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ARTIGO
Déficit dos Estados Unidos traz risco global
Stephen Chernin - 23.ago.04/France Presse
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Operador em pregão da Bolsa de Valores de Nova York |
MARTIN WOLF
DO "FINANCIAL TIMES"
Déficits em conta corrente
importam? Já argumentei
que é possível que sim. Já que o
elevado e crescente déficit em
conta corrente dos Estados Unidos é uma das características mais
notáveis da economia mundial no
momento, decidir se ele importa
ou não é uma questão razoavelmente significativa.
O argumento de que os déficits
não importam remonta ao ataque
de Adam Smith contra o mercantilismo, em "A Riqueza das Nações". O objetivo da atividade
econômica é o consumo, insistia,
e não a acumulação de tesouros.
Os déficits comerciais permitem
que um país consuma mais do
que produz. Logo são benéficos.
Em termos mais técnicos, com
um custo mais baixo de capital do
que seria possível sem esse influxo de capitais, os EUA podem
desfrutar de padrões de vida superiores. O padrão de vida do resto do mundo também será mais
elevado, desde que os retornos de
seus investimentos nos EUA superem, em termos de margem, os
retornos do consumo doméstico.
A exportação de capital do resto
do mundo para os EUA, portanto,
beneficia a todos os envolvidos.
O argumento é correto, dentro
de seus limites. Mas esses limites
não se estendem por distância suficiente. Existem três motivos diferentes para que ainda haja preocupação quanto ao déficit: a poupança norte-americana pode cair
demais; o resto do mundo talvez
esteja desperdiçando seu capital; e
inversões de fluxos de capital têm
o potencial de desestabilizar a
economia mundial.
Lawrence Summers, ex-secretário do Tesouro norte-americano,
enfatizou o primeiro desses três
pontos em palestras. A poupança
norte-americana chegou a um de
seus mais baixos patamares em
todos os tempos, como proporção do PIB, apontou. A poupança
nacional líquida (ou seja, depois
de descontada a depreciação) fica
em cerca de 2% do PIB. Na prática, isso implica que estrangeiros
estejam no momento financiando
cerca de três quartos do investimento líquido dos EUA.
Por que esse baixo nível de poupança deveria incomodar os
EUA, já que o resto do mundo está disposto a cobrir a diferença? A
resposta é que o retorno sobre a
poupança estrangeira investida
não pertence aos norte-americanos, mesmo que o dinheiro esteja
investido nos EUA. Os norte-americanos recebem apenas o retorno sobre sua exígua poupança.
Esse baixo nível de poupança impõe restrições a uma melhora futura em seus padrões de vida.
Esse não teria sido o caso se o
aumento nos fluxos de capital tivesse resultado em uma alta no
volume geral de investimento.
Mas a contrapartida de fluxos
mais elevados de capital vem sendo consumo público e privado
mais alto, e com ele poupança
mais baixa, e não uma alta sustentada no nível líquido (ou bruto)
de investimento.
O segundo ponto é bastante diferente. O resto do mundo oferece
aos EUA mais de um décimo de
sua poupança bruta. Uma transferência de poupança dessa escala
para o país mais rico do mundo
parece perversa. Sugere ineficiência nos mercados de capitais, políticas internas ou ambos.
O terceiro ponto é o risco de reversões desestabilizadoras dos
fluxos de capital. Um perigo, ao
menos, está descartado. Já que o
dólar é a principal moeda do planeta e o principal ativo das reservas cambiais nacionais, os passivos financeiros dos EUA usualmente são denominados na moeda nacional. Os EUA não estão sujeitos aos desequilíbrios cambiais
que se provaram tão devastadores
para outros países. É por isso que
são a fonte de último recurso para
a captação internacional.
Depreciação cambial
Mas o fato de os EUA não oferecerem proteção contra a depreciação cambial exacerba os riscos
dos credores. Eles poderiam concluir, facilmente, que os norte-americanos precisam de uma
considerável depreciação real em
sua taxa de câmbio se tiverem de
viver com fluxos de capital menores. Talvez uma depreciação considerável seja necessária para que
consigam simplesmente estabilizar o seu déficit em conta corrente
no patamar atual.
Conscientes disso, os credores
privados talvez imaginem se os
potenciais retornos sobre os ativos americanos cobrem os riscos
gerados por uma exposição cada
vez maior. Da mesma forma que
houve nos mercados emergentes,
o medo de saques por terceiros
pode causar uma corrida cambial
auto-alimentada. Sem intervenção cambial maciça por parte dos
governos mundiais, isso provavelmente já teria acontecido.
Assim, os déficits importam? O
mundo precisa que os EUA mantenham um grande déficit em
conta corrente para contrabalançar o excesso de poupança em outros países. Além disso, o país talvez seja capaz de manter um déficit considerável talvez tão grande
quanto o atual para sempre. Em
curto prazo, o imenso déficit fiscal
também serviu como grande ajuda. Sem ele, sustentar a demanda
americana depois da implosão da
bolha nas Bolsas teria requerido
um afrouxamento dramático da
política monetária e possivelmente a adoção de juros zero. Isso poderia exercer efeitos desestabilizadores sobre o valor do dólar.
Mas há, igualmente, bons motivos para preocupação, e não só
quanto à escala do déficit em conta corrente norte-americano. A
tendência persistente de alta do
déficit como proporção do PIB é
igualmente preocupante. Os norte-americanos deveriam se preocupar com o impacto sobre eles
dos déficits externos elevados que
financiam mais consumo do que
investimento. O resto do mundo
deveria se preocupar quanto ao
seu fracasso em usar a poupança
nacional mais produtivamente.
Também deveria pensar sobre o
potencial de protecionismo norte-americano muito mais forte.
Ambos os lados deveriam se
preocupar com o potencial de reversões nos fluxos de capital.
A alta constante nos déficits
americanos se provou melhor que
a alternativa plausível, uma crise
econômica mundial. Mas o fato
de que a alternativa ao inaceitável
seja o insustentável deveria preocupar qualquer observador prudente da economia mundial.
Tradução de Paulo Migliacci
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