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Hits de Hollywood reduzem risco de peça na Broadway
Grande parte dos musicais de sucesso teve sua origem nas salas de cinema
Broadway faturou
US$ 938 mi em 2007 com
peças como "O Rei Leão'; "Shrek" e "Homem-Aranha"
estão na fila de adaptações
DANIEL BERGAMASCO
DE NOVA YORK
Os espetáculos da Broadway
bateram no ano passado o seu
recorde de faturamento, US$
938 milhões, apesar do estouro
da crise imobiliária e da greve
de funcionários que tirou da indústria uma de suas semanas
mais rentáveis, a do Dia de
Ação de Graças.
Grande parte dos shows que
ancoraram esse sucesso tem
em seu DNA histórias testadas
antes no cinema, como "O Rei
Leão", "A Pequena Sereia",
"Spamalot" (baseada em
"Monty Python em Busca do
Cálice Sagrado"), "Xanadu" e
"Cry Baby", em uma tendência
oposta à tradição, em que os
hits da Broadway ganham versão em Hollywood, como ocorreu com "A Noviça Rebelde",
"My Fair Lady" e "Chicago".
Em breve, "Shrek", "Homem-Aranha", "O Diabo Veste
Prada" e outros sucessos estrearão como musicais.
Para Kristin Caskey, "na casa
dos 30 anos", principal executiva da Fox Theatricals, produtora de musicais de sucesso como
"Legalmente Loira" (também
clonado de Hollywood, e não do
livro que inspirou o filme), a tática é necessária para diminuir
os riscos diante da competição
de entretenimento mais barato
e até gratuito, como a internet.
Além disso, o dólar desvalorizado atrai turistas estrangeiros
que, segundo ela, costumam se
informar mais superficialmente sobre as peças em cartaz e
optam pelo que lhes parece
mais familiar. A seguir, trechos
da entrevista com Caskey.
FOLHA - Mesmo com greve e desaquecimento do consumo nos EUA, a
Broadway bateu o recorde de receita em 2007. O que deu tão certo?
KRISTIN CASKEY - Tivemos um recorde no Natal que tem a ver
com o fato de que fomos muito
comunicativos sobre as peças
desde o minuto em que a greve
acabou. A greve foi difícil, tirou
-nos a semana do feriado do Dia
de Ação de Graças, que costuma ser muito, muito importante para a nossa indústria. O fato
de o inverno não ter sido tão rigoroso também ajudou.
FOLHA - "Legalmente Loira" é
exemplo da inversão do ciclo de inspiração da Broadway. Antes as peças, em geral, inspiravam Hollywood, e agora elas se inspiram em
Hollywood. O que aconteceu?
CASKEY - Todos os produtores
adoram lançar textos originais.
Hoje é mais difícil isso ocorrer.
Grande parte das peças se baseia em livros, e os livros que
têm algo que possa ser transformado em longa ou peça são
rapidamente licenciados para
filmes. Hollywood tem significativamente mais dinheiro que
a Broadway pode pagar. Então,
quando temos acesso a esses
projetos, isso acontece depois
de os estúdios de cinema já terem começado a adaptá-los.
FOLHA - Mas há tantos livros no
mundo...
CASKEY - Sim, há muitos livros
que não foram licenciados. O
que acontece é que colocamos
tanto dinheiro em um musical
e trabalhamos com uma possibilidade pequena de que aquilo
não seja bem-sucedido. Se você
tem uma marca reconhecida,
será muito mais fácil conseguir
aquele "momentum".
FOLHA - As marcas conhecidas
afastam o risco?
CASKEY - Ainda há uma quantidade de risco envolvido, mas
você tem muito mais acesso entre o público. "Legalmente Loira" é um filme muito bem aceito, as pessoas conhecem a marca, conhecem a história. Se elas
gostaram do filme, provavelmente vão querer comprar esse
ingresso. Se você parte de uma
idéia original ou de um livro
pouco conhecido, precisará de
muito mais trabalho para atrair
público, especialmente se está
competindo com peças baseadas em grandes marcas.
FOLHA - Mas sempre houve disputa entre produtores. O que mudou?
CASKEY - Não existia tanta
competição pelos olhos das
pessoas, com televisão, videogames, filmes na internet. E você está pedindo que as pessoas
paguem de US$ 85 a US$ 220
por um ingresso. Fizemos uma
reunião de espectadores para
avaliar "Legalmente Loira" e
eles disseram que, se conhecem
algo da história, se têm alguma
relação com o produto, ficarão
mais inclinados a comprar o ingresso do que se escolherem às
cegas. Eles não se arriscam, o
ingresso é caro. Com turistas
internacionais, especialmente.
