São Paulo, domingo, 24 de novembro de 2002

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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS

Conceito de "bloco econômico" já se tornou insuficiente

GILSON SCHWARTZ
ARTICULISTA DA FOLHA

A crença na "globalização" foi suficientemente desmoralizada para desvalorizar aquilo que parecia um conceito. Mas outras idéias que se tornaram muito fortes nos anos 80 parecem resistir mais. O exemplo mais claro agora é o de "bloco econômico".
Vale notar, aliás, que essa foi uma das raras questões em que se confrontaram claramente propostas antagônicas durante a campanha eleitoral deste ano. Lula defendeu, Serra atacou o Mercosul.
Nesta fase de formação do novo governo, no entanto, a própria equipe de transição já está percebendo que há muitas dificuldades para manter uma estratégia geopolítica ancorada no conceito de bloco econômico.
Os Estados Unidos continuam sua ofensiva contra o Mercosul. A União Européia adotou posição exatamente oposta, recusando-se a negociar acordos se não tiverem como escopo o Mercosul.
Acontece que em outras regiões do mundo não existe esse maniqueísmo. Economias asiáticas investiram ao longo dos últimos anos em modelos de regionalismo aberto em que acordos bilaterais convivem com projetos regionais e estratégias multilaterais.
Trata-se de países como Índia, Coréia do Sul e Malásia, que não enxergam o mundo pelas lentes da bipolaridade nem associam suas estratégias de desenvolvimento a esquemas lineares.
Mesmo na América Latina as iniciativas de negociação comercial seguem agendas simultâneas em várias escalas. Em termos de relações com os Estados Unidos, não há regra geral.
O exemplo mais célebre foi a esperança frustrada dos chilenos, que ansiavam por um acordo rápido, bilateral com os Estados Unidos. O exemplo mais trágico foi o dos argentinos, submetidos à hipótese de uma "relação carnal" (expressão do ex-presidente Menem) com os Estados Unidos.
A crença em blocos perde sustentação também porque os organismos financeiros multilaterais, como Bird (Banco Mundial), BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e FMI (Fundo Monetário Internacional), estão moral e financeiramente combalidos. Não há como ter esperança numa superestrutura de blocos se não há fontes de financiamento para viabilizá-la.
No caso de Brasil e Argentina, a fragilidade das moedas nacionais (real e peso, respectivamente) é tamanha que a formulação de modelos de escambo já parece algo transcendental.
No sistema internacional, ganham peso os blocos militares. Comentando a expansão da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), Vaclav Havel, presidente da República Tcheca, afirmou que a noção de bloco fica muito prejudicada quando se percebe que o inimigo não é um Estado ou grupo de Estados, mas redes mundiais de crime organizado e terrorismo.
Norte, Sul, Leste e Oeste perderam principalmente nas últimas duas décadas a sua carga de significados geopolíticos. O período de "globalização", em vez de suprimir as diferenças, como muitos antecipavam, revelou-se um multiplicador de problemas e diferenças.
Num mundo assim, não há como acreditar em fórmulas prontas. Dividir o mundo em blocos econômicos, no entanto, é algo que sugere a existência de uma fórmula capaz de resumir e orientar a agenda externa.
Sumiu o crédito nos mercados internacionais. Caiu o dinamismo do comércio e do investimento mundiais.
Assim como "globalização", o conceito de "blocos" é do tipo "acredite, se quiser".


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