São Paulo, sexta-feira, 25 de junho de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Os dois olhares!

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Chamo a atenção do leitor para a diferença com que têm sido recebidos os dados mais recentes sobre o comportamento da economia brasileira. De um lado, aqueles que colocam a garantia da solvência do país como ponto prioritário de suas preocupações; de outro, os que entendem ser o crescimento econômico e a geração de empregos a chave de nosso futuro. São dois olhares distintos sobre a situação econômica de hoje.
O primeiro grupo, claramente majoritário no debate a que a sociedade brasileira assiste, extravasa ruidosamente seu otimismo com os dias que vivemos e acenam com um futuro brilhante à frente. A manutenção da política econômica atual nos levará, no fim desta década, a uma situação privilegiada no segmento das economias emergentes. Em recente trabalho publicado, uma das consultorias internacionais que acompanho chama esse grupo de ricardiano. Essa designação muito feliz baseia-se nos ensinamentos de David Ricardo, um dos primeiros economistas que ganharam fama por suas teorias sobre o funcionamento das economias de mercado.
Já o restrito grupo dos que criticam a política atual e apontam as fragilidades estruturais da economia reage à divulgação dos dados econômicos com advertências sobre as dificuldades à frente. Na busca cega da preservação das condições de solvência do governo, estamos agredindo, diariamente, a dinâmica de crescimento das economias de mercado. A carga fiscal atual, as limitações de nossa infra-estrutura econômica, os juros elevados, a falta de crédito bancário e as limitações institucionais para que a energia empresarial possa ser exercitada com eficiência são as grandes preocupações desses analistas. Para contrapor um nome ao grupo anterior, vou emprestar a designação dada pela consultoria citada aos que assim pensam: schumpeterianos, ou seguidores dos ensinamentos do grande economista alemão da primeira metade do século passado Joseph Schumpeter.
Vamos pegar um exemplo recente para explicar melhor essas diferenças de pensamento e análises. O mercado e os ricardianos receberam com gritos de euforia a arrecadação de impostos do mês passado, um novo recorde nacional. Já os seguidores de Schumpeter viram nesse dado mais um indicador negativo da conjuntura econômica atual.
Os primeiros viram no recorde de impostos um sinal importante para a realização de um superávit primário maior do que o previsto e um reforço na garantia de pagamentos dos juros da dívida pública. Seus oponentes enxergaram no aumento de impostos uma redução ainda maior da renda disponível dos consumidores e na capacidade de investimento das empresas privadas.
Para os ricardianos, o que interessa na dinâmica econômica de um país como o Brasil é a estabilidade macroeconômica de longo prazo e o respeito às vantagens comparadas de cada nação no contexto do mundo globalizado. Com equilíbrio fiscal e inflação baixa, o desenvolvimento de um país virá de forma natural e baseado apenas nas decisões autônomas do mercado. Um bom exemplo de como pensa esse grupo de economistas é o caso da Embraer, empresa que visitei recentemente e que emprega cerca de 15 mil brasileiros na produção de sofisticados aviões em São José dos Campos.
Nas palavras de um dos mais radicais ricardianos que conheço, essa empresa não deveria existir, pois a vocação natural do Brasil é exportar soja e algodão, e não aviões. Para esse radical do século 19, foi um erro o governo ter apoiado a nossa indústria aeronáutica mobilizando recursos públicos no início de suas atividades (hoje a Embraer é uma empresa privada). Segundo seu raciocínio, os 15 mil empregados da empresa, que têm um salário médio de mais R$ 1.500, deveriam estar carpindo roça e ganhando salário mínimo. Aliás, a crítica mais contundente que se pode fazer aos ricardianos é que eles esquecem o fator tecnologia em suas análises simplistas de vantagens comparadas.
Um outro exemplo desses olhares diversos para as nossas estatísticas econômicas foi a publicação pelo Banco Central, na última quarta-feira, dos resultados de nossa balança de pagamentos no mês de maio. Os mercados receberam com euforia mais um saldo positivo em nossa conta corrente externa. Belo sinal de capacidade de pagamento de nossa dívida externa!
Já nós, schumpeterianos, suspiramos preocupados com mais esse sinal de que estamos exportando poupança para fora, em um momento em que necessitamos tanto de recursos de longo prazo e estáveis para financiar nossos investimentos. Outro sinal muito ruim para nosso grupo foram os magros US$ 200 milhões de investimento direto estrangeiro no mês passado. Já o mercado nem sequer suspirou por esse dado. Vamos ver em futuro próximo quem está com a razão!


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 61, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br


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