São Paulo, domingo, 25 de janeiro de 2004

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ANÁLISE

BCs medem palavras para guiar mercado

JENNIFER HUGHES
DO "FINANCIAL TIMES"

Quando Jean-Claude Trichet, presidente do Banco Central Europeu, descreveu os movimentos monetários como "brutais", há duas semanas, logo viu o poder que a linguagem tem nos mercados financeiros.
Analistas buscaram seus dicionários para comparar e discutir o significado da palavra em francês e inglês. O resultado foi que os comentários de Trichet conseguiram conter a alta do euro.
O crescimento dos mercados financeiros nos últimos 20 anos elevou os banqueiros centrais a um status de ícones. E ler as runas de seus pronunciamentos tornou-se essencial para os investidores concentrados em movimentações de curto prazo. Mark Cliffe, da ING Financial Markets, disse: "É o equivalente à teologia nos mercados financeiros. Por trás da retórica sempre há a possibilidade de ação".
O BCE espera que falar agora seja mais barato que agir depois. Mas a intervenção direta nos mercados cambiais pode ser um exercício dispendioso que os bancos centrais preferem guardar como reserva até que seus esforços verbais tenham sido esgotados.
Mas, até esse momento, as palavras são a arma preferida.
O mais poderoso cunhador de palavras é Alan Greenspan. O presidente do Federal Reserve (BC americano) é cuidadoso com a linguagem, parecendo racionar o estoque de palavras para manter seu valor e aumentar seu impacto.
Em nenhum lugar isso fica tão claro quanto nas declarações que acompanham as decisões de política econômica do Fed. As percepções do mercado sobre o timing das taxas de juros nos Estados Unidos dependem da palavra "acomodativo" e da expressão "período considerável". Os investidores inferem que, ao usar continuamente essas expressões, o banco está tentando reduzir as taxas de juros de longo prazo para ajudar a reanimar a economia. Quando o Fed omite essas expressões, o mercado espera um aumento de juros e um reforço equivalente nas taxas de longo prazo.
Greenspan é um mestre no poder da sugestão. Ele se aperfeiçoou na arte de testar a reação do mercado por intermédio de sugestões e referências veladas.
Veja-se como ele abordou a perspectiva de deflação em maio passado. O Fed não usou a palavra temida, que teria causado pânico. Em vez disso, sua declaração dizia "a probabilidade de uma queda substancial e indesejável na inflação, embora pequena, supera a de uma retomada da inflação de seu nível atual baixo". Os corretores de títulos desde então passaram horas debatendo as implicações exatas dessas palavras.
Se Greenspan é o mestre atual, foi seu antecessor, Paul Volcker, com mudanças de política repentinas, quem criou no mercado o costume de observar o BC.
Mark Austin, do HSBC, disse: "Nunca foi muito transparente o que o Fed realmente estava fazendo, por isso as pessoas confiavam nas nuances do que Volcker dizia". Mike Berg, da consultoria econômica 4cast, disse que as reticências de Volcker faziam parte de uma cultura dos bancos centrais na época. "Eles preferiam nada dizer a dar aos mercados uma idéia errada."
Uma conversa descuidada pode rapidamente causar problemas aos BCs. Gafes de Wim Duisenberg, o antecessor de Trichet, prejudicaram tanto o euro quanto a credibilidade do BCE. Quando, em outubro de 2000, Duisenberg disse que não esperava mais intervenções para conter a queda do euro, a moeda única caiu a uma baixa recorde.
"O mercado adora um vencedor", disse Nick Parsons, do Commerzbank, segundo o qual a cuidadosa coreografia da recente advertência do BCE demonstrou maior compreensão da psicologia do mercado e reforçou a credibilidade do banco.
Mas a intervenção, verbal ou real, é um bem consumível, e o euro retomou sua recuperação depois que uma reunião dos ministros da Economia da zona euro não conseguiu fazer mais que confirmar a linha do BCE, sem sinais de intervenção.


Tradução de Luiz Roberto Gonçalves


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