São Paulo, terça-feira, 24 de dezembro de 2002

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LUÍS NASSIF

"Foro especial" e reforma radical

A polêmica pode ser um exercício extraordinário de inteligência. Havendo bom nível de parte a parte, ambos os lados chegarão ao final da polêmica pensando de maneira diferente em relação ao estágio inicial da discussão.
Vamos aplicar esse belo ideal grego às nossas polêmicas públicas, o "foro especial", por exemplo, que permitirá a autoridades e ex-autoridades serem julgadas por instâncias superiores, sem passar pelo crivo da primeira instância.
Os críticos dizem que o "foro especial" será uma maneira de evitar a punição aos culpados. Os defensores acham que, pelo contrário, é uma defesa dos inocentes. Há casos concretos de autoridades ou funcionários que deixam o governo e são submetidos a uma enxurrada de ações, muitas deles inconsequentes, apenas por vingança política. Basta encontrar, entre centenas de juízes de primeira instância, um apenas que aceite a ação.
Alguns críticos do "foro especial" aceitam que esse é um problema real, que sua não adoção permitirá a qualquer juiz de primeira instância do interior expedir ordem de prisão contra um ex-presidente da República com base em informações contraditórias.
Nem seria preciso dramatizar tanto. Dez ações irrelevantes, mesmo não tendo consequências tão dramáticas como a prisão, podem quebrar financeiramente a vítima pela necessidade de ela contratar advogados -especialmente funcionários de menor escalão, com menores condições de conseguir bons advogados.
Posto que o problema existe, qual a solução? Aí entra essa maravilha da retórica generalista, a proposta da solução genérico-radical: em vez do paliativo do "foro especial", uma reforma radical do Judiciário. Para quê, mesmo? Para impedir que um juiz de primeira instância do interior possa dar voz de prisão a ex-autoridades com base em argumentos contraditórios -que é justamente a distorção que o "foro privilegiado" se propõe a corrigir.
O que parece ser vontade de radicalizar no fundo nada mais é do que a dificuldade de refinar o raciocínio e pensar propostas alternativas. Há alternativas ao "foro especial", como, por exemplo, prever punição a juízes que apliquem penas desproporcionais à falta cometida ou a procuradores que impetrem ações não fundamentadas. Por que esses pensadores radicais não propõem abertamente essa saída? Hipótese 1: não pensaram. Hipótese 2: até pensaram, mas ficaram com receio de que a saída não fosse considerada politicamente correta. Afinal, não deixa de ser uma restrição ao trabalho dos juízes e procuradores, maior ainda que o "foro especial". E, se apresentarem uma proposta específica, sujeitam-se a ser questionados e terão que dispor de fôlego para defendê-las.
Viva, pois, a reforma radical do Judiciário.

Custo mídia
A Sadia é dos maiores exportadores brasileiros. Nessa condição, toma financiamento do BNDES e paga em dia. A notícia diz que a empresa -presidida pelo futuro ministro do Desenvolvimento- deve ao BNDES. Deve, é claro, mas não nega, e paga em dia, como ocorre com qualquer bom cliente de banco.
O futuro ministro da Agricultura presidia uma agência do Estado de São Paulo que fazia meras recomendações de empresas para planos estratégicos do Estado. O Banespa concede financiamentos ruinosos à empresa, e o Ministério Público abre processo indiscriminado envolvendo todo mundo. Pouco importa que recomendação nada tenha a ver com análise de crédito ou se inquérito não significa condenação.
Aí o correspondente do "New York Times" no Rio de Janeiro, para confirmar que a falta de critério não é coisa nossa, publica texto no seu jornal, com repercussão internacional, tratando como escândalo o que não é, comprometendo a dura tarefa de reduzir as desconfianças internacionais em relação ao governo Lula.
Em cima de fumaça, mais desconfiança, mais taxa de risco, mais atraso na retomada dos financiamentos externos.

E-mail - lnassif@uol.com.br


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