes. Em São Paulo, a Fundação Seade e o Dieese anunciaram que o número de desempregados nunca foi tão grande na região metropolitana de São Paulo: mais de 2 milhões de trabalhadores sem emprego.
Aparentemente muito distintos, os dois recordes guardam pelo menos uma relação em comum. Ambos são resultado do forte ajuste pelo qual passou a economia brasileira nos últimos três anos, especialmente nos últimos meses. Ajuste que exigiu juros mais altos para o controle da inflação e jogou a economia brasileira no terreno da recessão pelo menos no primeiro semestre deste ano. A retração da economia fez subir o desemprego, mas ajudou no ajuste das contas externas.
O saldo de transações correntes mede o resultado de todas as "relações reais" do Brasil com os demais países. Entram nessa conta exportações, importações, pagamento de serviços (serviços como juros, direitos de propriedades, fretes) etc.
Em quase toda a década de 90 a economia brasileira registrou saldos negativos na conta de transações correntes: o país exportava pouco, importava muito e tinha de pagar um volume grande de serviços para empresas e instituições de outros países.
Para tapar o buraco, o Brasil contava com o grande volume de dinheiro disponível no mercado internacional. Era uma época de euforia, e os investidores estavam dispostos a financiar países e empresas emergentes. Assim, apesar de ter saldo negativo na conta corrente, o Brasil tinha saldo suficientemente positivo na chamada conta capital (onde são registradas as operações financeiras, como a entrada de dólares para investimento direto e no mercado financeiro). Mas, quando acabou a euforia, as fontes secaram -e o país teve de se ajustar.
O primeiro passo do ajuste foi a desvalorização do real, em 1999. Desde então, ficou mais fácil exportar, e, já em 2001, os déficits comerciais viraram superávits. Outro passo foi mais involuntário: a economia cresceu pouco. Na verdade, nos seis primeiros meses deste ano ela encolheu. Com os brasileiros ganhando e comprando pouco, a saída das empresas foi procurar estrangeiros com dinheiro no bolso, optando pela exportação.
Neste ano, o Brasil deve registrar seu maior superávit da história. Ele é produto da competitividade de parte da indústria brasileira e do agronegócio e da taxa de câmbio mais favorável. Mas a recessão interna ajudou.
Trocando em miúdos: parte do saldo comercial só foi gerado porque faltou renda e trabalho aos brasileiros, e eles tiveram que deixar de consumir. Com baixo consumo interno, importa-se menos e exporta-se mais. Atinge-se, assim, superávit recorde na conta de transações correntes. Em tempo: o governo prevê que, em 2004, com o reaquecimento da economia, o resultado das contas externas será menos "brilhante".


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