Fazer uma peça ser reconhecida por si mesma também é uma
alegria, claro, mas é um grande
desafio, é difícil. É uma tendência que veio para ficar.
FOLHA - Há críticas sobre a criatividade, mas, como negócio, o modelo
está funcionando...
CASKEY - Nós, os produtores de
teatro, tivemos uma convenção
recentemente em que falamos
sobre como a Broadway está
ativa hoje em dia e como tantos
shows estão tendo uma presença internacional enorme. E, para cada teatro que está agendado, há três ou quatro shows esperando para serem exibidos.
Sentimos que a Broadway está
em um período muito saudável.
O que amo a respeito é que estamos buscando maneiras de a
Broadway ser uma idéia global.
FOLHA - Como isso é possível?
CASKEY - Há franquias de
shows como "Mamma Mia",
que começou em Londres e
veio para a Broadway, que são
um sucesso pelo país e que agora estão tendo montagens internacionais. A peça está sendo
montada no Japão, na Austrália e na Alemanha, e as produções têm uma conexão com a
Broadway. E assim tornamos
global o entretenimento ao vivo, para as pessoas verem a
mesma peça, ao mesmo tempo,
em várias partes do mundo.
FOLHA - Há crise de criatividade na
Broadway? É certamente muito
mais difícil construir uma peça a partir de um livro do que de um produto
audiovisual estabelecido...
CASKEY - Ainda assim há muito
trabalho de adaptação. Nenhuma das músicas vem do filme;
então o tom musical sempre
tem de ser criado, é um trabalho significativo. Você tem de
descobrir como cada personagem vai soar no palco, o que
manter do filme, o que criar. É
muito trabalho, mesmo partindo de um conceito que já existe.
FOLHA - Qual filme nunca poderia
ser transformado em peça?
CASKEY - Humm... Não sei. Provavelmente filmes que vêm de
um gênero de ação mais pesado, como "Matrix". Seria muito
difícil criar todo aquele ambiente. Mas nunca diga nunca.
Uma das coisas extraordinárias
é quando shows que você nunca poderia esperar que dessem
certo funcionam. Comentávamos outro dia sobre "Xanadu",
de como o sucesso da peça superou as expectativas, de como
conseguiram transformar um
dos piores filmes de todos os
tempos em um musical viável.
FOLHA - Como uma empresa que
depende de idéias lida com o assédio de novos criadores?
CASKEY - Há milhares de idéias
chegando. Nós procuramos
projetos que sejam comerciais,
que tenham uma longa vida e
pelos quais nos apaixonamos.
Há festivais em que se apresentam 50 projetos em um dia. Tenho grande respeito por alguém que cria, mas há tanta
gente, é difícil selecionar.
FOLHA - A senhora é assediada diretamente por atores e criadores?
CASKEY - Houve um cavalheiro
uma vez que queria muito ser
escalado para uma peça e escreveu uma carta à mão para todos
os produtores da Broadway dizendo o que fez no passado e
que queria ser visto. Não sei o
que aconteceu com ele. Quem
escolhe atores é o diretor de
"casting", que contratamos para isso. Diretores de "casting"
fazem testes, há espaço para
gente nova se apresentar. Então não é que só entra quem já
está na Broadway, mas há um
caminho a seguir, não adianta
nos contatar diretamente.
FOLHA - Quando uma produtora
lança um musical, ela já planeja
quanto vai durar, aproximadamente, a temporada da peça?
CASKEY - Nós sempre queremos que nosso show dure para
seeeeempre. Mas também sabemos que não é possível saber.
Depende de muitos detalhes,
como prêmios que a peça recebe, e o que determina a longevidade do show é se o público está
contando aos amigos que gostou. Tem também muito a ver
com a demografia do show. Há
alguns shows que são fantásticos, mas falam para uma porção específica do público, que
se esgota.
Os que duram muitos anos
em cartaz trazem gente de Nova York, de Ohio, do Brasil, falam para a família, falam para
todo o mundo. Qualquer musical que fica em cartaz por três
anos e meio pode ser considerado um grande sucesso. E aí
você tem as anomalias que chamamos de megahits, que são os
shows que viajarão pelo tempo,
o que é muito raro acontecer.
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