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ANÁLISE
Recordes à custa de recessão
MARCELO BILLI
DA REPORTAGEM LOCAL
O Brasil bateu dois recordes
ontem. Em Brasília, o Banco
Central anunciou que, pela primeira vez desde 1992, o país conseguirá atingir saldo positivo na
chamada conta de transações correntes. Em São Paulo, a Fundação
Seade e o Dieese anunciaram que
o número de desempregados
nunca foi tão grande na região
metropolitana de São Paulo: mais
de 2 milhões de trabalhadores
sem emprego.
Aparentemente muito distintos,
os dois recordes guardam pelo
menos uma relação em comum.
Ambos são resultado do forte
ajuste pelo qual passou a economia brasileira nos últimos três
anos, especialmente nos últimos
meses. Ajuste que exigiu juros
mais altos para o controle da inflação e jogou a economia brasileira no terreno da recessão pelo
menos no primeiro semestre deste ano. A retração da economia
fez subir o desemprego, mas ajudou no ajuste das contas externas.
O saldo de transações correntes
mede o resultado de todas as "relações reais" do Brasil com os demais países. Entram nessa conta
exportações, importações, pagamento de serviços (serviços como
juros, direitos de propriedades,
fretes) etc.
Em quase toda a década de 90 a
economia brasileira registrou saldos negativos na conta de transações correntes: o país exportava
pouco, importava muito e tinha
de pagar um volume grande de
serviços para empresas e instituições de outros países.
Para tapar o buraco, o Brasil
contava com o grande volume de
dinheiro disponível no mercado
internacional. Era uma época de
euforia, e os investidores estavam
dispostos a financiar países e empresas emergentes. Assim, apesar
de ter saldo negativo na conta corrente, o Brasil tinha saldo suficientemente positivo na chamada
conta capital (onde são registradas as operações financeiras, como a entrada de dólares para investimento direto e no mercado
financeiro). Mas, quando acabou
a euforia, as fontes secaram -e o
país teve de se ajustar.
O primeiro passo do ajuste foi a
desvalorização do real, em 1999.
Desde então, ficou mais fácil exportar, e, já em 2001, os déficits
comerciais viraram superávits.
Outro passo foi mais involuntário: a economia cresceu pouco.
Na verdade, nos seis primeiros
meses deste ano ela encolheu.
Com os brasileiros ganhando e
comprando pouco, a saída das
empresas foi procurar estrangeiros com dinheiro no bolso, optando pela exportação.
Neste ano, o Brasil deve registrar seu maior superávit da história. Ele é produto da competitividade de parte da indústria brasileira e do agronegócio e da taxa de
câmbio mais favorável. Mas a recessão interna ajudou.
Trocando em miúdos: parte do
saldo comercial só foi gerado porque faltou renda e trabalho aos
brasileiros, e eles tiveram que deixar de consumir. Com baixo consumo interno, importa-se menos
e exporta-se mais. Atinge-se, assim, superávit recorde na conta
de transações correntes. Em tempo: o governo prevê que, em 2004,
com o reaquecimento da economia, o resultado das contas externas será menos "brilhante".
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