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OPINIÃO ECONÔMICA
Lendo Stiglitz, pensando Brasil
ANTONIO BARROS DE CASTRO
Confesso que dificilmente
leio sobre outras economias
sem que, a cada passagem, contrastes e semelhanças com o caso
brasileiro me venham à cabeça.
Tendo a atribuir o cacoete aos
muitos anos que dediquei ao ensino e à pesquisa neste terreno. O
último livro de Joseph Stiglitz,
centrado sobre a experiência norte-americana dos anos 90 ("The
Roaring Nineties", W.W. Norton
& Company, 2003), porém, levou-me muito mais longe. Algumas
passagens poderiam aparentemente ser transpostas, quase sem
retoques, para o caso brasileiro.
Começo pelo que me parece trazer em si uma grande surpresa.
O primeiro governo Clinton,
iniciado em janeiro de 1993 e que
tinha Stiglitz como chefe do Conselho de Assessores Econômicos,
centrou seus esforços em algo que
ninguém imaginaria ser o objetivo maior da nova administração:
a eliminação do déficit fiscal. Tratava-se, afinal, de um governo democrata (auto-referido, no entanto, como Novo Democrata),
cujo slogan de campanha havia
sido "empregos, empregos e empregos" e que encontrava a economia norte-americana apenas
saindo da recessão. Stiglitz, aliás,
não deixa dúvidas sobre a sua
própria frustração e chega a declarar que o novo governo havia
sido eleito sobre a plataforma
"colocando o povo primeiro, e
não pondo os interesses financeiros primeiro" (pág. 25).
Farei dois comentários sobre esse intrigante episódio.
Primeiramente, se há uma unanimidade a respeito do espinhoso
tema que acaba de ser tocado, é
que economias como a nossa, dependentes, endividadas etc., são
levadas a fazer políticas de refreamento ou contenção da demanda
global, mesmo quando a lógica
econômica (bem como a sensibilidade política) recomende que o
nível de atividades seja estimulado. Já uma economia dominante
-sobretudo, claro, os EUA-,
diante de sinais recessivos, pode
permitir estimular a demanda
global, visando reerguer o nível
de atividades. Stiglitz, contudo,
mostra, a contragosto, que a realidade está longe de ser assim. E
por quê? Pasme o leitor: em decorrência da agenda dos falcões do
déficit, para quem era preciso "escutar o que os mercados financeiros querem -pois, se você perder
o seu apoio ("alienate them'), estará perdido" (pág. 44).
A segunda observação consiste
em que a política macroconservadora de Clinton, se não deu alento, pelo menos coincidiu com o ingresso da economia no seu maior
período de expansão em mais de
30 anos, no qual chegou a exibir
taxas anuais de crescimento do
PIB superiores a 4%. A esse propósito, Stiglitz se empenha em
mostrar que as razões do êxito
não residem na política macroeconômica do novo governo, e sim
em outros fatores -entre eles,
destacadamente, a mera sorte.
Mostra, além disso, que os republicanos combateram no Congresso, implacavelmente, a política conservadora do novo governo
-ao que acrescenta, com duvidosa coerência, que eles haviam
deixado "o trabalho sujo para
Clinton" (página 47).
A segunda questão a ser aqui
mencionada, e que mais uma vez
remete aos dilemas atuais da economia brasileira, se refere aos primeiros anos do crescimento na
década de 90.
Temeroso quanto ao possível
retorno da inflação, o Fed passou
a elevar firmemente os juros, em
1993. Diversos analistas temiam,
em contraposição, que a precoce
guinada da política monetária
(que levaria o juro básico de 3%
ao ano, ao final de 1993, para 6%
ao ano, em 1995) mataria a expansão recém-surgida. Como
mostra Stiglitz numa das passagens mais instigantes do livro,
ambos estavam errados. O crescimento da economia norte-americana foi se elevando, de 3% para
4%, e mesmo 5% ao ano. Enquanto isso, "aqui estava o real
milagre na perspectiva do Fed
-a inflação manteve-se moderada" (página 77).
Ao que parece, ambos cometiam o mesmo tipo de equívoco:
subestimavam o potencial expansivo da economia. Era, afinal, a
maior capacidade de crescer que
permitia à economia norte-americana (contra as expectativas de
Stiglitz) resistir à substancial alta
dos juros (enquanto o México sucumbiria). Era, também, o maior
potencial de crescimento -e,
mais precisamente, o maior ritmo
de aumento da produtividade-
que permitia que a economia se
expandisse, rapidamente, sem
pressão inflacionária (diferentemente das suposições do Fed).
No Brasil, o potencial de crescimento também pode ter se elevado, substancialmente, em relação
aos últimos 20 anos -dados a
reestruturação das empresas e o
considerável êxito no ajuste macroeconômico. Se assim for, a
exemplo do ocorrido nos Estados
Unidos, podemos estar incorrendo em graves erros de previsão
-e sendo desnecessariamente
pessimistas em relação às possibilidades de crescimento desta economia.
Antonio Barros de Castro, 65, professor titular da UFRJ (Universidade Federal
do Rio de Janeiro) e ex-presidente do
BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), escreve às
quartas, a cada 15 dias, nesta coluna.
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