São Paulo, domingo, 25 de maio de 2008

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Hits de Hollywood reduzem risco de peça na Broadway

Grande parte dos musicais de sucesso teve sua origem nas salas de cinema

Broadway faturou US$ 938 mi em 2007 com peças como "O Rei Leão'; "Shrek" e "Homem-Aranha" estão na fila de adaptações


DANIEL BERGAMASCO
DE NOVA YORK

Os espetáculos da Broadway bateram no ano passado o seu recorde de faturamento, US$ 938 milhões, apesar do estouro da crise imobiliária e da greve de funcionários que tirou da indústria uma de suas semanas mais rentáveis, a do Dia de Ação de Graças.
Grande parte dos shows que ancoraram esse sucesso tem em seu DNA histórias testadas antes no cinema, como "O Rei Leão", "A Pequena Sereia", "Spamalot" (baseada em "Monty Python em Busca do Cálice Sagrado"), "Xanadu" e "Cry Baby", em uma tendência oposta à tradição, em que os hits da Broadway ganham versão em Hollywood, como ocorreu com "A Noviça Rebelde", "My Fair Lady" e "Chicago".
Em breve, "Shrek", "Homem-Aranha", "O Diabo Veste Prada" e outros sucessos estrearão como musicais. Para Kristin Caskey, "na casa dos 30 anos", principal executiva da Fox Theatricals, produtora de musicais de sucesso como "Legalmente Loira" (também clonado de Hollywood, e não do livro que inspirou o filme), a tática é necessária para diminuir os riscos diante da competição de entretenimento mais barato e até gratuito, como a internet.
Além disso, o dólar desvalorizado atrai turistas estrangeiros que, segundo ela, costumam se informar mais superficialmente sobre as peças em cartaz e optam pelo que lhes parece mais familiar. A seguir, trechos da entrevista com Caskey.

 

FOLHA - Mesmo com greve e desaquecimento do consumo nos EUA, a Broadway bateu o recorde de receita em 2007. O que deu tão certo?
KRISTIN CASKEY
- Tivemos um recorde no Natal que tem a ver com o fato de que fomos muito comunicativos sobre as peças desde o minuto em que a greve acabou. A greve foi difícil, tirou -nos a semana do feriado do Dia de Ação de Graças, que costuma ser muito, muito importante para a nossa indústria. O fato de o inverno não ter sido tão rigoroso também ajudou.

FOLHA - "Legalmente Loira" é exemplo da inversão do ciclo de inspiração da Broadway. Antes as peças, em geral, inspiravam Hollywood, e agora elas se inspiram em Hollywood. O que aconteceu?
CASKEY
- Todos os produtores adoram lançar textos originais. Hoje é mais difícil isso ocorrer. Grande parte das peças se baseia em livros, e os livros que têm algo que possa ser transformado em longa ou peça são rapidamente licenciados para filmes. Hollywood tem significativamente mais dinheiro que a Broadway pode pagar. Então, quando temos acesso a esses projetos, isso acontece depois de os estúdios de cinema já terem começado a adaptá-los.

FOLHA - Mas há tantos livros no mundo...
CASKEY
- Sim, há muitos livros que não foram licenciados. O que acontece é que colocamos tanto dinheiro em um musical e trabalhamos com uma possibilidade pequena de que aquilo não seja bem-sucedido. Se você tem uma marca reconhecida, será muito mais fácil conseguir aquele "momentum".

FOLHA - As marcas conhecidas afastam o risco?
CASKEY
- Ainda há uma quantidade de risco envolvido, mas você tem muito mais acesso entre o público. "Legalmente Loira" é um filme muito bem aceito, as pessoas conhecem a marca, conhecem a história. Se elas gostaram do filme, provavelmente vão querer comprar esse ingresso. Se você parte de uma idéia original ou de um livro pouco conhecido, precisará de muito mais trabalho para atrair público, especialmente se está competindo com peças baseadas em grandes marcas.

