São Paulo, domingo, 24 de dezembro de 2006

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VINICIUS TORRES FREIRE

Anos breves, idéias curtas


Ansiedade atônita e gosto de Lula por sucesso de auditório, além da apatia social, barram diálogo racional sobre o país

O PRESIDENTE está com pressa. "Quando a gente passa dos 60, você não sabe como o ano fica curto", disse Lula a jornalistas. Tratava da quizumba nos aeroportos, mas traía mais uma vez sua recente queda pela filosofia do ser, do tempo e da evolução.
Outro dia mesmo Lula não pontificara sobre o aspecto político da filogênese e da ontogênese? A espécie humana evolui para o centro político, assim como os indivíduos, dizia Lula. Isto é, o desenvolvimento de cada ser (ontogenia) tende a repetir a evolução humana (filogenia): Lula, um Piaget redivivo na psicologia política. Por falar em filosofia, Lula está à beira da idade em que Cícero escreveu seu diálogo sobre como envelhecer bem, no qual sublinha como é irrecuperável o tempo perdido.
Talvez ciente da lição, Lula quer adiantar o futuro e comprimi-lo em quatro anos. O passado é embalado sob a forma de filosofemas do almanaque capivarol do conservadorismo.
O que o presidente entende por futuro? Aliás, o que Lula entende por presente? O que se percebe com freqüência cada vez maior é a ansiedade atônita de Lula, expressa nas tiradas em que renega aparências e promessas de seu passado esquerdóide e em que recusa o presente, de economia morosa e confraria corrupta. O presidente angustia-se de fato que não apareça o anjo do crescimento espetacular, como outrora um assessor deve ter lhe prometido, com o objetivo evidente de passar-lhe a perna e convencê-lo a aceitar medidas dolorosas.
No entanto, apesar da perplexidade infantil diante do insucesso de seus desejos, o presidente ainda espera ansioso pelo espetáculo do PIB, que lhe permitiria partir para o abraço da galera, o que evidentemente o deixa feliz. Lula tem a psicologia de um menino periférico em um programa de auditório.
Sua psicologia rudimentar também é a daquelas pessoas incapazes de introspecção e autocrítica. Sua ansiedade atônita por não receber o presente miraculoso do PIB é acompanhada da obliteração irada da realidade desagradável. "Não quero mais saber de números, de projeções", diz Lula, se confrontado com os fatos medíocres da economia.
Seu desapreço por leitura e reflexão, sua mentalidade de "chefe", seu gosto por camarilhas companheiras e sua canonização em vida no altar do caudilhismo esquerdóide embaraçam a perspectiva de que o presidente possa abraçar um projeto articulado de governo. Lula parece cada vez mais autocentrado. Não parece haver grupo organizado a orientar o pensamento do governo, nem Lula adota um plano de fora.
Intuitivo, Lula recolhe sugestões fragmentadas nos salões e nos lobbies que passou a freqüentar, ainda mais agora, que desconfia das promessas de seus economistas. Como uma dona-de-casa prima-dona, mas ignorante das coisas da cozinha, pede jantares nababescos a seus cozinheiros-ministros, os quais, atônitos também, tentam elaborar ingloriamente o voluntarismo do chefe.
O futuro, para Lula, é uma fantasia infantil de popularidade. O presente desagradável e a impotência presidencial crescente são elaborados com filosofemas de primitivismo conservador.
Mas agora importa mais pensar: qual conjuntura política e social permitiu vicejar esse presidente "chefe" tão imune às razões que não sejam as do sucesso de auditório?

vinit@uol.com.br


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