São Paulo, Quarta-feira, 25 de Agosto de 1999
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LUÍS NASSIF

A volta do pêndulo

Para quem consegue desenvolver certa sensibilidade, os movimentos da opinião pública são relativamente previsíveis e pendulares e obedecem a uma espécie de teoria de valor. Um país, governante ou empresa não é bom ou ruim em si: é caro ou barato -já escrevi sobre esse tema há algum tempo.
Quando o analisado está "caro", cada notícia vem com conotação negativa e vai derrubando seu valor. Até que chega o momento em que ele fica "barato". Aí a opinião pública começa a valorizar detalhes antes esquecidos, constatar que, afinal, "não é tão ruim assim", promovendo um movimento de revalorização. Se revaloriza demais, os defeitos voltam a ser salientados, trazendo o pêndulo de volta.
É curioso esse movimento porque acaba com essa noção de que existem valores absolutos. Governos podem melhorar ou piorar. Mas as análises sobre governos podem variar dependendo apenas do momento em que se está analisando: se ele está "caro" ou "barato".
Aliás, poderia algum jovem economista com formação de física ou algum especialista em marketing com formação matemática investigar mais esse fenômeno, fundamental para avaliar os movimentos de curto prazo dos mercados.
O curioso é que nem o governo nem a oposição parecem se dar conta desses movimentos. Há tempos o governo FHC está "barato". Não significa que esteja bom, embora tenha melhorado sensivelmente em relação a períodos anteriores. Significa que é menos ruim do que parecia ser.
Basta ver o que ocorreu com a avaliação da privatização das telecomunicações. Hoje há empregadas domésticas comprando celular, milhões de brasileiros tendo acesso a linhas fixas, uma montanha de investimentos em novas linhas, em redes de fibra ótica, uma competição ampla que, em breve, vai derrubar mais ainda os preços das tarifas. E há quem diga que houve um desmonte nas telecomunicações por problemas, que poderiam ter sido evitados, que precisam ser resolvidos, mas que são passageiros.
Como a oposição não trabalha com essas sutilezas, carregou demais nas tintas. Sentiu o enfraquecimento, mas não avaliou os limites desse desgaste. Embora tratando de um governo cheio de defeitos e culpas, não chega a ser um governo Sarney -em termos de desgoverno- nem Collor -em termos de desgaste político. Assim, quando se tenta levar o pêndulo para extremos, ocorre um movimento natural de reação e de revalorização do objeto de crítica.
Com mais senso de oportunidade por parte de FHC, haveria condições de uma retomada da governabilidade. De um lado, há cansaço com essa sucessão infindável de crises. Por outro, um conjunto de informações que, se não apontam para um céu de brigadeiro, pelo menos não indicam o fim do mundo. O governo está mais operacional que antes, o próximo Programa Plurianual (PPA) vem com uma agenda carregada da investimentos e, mesmo com dificuldades, as reformas avançam. A distância das eleições, além disso, desestimula movimentos oportunistas de defecção da base aliada. Infelizmente, saem os que se movem por princípios, como o admirável senador Arthur da Távola.
Se FHC tivesse visão estratégica, era o momento de inverter o pêndulo. Mas muitas outras oportunidades como essa foram desperdiçadas pela incapacidade de sair do ramerrame de uma política econômica passiva.
Tem que pensar, ousar grandes lances que rompam com a inércia econômica e política. Há uma lista de temas grandes aguardando medidas, que permitam não apenas sua solução, mas que sinalizem para uma reconciliação entre nação e Estado, permitindo que o país rompa com a inércia.
Tem a questão do encontro de contas, a "concordata Brasil", o uso da privatização para resolver problemas da Previdência e tantos mais.
Em todos os momentos de crise FHC recorre ao mesmo arsenal de balas de festim. Sabe que as crises refluem e aguarda que isso ocorra. Passa o momento crítico, retoma-se algum oxigênio para respirar, mas a situação é sempre pior do que era antes da eclosão da crise. E essa falta de ação ativa acaba abrindo espaço para novas crises.
Como a esperança é a última que morre, aguarda-se que FHC deixe de se apequenar.

E-mail: lnassif@uol.com.br


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