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São Paulo, quarta-feira, 25 de junho de 2003

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LUÍS NASSIF

O câmbio e a pulga

Na coluna de ontem, tentei explicar didaticamente a importância do conceito de "equilíbrio" em economia e o modelo por trás do conceito de "metas inflacionárias" praticado pelo Banco Central. Pelo modelo, o BC define uma meta de inflação e depois baliza o desempenho da economia por meio da taxa de juros. Quanto maior a inflação, maiores os juros. Acontece que parte relevante da inflação brasileira é dada em razão da volatilidade do câmbio, que impacta produtos importados e indexadores de contratos e não é afetada pelos juros. Se reduzisse essa volatilidade, o BC não precisaria elevar tão violentamente os juros.
Por que todas as grandes crises internacionais -México, Ásia, Rússia- provocaram um terremoto na economia brasileira? Justamente por conta dessa vulnerabilidade externa. O país fica dependente de capitais externos e, a cada crise internacional, esses capitais fogem, o dólar dispara, a inflação aumenta, o BC é obrigado a aumentar os juros para segurar os preços e os capitais, e a dívida interna e externa aumentam ainda mais, ampliando a dependência dos capitais de risco e a necessidade de juros altos -um círculo vicioso infernal. Toda essa conta vai para o contribuinte, obrigado a pagar mais impostos e juros e a receber menos serviços públicos, porque a arrecadação é desviada para pagamento dos juros.
No ano passado, por conta da crise internacional, do medo do risco e das eleições brasileiras, o capital internacional sumiu e o país quebrou mais uma vez, precisando da ajuda do FMI para fechar as suas contas. Mas, aí, ocorreu o milagre. A desvalorização do dólar permitiu que as exportações brasileiras disparassem, o superávit comercial crescesse de US$ 4 bilhões para US$ 16 bilhões ao ano e a vulnerabilidade externa caísse substancialmente.
Tecnicamente, qual seria a política prudencial? Manter o dólar desvalorizado, assegurando os superávits comerciais e reduzindo a vulnerabilidade externa. O preço a pagar seria uma meta inflacionária um pouco maior, nada de substancialmente dramático. Para manter o real desvalorizado, bastaria adquirir dólares, para reforçar as reservas cambiais, ou reduzir a rolagem dos títulos cambiais, para levar as empresas a trocar títulos por dólares.
O que o BC fez? Estipulou uma meta inflacionária extremamente rígida, jogou os juros lá em cima, permitiu a valorização do real e não reforçou as reservas cambiais. Se os superávits comerciais caírem novamente, a vulnerabilidade continuará mantida indefinidamente. Se os superávits comerciais fossem mantidos, pelo contrário, acabaria o mercado para esse ganho fácil do capital especulativo internacional.
Por isso se entende a enorme gritaria de alguns analistas financeiros, contra o aumento dos superávits comerciais. É a história do filho do médico que, formado médico, descobriu que a doença do principal cliente do pai era uma pulguinha no umbigo. Voltou contente para contar ao pai que tinha resolvido o problema matando a pulguinha. E o pai: "Imprudente, foi aquela pulguinha que garantiu seus estudos".

E-mail - Luisnassif@uol.com.br


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