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Ineficiência estatal trava avanço no álcool
Burocracia, normas inadequadas, falta de pessoal e de incentivo fiscal impedem desenvolvimento da "geração 2.0" do biocombustível
Comercialização de projeto de cana transgênica está emperrada e não há previsão de quando o produto sairá do laboratório
IURI DANTAS
SHEILA D'AMORIM
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Depois de seis anos de pesquisa e milhões de dólares investidos para desenvolver cana
transgênica, o grupo Votorantim e um consórcio de usineiros de São Paulo acumulam
mais perdas que ganhos.
Apesar de a variedade ter
produtividade 80% maior, a comercialização empacou por
conta da burocracia brasileira e
não há previsão de quando o
produto poderá sair do laboratório. Pior: os problemas estruturais do país impedem até
mesmo a patente nacional dos
genes que foram desenvolvidos, que precisam ser registrados em escritórios na Europa e
nos Estados Unidos.
"O respeito à propriedade intelectual no Brasil é meio avacalhado. A fiscalização nem se
fala, e, se procurar o Judiciário,
demora, é muito lento. CD pirata basta copiar e vender. A cana,
nem precisa copiar, é só pegar a
muda", disse Fernando Reinach, diretor de Novos Negócios da Votorantim.
A situação vivida pela Votorantim e pelo CTC (Centro de
Tecnologia Canavieira) ilustra
a dificuldade que a iniciativa
privada tem para investir em
uma das principais bandeiras
da gestão de Luiz Inácio Lula da
Silva e atingir a "geração 2.0"
dos biocombustíveis -considerado o próximo salto na área.
Burocracia, falta de pessoal,
normas inadequadas e até a falta de incentivos fiscais do governo federal são travas apontadas por especialistas e reconhecidas pelo governo. Os problemas se concentram na
CTNBio (Comissão Técnica
Nacional de Biossegurança), no
Inpi (Instituto Nacional de
Propriedade Intelectual) e no
Ministério da Agricultura.
A "geração 2.0" de biocombustíveis representa uma cana-de-açúcar mais adaptável a
áreas degradadas, resistente a
pragas e de necessidade menor
de água. No caso do biodiesel,
sementes que gerarão uma
quantidade maior de óleo.
Hoje, o avanço brasileiro
concentra-se no desenvolvimento de variedades de cana
adaptadas às condições geográficas e climáticas dos locais onde estão as maiores lavouras.
São melhoramentos genéticos sem a inserção de genes de
culturas diferentes. A especialidade nacional está em separar
os melhores "pais" na colheita
para chegar a "filhos" mais eficientes. No entanto, especialistas são unânimes em apontar o
uso de transgênicos como ferramenta necessária para um
salto rápido e sustentado à chamada "geração 2.0".
O problema é que a demora
em aprovar pesquisas -14 a 16
meses- ou conceder autorização para uso comercial -mais
de oito anos- quase anula as
chances de investimentos.
"Essa demora gera risco
grande. Que empresa vai investir em pesquisa sem ter certeza
de que usará comercialmente o
produto que vai desenvolver?
Há até risco de ver empresa estrangeira comprar o produto e
perdermos a patente", disse Alda Lerayer, secretária-executiva do CIB (Conselho de Informações sobre Biotecnologia).
Para a Unica (União da
Agroindústria Canavieira de
São Paulo), o ritmo da CTNBio
prejudica o setor. "Um entrave
hoje certamente é a CTNBio.
Do jeito que está, é impossível.
Entre desenvolver uma variedade de laboratório e conseguir
colocá-la no mercado, vão dez
anos de burocracia", apontou o
secretário-geral da entidade,
Fernando Moreira Ribeiro.
Mudança de quórum
Na quarta-feira, o presidente
Lula indicou redução na lista de
problemas ao sancionar lei reduzindo de 18 para 14 pessoas o
quórum necessário para aprovar pedidos comerciais. A comissão possui 27 integrantes.
A mudança era pedida por
cientistas e empresários, mas
foi criticada por ambientalistas. A ONG Greenpeace chegou
a tumultuar a sessão da
CTNBio na quinta-feira, resultando no adiamento da reunião
para o mês que vem.
"Somos contra todo tipo de
transgênico por princípio. Estamos montando um monstro,
um Frankenstein, e só vamos
saber a conseqüência quando
ele estiver com todos os parafusos", disse Judson Barros, representante da ONG Funáguas.
Estudioso de álcool e cana há
27 anos, o pesquisador Luis
Inácio da Silveira, da Universidade de Viçosa (MG), critica a
atitude dos ambientalistas.
"Não tem de ter raiva da
transgenia. É uma realidade
que vamos ter de buscar, principalmente por causa do aquecimento global", disse.
Segundo a CTNBio, os pedidos de pesquisa estão tramitando em ritmo normal. O único
gargalo estaria nos pedidos comerciais, porque a cada mês
entra um número considerável
de solicitações, informou a assessoria de imprensa do ministério da Ciência e Tecnologia.
Mesmo com a mudança do
quórum, o problema continua
pelo excesso de procedimentos. Exemplo: as pesquisas em
andamento precisam enviar relatórios periódicos para aprovação. Como não há pessoal,
sobra trabalho e os papéis
aguardam avaliação.
"Esse é o grande pepino que
temos hoje, em que a CTNBio
trava o processo: consigo criar
o material genético em laboratório, mas não consigo levar a
campo", disse Tadeu Andrade,
diretor do CTC.
Outra trava na obtenção do
biocombustível 2.0 foi o sinal
enviado pelo governo ao conceder incentivos fiscais só para o
plantio de mamona, criando assimetria fiscal, na avaliação do
coordenador do Pólo Nacional
de Biocombustíveis da USP.
"O que se concede para uma
cultura tem de dar para as outras. Isso é política de governo.
Mas não é a melhor estratégia
do ponto de vista de negócios.
Isso diminuiu a velocidade dos
investidores interessados em
biodiesel no Brasil", disse.
"Fizemos 30 anos de investimento. Sabemos plantar, há
material genético, tem a tecnologia da indústria, mas temos
de voltar a ser competitivos.
Por que digo isso? Daqui a dez
anos vai haver outra tecnologia
que vai afetar nosso negócio.
Vamos comprar ou desenvolver?", indagou.
Patentes
Responsável pelo registro de
marcas e patentes, o Inpi atingiu somente neste mês o padrão internacional no tempo de
análise dos pedidos que recebe.
Uma solicitação de marca depositada hoje deverá ser analisada em um ano e meio, em vez
dos cinco anos em média apurados em 2004. No caso de patente, serão quatro anos para
pedido feito hoje, contra o dobro de tempo há três anos.
O presidente do instituto,
Jorge Ávila, aponta duas outras
travas ao desenvolvimento do
setor de biocombustíveis: 1) o
excesso de procedimentos,
graus de recurso e exigências
burocráticas no curso de um
processo; e 2) a ausência de
previsão legal para patentes de
microorganismos ou fragmentos de seres vivos, como células.
Outro problema foi apontado
pelo diretor de Agroenergia do
Ministério da Agricultura, Ângelo Bressan: não há acompanhamento sobre as pesquisas
em andamento, seja de álcool
ou de biodiesel.
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