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YOSHIAKI NAKANO
Por que os pobres financiam os ricos?
Quem se endivida em moeda estrangeira tem de pagar na mesma moeda. Daí a nossa sucessão periódica de crises
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A TEORIA econômica convencional proclama que os capitais fluem dos países ricos,
onde são abundantes, para os países
pobres, onde são escassos e, portanto, mais bem remunerados. A restrição ao crescimento está do lado da
oferta, e só a elevação da poupança
total, recorrendo à poupança externa, poderia acelerar o crescimento.
Nós, "pobres latino-americanos",
tendemos a acreditar que, para acelerar o crescimento, precisamos
atrair recursos externos, pois a poupança doméstica é escassa. Portanto
países como o Brasil precisam se endividar para crescer. Nada mais longe da verdade.
Os dados empíricos contrariam
essa crença e, há muito tempo, os
economistas encontraram uma correlação quase perfeita entre taxa de
investimento e poupança doméstica. É óbvio. Quem faz dívida tem de
pagar. Portanto o país que recorre à
poupança do exterior para consumir mais, em algum momento, terá
de aumentar a poupança doméstica
e consumir menos. E quem só pode
se endividar em moeda estrangeira
terá de pagar com moeda estrangeira. Daí a nossa história ser uma sucessão periódica de crises cambiais.
O único país que pode crescer indefinidamente expandindo o consumo -portanto poupando menos- é
o país que emite moeda com valor de
reserva internacional, tem um mercado financeiro desenvolvido e pode
atuar como o banqueiro do mundo,
pagando taxa de juros menor por
seus passivos emitidos na sua moeda do que rendem seus ativos no exterior, em moeda estrangeira. Esse é
o caso, há muitas décadas, dos Estados Unidos. Daí o espantoso déficit
dos EUA em transações correntes, financiado, em grande parte, por superávits dos países emergentes, inclusive do Brasil. Ou seja, países pobres financiando o consumo e o investimento do mais rico do mundo!
Essa perversa e paradoxal situação tem uma lógica financeira da
qual os países pobres, que queiram
crescer sustentadamente e com estabilidade, não têm como escapar.
Países pobres, ao contrário dos desenvolvidos e ricos, têm mercado financeiro restrito e pouco profundo
e, portanto, têm poder muito limitado de emitir ativos financeiros com
aceitação no mercado. Quando emitem, pagam juros mais altos e emitem em moeda estrangeira, e as variações da taxa de câmbio podem
trazer impactos negativos. Assim, os
países pobres não têm o mesmo
acesso às poupanças externas e,
quando a elas recorrem, tornam-se
muito vulneráveis a variações na taxa de juros internacional, de câmbio
ou ainda à mudança na aversão ao
risco dos investidores. Dessa forma,
mesmo países com situação financeira externa e interna saudável podem, de uma hora para outra, sofrer
forte restrição de liquidez internacional, tornando suas economias sujeitas a instabilidades e a crises.
E esse é exatamente o quadro global. Países emergentes que crescem
rapidamente poupam mais, têm
enormes superávits em transações
correntes e financiam o déficit dos
EUA, que têm taxa de poupança declinante e passivo externo líquido
crescente. Esses emergentes, quando recorrem ao mercado financeiro
internacional para contornar seu
ineficiente e pouco desenvolvido
mercado financeiro doméstico,
constituem garantias em forma de
reservas internacionais e, dessa forma, contornam as instabilidades e
pagam taxas de juros baixas. O Brasil
tem de aprender essa lição.
YOSHIAKI NAKANO , 62, diretor da Escola de Economia de
São Paulo da FGV, foi secretário da Fazenda do Estado de
São Paulo no governo Mario Covas (1995-2001).
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