FOLHA - Mas sempre houve disputa entre produtores. O que mudou?
CASKEY
- Não existia tanta competição pelos olhos das pessoas, com televisão, videogames, filmes na internet. E você está pedindo que as pessoas paguem de US$ 85 a US$ 220 por um ingresso. Fizemos uma reunião de espectadores para avaliar "Legalmente Loira" e eles disseram que, se conhecem algo da história, se têm alguma relação com o produto, ficarão mais inclinados a comprar o ingresso do que se escolherem às cegas. Eles não se arriscam, o ingresso é caro. Com turistas internacionais, especialmente. Fazer uma peça ser reconhecida por si mesma também é uma alegria, claro, mas é um grande desafio, é difícil. É uma tendência que veio para ficar.

FOLHA - Há críticas sobre a criatividade, mas, como negócio, o modelo está funcionando...
CASKEY
- Nós, os produtores de teatro, tivemos uma convenção recentemente em que falamos sobre como a Broadway está ativa hoje em dia e como tantos shows estão tendo uma presença internacional enorme. E, para cada teatro que está agendado, há três ou quatro shows esperando para serem exibidos. Sentimos que a Broadway está em um período muito saudável. O que amo a respeito é que estamos buscando maneiras de a Broadway ser uma idéia global.

FOLHA - Como isso é possível?
CASKEY
- Há franquias de shows como "Mamma Mia", que começou em Londres e veio para a Broadway, que são um sucesso pelo país e que agora estão tendo montagens internacionais. A peça está sendo montada no Japão, na Austrália e na Alemanha, e as produções têm uma conexão com a Broadway. E assim tornamos global o entretenimento ao vivo, para as pessoas verem a mesma peça, ao mesmo tempo, em várias partes do mundo.

FOLHA - Há crise de criatividade na Broadway? É certamente muito mais difícil construir uma peça a partir de um livro do que de um produto audiovisual estabelecido...
CASKEY
- Ainda assim há muito trabalho de adaptação. Nenhuma das músicas vem do filme; então o tom musical sempre tem de ser criado, é um trabalho significativo. Você tem de descobrir como cada personagem vai soar no palco, o que manter do filme, o que criar. É muito trabalho, mesmo partindo de um conceito que já existe.

FOLHA - Qual filme nunca poderia ser transformado em peça?
CASKEY
- Humm... Não sei. Provavelmente filmes que vêm de um gênero de ação mais pesado, como "Matrix". Seria muito difícil criar todo aquele ambiente. Mas nunca diga nunca. Uma das coisas extraordinárias é quando shows que você nunca poderia esperar que dessem certo funcionam. Comentávamos outro dia sobre "Xanadu", de como o sucesso da peça superou as expectativas, de como conseguiram transformar um dos piores filmes de todos os tempos em um musical viável.

FOLHA - Como uma empresa que depende de idéias lida com o assédio de novos criadores?
CASKEY
- Há milhares de idéias chegando. Nós procuramos projetos que sejam comerciais, que tenham uma longa vida e pelos quais nos apaixonamos. Há festivais em que se apresentam 50 projetos em um dia. Tenho grande respeito por alguém que cria, mas há tanta gente, é difícil selecionar.

FOLHA - A senhora é assediada diretamente por atores e criadores?
CASKEY
- Houve um cavalheiro uma vez que queria muito ser escalado para uma peça e escreveu uma carta à mão para todos os produtores da Broadway dizendo o que fez no passado e que queria ser visto. Não sei o que aconteceu com ele. Quem escolhe atores é o diretor de "casting", que contratamos para isso. Diretores de "casting" fazem testes, há espaço para gente nova se apresentar. Então não é que só entra quem já está na Broadway, mas há um caminho a seguir, não adianta nos contatar diretamente.

FOLHA - Quando uma produtora lança um musical, ela já planeja quanto vai durar, aproximadamente, a temporada da peça?
CASKEY
- Nós sempre queremos que nosso show dure para seeeeempre. Mas também sabemos que não é possível saber. Depende de muitos detalhes, como prêmios que a peça recebe, e o que determina a longevidade do show é se o público está contando aos amigos que gostou. Tem também muito a ver com a demografia do show. Há alguns shows que são fantásticos, mas falam para uma porção específica do público, que se esgota.
Os que duram muitos anos em cartaz trazem gente de Nova York, de Ohio, do Brasil, falam para a família, falam para todo o mundo. Qualquer musical que fica em cartaz por três anos e meio pode ser considerado um grande sucesso. E aí você tem as anomalias que chamamos de megahits, que são os shows que viajarão pelo tempo, o que é muito raro acontecer.


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