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São Paulo, sábado, 25 de janeiro de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Conexões na rota Porto Alegre-Davos

GESNER OLIVEIRA

Uma minoria dos participantes do Fórum Econômico Mundial, em Davos, e a maioria dos que estão em Porto Alegre para o Fórum Social Mundial desaprovaram a elevação da taxa de juros na primeira reunião do Copom (Comitê de Política Monetária) do governo Lula, realizada nesta semana. Mais uma diferença, entre tantas, nos dois encontros. Há, no entanto, pontos de conexão na rota Porto Alegre-Davos.
O PT não é o primeiro a fazer no governo algo muito diferente do que prometeu na campanha. Um dos principais críticos daquilo que se costuma chamar "neoliberalismo", Perry Anderson, constata com preocupação no ensaio "Balanço do Neoliberalismo", em livro editado por Emir Sader, a frequência de casos de súbita conversão para políticas conservadoras em diferentes partes do globo.
Menem, na Argentina, Andrés Perez, em seu segundo mandato na Venezuela, e Fujimori, no Peru, aplicaram políticas muito diferentes daquelas que prometeram durante as campanhas eleitorais. Mas também Mitterand, na França, Papandreou, na Grécia, os trabalhistas, na Austrália e Nova Zelândia, o euro-socialismo, na Península Ibérica, e Ricardo Lagos, no Chile, adotaram programas muito distintos da plataforma socialista tradicional e mais próximos de seus antecessores conservadores.
Recorrendo a analogia médica familiar à atual equipe econômica, o presidente Lula justificou o aumento dos juros como um medicamento prescrito pelo médico antigo que, diante da febre da criança, não pode ser descontinuado. Essa prudência do presidente Lula (que falta a Chávez na Venezuela) é recomendável diante da ameaça de uma guerra rechaçada em Porto Alegre e tida como desastrosa economicamente em Davos.
A nova receita será distinta, mas os princípios ativos do novo medicamento não poderão divergir muito. Há pelo menos cinco pontos de conexão entre Porto Alegre e Davos. Em primeiro lugar, na formulação de políticas nacionais que criem redes de proteção social sem paternalismos e fisiologia, com incentivos adequados para o investimento em educação e baseados em parcerias entre o Estado e organizações da sociedade civil.
Em segundo lugar, no desenvolvimento de mecanismos de transparência institucional que permitam uma democratização do dia-a-dia das atividades do Estado. Enganam-se, neste sentido, aqueles que, como Perry Anderson, vêem incompatibilidade entre maior autonomia dos bancos centrais e a democracia.
A autonomia da autoridade monetária, como de resto das agências reguladoras, permite insular instâncias de natureza técnica das pressões políticas. A sistemática prestação de contas à sociedade garante, por sua vez, que as ações dessas autoridades estejam de acordo com a vontade da maioria.
Em terceiro lugar, no aprofundamento da democracia representativa mediante reformas adaptadas à realidade de cada país. Proposições que venham a fortalecer os sistemas partidários e tornar o financiamento das campanhas mais equitativo podem contribuir nesse sentido, como aliás destacou Perry Anderson em outro ensaio, "Além do Neoliberalismo", no mesmo livro citado antes.
Em quarto lugar, no combate ao protecionismo dos países ricos, que está tanto em Porto Alegre quanto em Davos. José Bové e a administração Bush fazem parte, cada um à sua maneira, do "eixo do mal" da proteção que impede o acesso de países em desenvolvimento aos mercados mais prósperos do planeta.
Em quinto lugar, na necessidade de maior regulação multilateral dos fluxos financeiros internacionais. Não de forma voluntarista e isolada, como o pacote de medidas lançado nesta semana pelo governo Hugo Chávez. Mas de maneira coordenada, na linha daquilo que chegou a ser defendido por Keynes em Bretton Woods, reorientando nas próximas décadas instituições como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial para um papel mais eficaz na atenuação dos ciclos de renda e emprego da economia mundial.


Gesner Oliveira, 46, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br


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