|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OPINIÃO ECONÔMICA
Pedro Malan
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Dentro de alguns dias, o Plano Real completa quatro anos.
Toda vez que o Real faz aniversário, este colunista descansa
da sua sanha crítica e presta
uma pequena homenagem ao
sucesso da estabilização monetária.
Amigos, convenhamos que,
para uma moeda brasileira,
quatro anos são uma eternidade. Todo mundo sabe que ainda
falta muito para consolidá-la e
transformá-la em um programa
de desenvolvimento com justiça
social. Mas o pior dos mal-humorados haverá de reconhecer
que o que se alcançou, nos últimos anos, em matéria de combate à inflação, foi muito importante para o país. Precisa ser
preservado e consolidado por
quem quer que vença as eleições deste ano.
Se o artigo enveredasse por aí,
correria sérios riscos de contribuir mais uma homenagem ao
conselheiro Acácio, o santo padroeiro do debate econômico
nacional. Mas hoje eu queria
fazer uma homenagem de caráter diferente, mais pessoal, a
uma figura que teve e tem um
papel-chave no combate à inflação.
Trata-se de Pedro Malan, presidente do Banco Central na
época do lançamento do plano
e ministro da Fazenda desde
janeiro de 1995. Os meus leitores regulares -se é que os tenho- sabem o quanto Malan e
sua política econômica já foram criticados aqui nesta coluna. Cheguei a sustentar, psicografando o Nelson Rodrigues,
que o fleumático e sóbrio Malan, uma espécie de alto funcionário do Tesouro britânico em
missão na Índia, era, na verdade, o último inglês da vida real,
a última personificação das virtudes britânicas de comedimento e autocontrole (tese, diga-se de passagem, amplamente
confirmada pela emoção descabelada que engolfou a Inglaterra quando da morte da princesa Diana).
Mas até os mais combativos
precisam, de vez em quando,
deixar de lado as divergências e
desavenças e reconhecer os méritos dos outros. Malan é um
economista de grande capacidade, equilíbrio, sofisticação e
sutileza. Poucas pessoas no
Brasil têm a sua experiência internacional. Sem a sua liderança e coordenação, o Real dificilmente teria chegado até onde
chegou. E o Brasil não poderia
ter realizado a façanha de passar, em poucos anos, de uma
grande crise inflacionária para
uma taxa de inflação próxima
da que se observa nos países
desenvolvidos.
O leitor talvez não se dê conta
de como pode ser penoso o cargo de ministro da Fazenda no
Brasil. É um dos empregos mais
difíceis do planeta.
Dele pode-se dizer o que o
Nelson Rodrigues dizia da função de técnico da seleção brasileira. No Brasil, o ministro da
Fazenda está sempre cercado de
palpites e palpiteiros. Sofre, no
mínimo, umas 200 irritações
por dia. Poucas funções são tão
polêmicas. Tudo o que ele faz
suscita debates no país inteiro.
E há sujeitos que vivem, dia e
noite, tramando a sua desgraça. Nessas circunstâncias, manter a calma é quase um ato de
heroísmo.
Entre as qualidades do Malan
está uma que não tem sido devidamente reconhecida: a extraordinária capacidade de falar, com grande categoria e elegância, sem dizer rigorosamente nada.
Pode parecer que estou fazendo troça. De forma alguma. Essa sua característica causa, é
claro, decepções ao jornalismo
escrito, falado e televisionado,
mas ela é indispensável para o
exercício do cargo de ministro
da Fazenda ou de presidente do
Banco Central. Em todos os
países civilizados, esses funcionários têm, em geral, a mesma
opacidade misteriosa que o
nosso Malan aperfeiçoou ao
longo dos anos. E reparem que
alguns integrantes de sua equipe tentam, sem grande sucesso,
imitar o seu estilo inconfundível.
Questões de estilo à parte,
permanece o fato de que a estabilização da moeda foi alcançada a um custo desnecessariamente elevado em termos de dependência externa e fragilização da posição internacional do
país. Isso vem levando o governo a adotar medidas que sufocam o crescimento da economia
e produzem desemprego.
Já expressei muitas vezes essas
divergências com a política do
ministro Malan. Se pudesse resumi-las em uma frase, talvez
recorresse novamente ao manifesto antropófago, de Oswald de
Andrade, para dizer que o que
falta a homens como Malan é,
fundamentalmente, a disposição de ir "contra todas as catequeses" e "a verdade dos povos
missionários, mentira muitas
vezes repetida".
Mas isso já é outro assunto.
Não quero que essa homenagem me saia reticente demais.
O que eu gostaria de dizer hoje
é, simplesmente, o seguinte: seja
qual for o desfecho da atual política econômica, Pedro Malan,
comandante da estabilização
monetária, já conquistou um
lugar na história econômica do
país.
Paulo Nogueira Batista Jr., 43, economista e
professor da Fundação Getúlio Vargas, escreve às quintas-feiras nesta coluna.
E-mail: pnbjr@ibm.net
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|