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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Cedo demais para esquecer
LUIZ GONZAGA BELLUZZO
O economista da Unctad
Yilmar Akyuz acaba de publicar um pequeno texto -"Causas e Origens da Crise Financeira
Asiática"- em que busca, quase
três anos depois, reavaliar as explicações sobre a crise asiática de 97/
98. Diante da diversidade de situações macroeconômicas e, sobretudo, da excelência dos desempenhos
fiscais -os orçamentos apresentavam superávit primário e as relações dívida/PIB eram espantosamente baixas-, Akyuz sustenta
que abertura financeira e o rápido
ingresso de capitais eram os únicos
fatores comuns a todos os países.
Muitos (*) já haviam observado
que a abertura e a desregulamentação financeiras -a progressiva
liberalização das transações registradas na conta de capital e o
afrouxamento dos controles sobre
a atividade dos bancos- ocorreram tanto por razões externas como internas. Entre as "externas"
desfilavam as transformações dos
mercados de capitais "globalizados" e exigências dos Estados Unidos, incomodados com seu desequilíbrio comercial crônico e com a
acumulação de reservas em moeda
forte nos "tigres" e "dragões". As
razões internas mais importantes
são de natureza macroeconômica:
os bancos japoneses estavam obrigados a "reciclar" os excedentes em
divisas para evitar os desequilíbrios
monetários e financeiros domésticos.
A "desopressão" financeira envolveu, assim, três tipos de providências: 1) eliminação dos controles cambiais, ampliando a possibilidade de os agentes domésticos
realizarem transações em moeda
estrangeira não decorrentes de
uma operação comercial; 2) liberação das taxas de juros, com restrição progressiva dos créditos dirigidos e subsidiados; e 3) desregulamentação bancária, ensejando que
os bancos locais pudessem ampliar
a gama de "serviços financeiros"
prestados às empresas não financeiras.
O auge regional dos anos 90 é
concomitante à rápida expansão
do crédito internacional, comandada pelos bancos americanos e
europeus na esteira da redução das
taxas de juros liderada pelo Federal Reserve com o propósito de
alentar a recuperação das economias centrais.
Os dados do BIS e do FMI mostram claramente que, no início dos
anos 90, particularmente a partir
de 1992, há um forte incremento
dos fluxos de capitais -investimento direto, empréstimos bancários, aquisição de bônus, financiamentos comerciais e compras de
ativos- para os mercados asiáticos dos anos 80. Essa torrente foi
acompanhada, até a eclosão da crise mexicana, de uma queda significativa dos diferenciais de juros entre os títulos emitidos pelos "emergentes" e os títulos de mesmo prazo
do governo americano.
Akyuz mostra que, apesar da
prosopopéia "reformista" do Consenso de Washington e de seus acólitos subdesenvolvidos, o movimento de capitais obedeceu e vem obedecendo apenas e tão-somente a
seus impulsos mais profundos, ou
seja, "dinheiro caçando rendimento".
Um fator sempre importante nos
mercados financeiros desregulamentados é a concorrência entre as
instituições financeiras. Ela é a fonte por excelência do risco sistêmico.
Os administradores de crédito e de
recursos, no afã de carrear mais dinheiro para os seus fundos e na ânsia de bater os concorrentes, devem
exibir performances espetaculares.
Para tanto, vêm-se forçados a abrir
espaço em suas carteiras para ativos de maior risco.
No caso das economias da Ásia
era ampla a oferta de ações, projetos imobiliários e industriais que
prometiam alta rentabilidade, localizados em economias com programas ambiciosos de modernização urbana e com tradição de elevadas taxas de crescimento e prolongados períodos de expansão
econômica. A isso deve-se adicionar a convicção, disseminada entre
os investidores e entre agências de
avaliação de risco (e confirmada
pelas análises dos organismos multilaterais) quanto à sólida situação
macroeconômica dos países da região. Essas "convenções" otimistas
exacerbaram o "choque de demanda sobre o conjunto de ativos, provocando o surgimento de fenômenos inter-relacionados: sobreinvestimento nas áreas consideradas
mais "dinâmicas" e explosão de
preços de ativos de oferta inelástica.
Akyuz registra que nem sempre
estiveram presentes os vilões habituais das crises financeiras e cambiais. Falamos da sobrevalorização
das moedas e déficits crescentes em
transações correntes ou de relações
perigosas dívida/PIB. Mas, em todos os casos, lá estavam o forte endividamento de curto prazo em
moeda estrangeira, a desregulamentação do sistema bancário e o
risco moral, ou seja, a certeza de
que, no desastre, os credores seriam
os primeiros a embarcar no bote
salva-vidas do Fundo Monetário
Internacional, do Federal Reserve e
do Tesouro dos Estados Unidos.
(*) Uma parte da análise subsequente está no meu texto da revista "Praga" nº 5,
maio de 1998.
Luiz Gonzaga Belluzzo, 57, é professor
titular de Economia da Unicamp (Universidade de Campinas). Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos
do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia
do Estado de São Paulo (governo Quércia).
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