São Paulo, domingo, 25 de abril de 2004

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COMPRA FRESCA

Vendas de alimentos nas redes passam de 30% para 75% do total; preço mais alto e horário são "vilões"

Feira perde "freguesia" para supermercado

Eduardo Knapp/Folha Imagem
A gerente Vera Aguiar, da Mercearia Atilano, mostra o caderninho onde são marcadas as compras a fiado dos clientes mais antigos


CÍNTIA CARDOSO
DA REPORTAGEM LOCAL

"Olha o limão, freguesa!", "A laranja só não é mais doce do que beijo do namorado".
Os tradicionais gritos dos feirantes ainda tentam atrair clientes para as barracas, mas o cotidiano mostra que as cantorias ressoam em poucos ouvidos.
Ao longo dos últimos dez anos, o número de feiras no município de São Paulo permaneceu estagnado. Em 1994, para uma população de 9,86 milhões de habitantes havia 904 feiras na cidade. Neste ano, para 10,68 milhões, a prefeitura registra 905. No mesmo período, o total de supermercados saltou de 586 mil para 799 mil.
O congelamento da expansão desse tipo de negócio é uma conseqüência perversa do aumento da inserção dos supermercados no setor de hortifrutigranjeiros.
Ao longo da década de 90, a participação da venda de alimentos dos supermercados passou de 30%, em 1990, para 75%, em 2000. Os dados são do IFPRI (sigla em inglês para Instituto Internacional de Pesquisas de Políticas Alimentares, em Washington).
"O consumidor dos centros urbanos dita novos hábitos. Ele quer alimentos processados. Ele não tem mais tempo para cozinhar. Os vendedores de rua são os grandes perdedores desse fenômeno", avalia Joachim von Braun, diretor-geral do instituto.
À mudança do padrão de consumo soma-se um fator econômico: em tempos de renda mais baixa, o consumidor migra para a opção de compra mais barata. Diante desse cenário, os supermercados, em média, conseguem oferecer preços mais atraentes do que aqueles praticados pelos feirantes.
A reportagem da Folha comparou os preços dos produtos considerados básicos da cesta de hortifrutigranjeiros, tais como cebola, batata, cenoura, alface. No supermercado Comprebem Barateiro em Guaianases (zona leste), o quilo da cebola era vendido a R$ 1,09 na última sexta-feira. Numa feira a poucos metros do estabelecimento, o mesmo produto -com qualidade semelhante- era vendido a R$ 1,30. Na região central de São Paulo, o placar também favorece o grande varejo. No Pão de Açúcar, o quilo de banana nanica estava em R$ 1,25. Numa feira em Santa Cecília (também no centro), a dúzia (aproximadamente dois quilos) estava cotada a R$ 3.
"Os supermercados estão acabando com a gente. Eles fazem ofertas que a gente não pode cobrir", lamenta o feirante Augusto Dias dos Santos, 57, na profissão há 40 anos.
Segundo o seu relato, hoje ele só consegue vender 40% do seu estoque diário. Santos calcula que, no começo do Plano Real, chegava a vender 100% do investimento. A margem de lucro também está apertada em comparação com outros anos. Dos R$ 400 investidos em cada uma das seis feiras nas quais trabalha, o retorno, diz, não ultrapassa 20%.
O lucro minguado é conseqüência direta da queda-de-braço com os supermercados. Segundo Leonardo Miyao, diretor de frutas, legumes e verduras do Pão de Açúcar, para a "Quarta Extra", dia da concentração de ofertas do setor, são compradas aproximadamente 3.000 toneladas.
O volume corresponde a mais de 25% do movimento total do Ceagesp, principal entreposto da venda de hortifrútis. "As vendas crescem entre 8% e 10% por ano. Conseguimos oferecer preços melhores e temos muita preocupação com a qualidade dos produtos. Hoje, o apelo das feiras é só cultural", diz Miyao.
Desanimado com a concorrência, há quem pense em deixar o ramo. O feirante José Carlos dos Santos, 39, pensa em trocar a venda de limões e maracujás pelos palcos. Nas ruas há 28 anos, Santos junta economias para gravar um CD com o grupo LuAmante, criado por ele. "Por enquanto estou aqui na feira, mas música dá mais dinheiro, né?"
O comerciante lamenta a queda da sua renda. Ele conta que há cinco anos, conseguia lucrar R$ 2.000 por mês nas seis feiras nas quais trabalha. Hoje, diz, a sua renda não ultrapassa R$ 1.000.


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