São Paulo, domingo, 25 de junho de 2000


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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Cedo demais para esquecer

LUIZ GONZAGA BELLUZZO

O economista da Unctad Yilmar Akyuz acaba de publicar um pequeno texto -"Causas e Origens da Crise Financeira Asiática"- em que busca, quase três anos depois, reavaliar as explicações sobre a crise asiática de 97/ 98. Diante da diversidade de situações macroeconômicas e, sobretudo, da excelência dos desempenhos fiscais -os orçamentos apresentavam superávit primário e as relações dívida/PIB eram espantosamente baixas-, Akyuz sustenta que abertura financeira e o rápido ingresso de capitais eram os únicos fatores comuns a todos os países.
Muitos (*) já haviam observado que a abertura e a desregulamentação financeiras -a progressiva liberalização das transações registradas na conta de capital e o afrouxamento dos controles sobre a atividade dos bancos- ocorreram tanto por razões externas como internas. Entre as "externas" desfilavam as transformações dos mercados de capitais "globalizados" e exigências dos Estados Unidos, incomodados com seu desequilíbrio comercial crônico e com a acumulação de reservas em moeda forte nos "tigres" e "dragões". As razões internas mais importantes são de natureza macroeconômica: os bancos japoneses estavam obrigados a "reciclar" os excedentes em divisas para evitar os desequilíbrios monetários e financeiros domésticos.
A "desopressão" financeira envolveu, assim, três tipos de providências: 1) eliminação dos controles cambiais, ampliando a possibilidade de os agentes domésticos realizarem transações em moeda estrangeira não decorrentes de uma operação comercial; 2) liberação das taxas de juros, com restrição progressiva dos créditos dirigidos e subsidiados; e 3) desregulamentação bancária, ensejando que os bancos locais pudessem ampliar a gama de "serviços financeiros" prestados às empresas não financeiras.
O auge regional dos anos 90 é concomitante à rápida expansão do crédito internacional, comandada pelos bancos americanos e europeus na esteira da redução das taxas de juros liderada pelo Federal Reserve com o propósito de alentar a recuperação das economias centrais.
Os dados do BIS e do FMI mostram claramente que, no início dos anos 90, particularmente a partir de 1992, há um forte incremento dos fluxos de capitais -investimento direto, empréstimos bancários, aquisição de bônus, financiamentos comerciais e compras de ativos- para os mercados asiáticos dos anos 80. Essa torrente foi acompanhada, até a eclosão da crise mexicana, de uma queda significativa dos diferenciais de juros entre os títulos emitidos pelos "emergentes" e os títulos de mesmo prazo do governo americano.
Akyuz mostra que, apesar da prosopopéia "reformista" do Consenso de Washington e de seus acólitos subdesenvolvidos, o movimento de capitais obedeceu e vem obedecendo apenas e tão-somente a seus impulsos mais profundos, ou seja, "dinheiro caçando rendimento".
Um fator sempre importante nos mercados financeiros desregulamentados é a concorrência entre as instituições financeiras. Ela é a fonte por excelência do risco sistêmico. Os administradores de crédito e de recursos, no afã de carrear mais dinheiro para os seus fundos e na ânsia de bater os concorrentes, devem exibir performances espetaculares. Para tanto, vêm-se forçados a abrir espaço em suas carteiras para ativos de maior risco.
No caso das economias da Ásia era ampla a oferta de ações, projetos imobiliários e industriais que prometiam alta rentabilidade, localizados em economias com programas ambiciosos de modernização urbana e com tradição de elevadas taxas de crescimento e prolongados períodos de expansão econômica. A isso deve-se adicionar a convicção, disseminada entre os investidores e entre agências de avaliação de risco (e confirmada pelas análises dos organismos multilaterais) quanto à sólida situação macroeconômica dos países da região. Essas "convenções" otimistas exacerbaram o "choque de demanda sobre o conjunto de ativos, provocando o surgimento de fenômenos inter-relacionados: sobreinvestimento nas áreas consideradas mais "dinâmicas" e explosão de preços de ativos de oferta inelástica.
Akyuz registra que nem sempre estiveram presentes os vilões habituais das crises financeiras e cambiais. Falamos da sobrevalorização das moedas e déficits crescentes em transações correntes ou de relações perigosas dívida/PIB. Mas, em todos os casos, lá estavam o forte endividamento de curto prazo em moeda estrangeira, a desregulamentação do sistema bancário e o risco moral, ou seja, a certeza de que, no desastre, os credores seriam os primeiros a embarcar no bote salva-vidas do Fundo Monetário Internacional, do Federal Reserve e do Tesouro dos Estados Unidos.


(*) Uma parte da análise subsequente está no meu texto da revista "Praga" nº 5, maio de 1998.
Luiz Gonzaga Belluzzo, 57, é professor titular de Economia da Unicamp (Universidade de Campinas). Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (governo Quércia).


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