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OPINIÃO ECONÔMICA
Conexões na rota Porto Alegre-Davos
GESNER OLIVEIRA
Uma minoria dos participantes do Fórum Econômico Mundial, em Davos, e a maioria dos que estão em Porto Alegre
para o Fórum Social Mundial desaprovaram a elevação da taxa
de juros na primeira reunião do
Copom (Comitê de Política Monetária) do governo Lula, realizada nesta semana. Mais uma diferença, entre tantas, nos dois encontros. Há, no entanto, pontos
de conexão na rota Porto Alegre-Davos.
O PT não é o primeiro a fazer
no governo algo muito diferente
do que prometeu na campanha.
Um dos principais críticos daquilo que se costuma chamar "neoliberalismo", Perry Anderson,
constata com preocupação no ensaio "Balanço do Neoliberalismo", em livro editado por Emir
Sader, a frequência de casos de
súbita conversão para políticas
conservadoras em diferentes partes do globo.
Menem, na Argentina, Andrés
Perez, em seu segundo mandato
na Venezuela, e Fujimori, no Peru, aplicaram políticas muito diferentes daquelas que prometeram durante as campanhas eleitorais. Mas também Mitterand,
na França, Papandreou, na Grécia, os trabalhistas, na Austrália e
Nova Zelândia, o euro-socialismo, na Península Ibérica, e Ricardo Lagos, no Chile, adotaram
programas muito distintos da
plataforma socialista tradicional
e mais próximos de seus antecessores conservadores.
Recorrendo a analogia médica
familiar à atual equipe econômica, o presidente Lula justificou o
aumento dos juros como um medicamento prescrito pelo médico
antigo que, diante da febre da
criança, não pode ser descontinuado. Essa prudência do presidente Lula (que falta a Chávez na
Venezuela) é recomendável diante da ameaça de uma guerra rechaçada em Porto Alegre e tida
como desastrosa economicamente em Davos.
A nova receita será distinta,
mas os princípios ativos do novo
medicamento não poderão divergir muito. Há pelo menos cinco
pontos de conexão entre Porto
Alegre e Davos. Em primeiro lugar, na formulação de políticas
nacionais que criem redes de proteção social sem paternalismos e
fisiologia, com incentivos adequados para o investimento em
educação e baseados em parcerias entre o Estado e organizações
da sociedade civil.
Em segundo lugar, no desenvolvimento de mecanismos de transparência institucional que permitam uma democratização do dia-a-dia das atividades do Estado.
Enganam-se, neste sentido, aqueles que, como Perry Anderson,
vêem incompatibilidade entre
maior autonomia dos bancos
centrais e a democracia.
A autonomia da autoridade
monetária, como de resto das
agências reguladoras, permite insular instâncias de natureza técnica das pressões políticas. A sistemática prestação de contas à sociedade garante, por sua vez, que
as ações dessas autoridades estejam de acordo com a vontade da
maioria.
Em terceiro lugar, no aprofundamento da democracia representativa mediante reformas
adaptadas à realidade de cada
país. Proposições que venham a
fortalecer os sistemas partidários
e tornar o financiamento das
campanhas mais equitativo podem contribuir nesse sentido, como aliás destacou Perry Anderson em outro ensaio, "Além do
Neoliberalismo", no mesmo livro
citado antes.
Em quarto lugar, no combate
ao protecionismo dos países ricos,
que está tanto em Porto Alegre
quanto em Davos. José Bové e a
administração Bush fazem parte,
cada um à sua maneira, do "eixo
do mal" da proteção que impede
o acesso de países em desenvolvimento aos mercados mais prósperos do planeta.
Em quinto lugar, na necessidade de maior regulação multilateral dos fluxos financeiros internacionais. Não de forma voluntarista e isolada, como o pacote de medidas lançado nesta semana pelo
governo Hugo Chávez. Mas de
maneira coordenada, na linha
daquilo que chegou a ser defendido por Keynes em Bretton Woods,
reorientando nas próximas décadas instituições como o Fundo
Monetário Internacional e o Banco Mundial para um papel mais
eficaz na atenuação dos ciclos de
renda e emprego da economia
mundial.
Gesner Oliveira, 46, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia
(Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br
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