São Paulo, quarta-feira, 25 de setembro de 2002

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EM TRANSE

Bancos não conseguem rolar dívidas; para mercado, só 10% dos débitos externos são renegociados, o que pressiona o dólar

Crédito piora, bancos pagam dívida externa

ÉRICA FRAGA
ISABEL CAMPOS
DA REPORTAGEM LOCAL

A piora da crise financeira no Brasil está levando a uma retração ainda maior na oferta de linhas de financiamento ao país. Até grandes bancos, nacionais e estrangeiros, enfrentam dificuldades em renovar seus próprios empréstimos externos e, por isso, estão comprando dólares para honrar esses compromissos. Esse movimento, somado à forte especulação dos últimos dias, tem contribuído muito para a alta do dólar.
Segundo o diretor de um banco nacional, o percentual de dívidas externas que estão sendo roladas não passa de 10% atualmente (em geral). Existe uma pequena brecha no mercado internacional para a renovação de linhas de financiamento de exportações, cujo estoque disponível parou de cair recentemente. Mas é só isso.
As linhas de crédito para importação-que trazem um risco maior de calote- secaram, segundo analistas do mercado. Isso vale também para todos os outros tipos de empréstimo, como as linhas de capital de giro.
Um importante banco estrangeiro, por exemplo, não conseguiu renovar um empréstimo contraído há dois anos, de quase US$ 200 milhões, que vence em outubro. Segundo um diretor da instituição, o banco tentou renegociar com a instituição credora lá de fora, mas não conseguiu. Por isso, vai pagar a dívida integralmente nos próximos dias.
O Bradesco tem dois empréstimos externos que vencem em outubro, um de US$ 200 milhões e outro de US$ 100 milhões, que também não serão repactuados. O banco não diz se tentou renegociar as dívidas, mas confirma que ambas serão quitadas integralmente na data de vencimento.
Segundo operadores do mercado, as instituições financeiras que têm dívidas vencendo agora já haviam contraído algum tipo de proteção ("hedge") contra uma possível desvalorização do real. Isso geralmente é feito por meio da compra de dólares no mercado futuro. Agora, para quitar suas dívidas e desfazer a operação de "hedge", os bancos estão comprando dólares no mercado à vista e fazendo o movimento inverso na BM&F (Bolsa de Mercadoria e Futuros). Essa tem sido uma das principais fontes de pressão sobre o dólar comercial.
As empresas cujas dívidas estão vencendo agora têm enfrentado o mesmo problema. Ou seja, também estão precisando comprar dólares no mercado à vista para pagar o que devem porque não estão conseguindo renovar seus empréstimos concedidos por instituições de fora.
Conforme o diretor de uma asset management, o medo de que a situação possa piorar chegou a tal ponto que para as empresas não importa se o dólar está a R$ 3,60 ou a R$ 3,70. A ordem é comprar a moeda o quanto antes para não correr o risco de, no dia do vencimento da dívida, ter de pagar R$ 4 ou até mais por dólar.
Segundo o diretor de um importante banco estrangeiro, algumas empresas estão contraindo novas dívidas no mercado doméstico. São duas as finalidades desses empréstimos: pagar pelas linhas que não estão sendo renovadas lá fora e conseguir nova fonte de capital de giro aqui.
Com o medo que tomou conta do mercado, é difícil dizer até onde a cotação do dólar pode chegar. O valor do dólar é influenciado pelo resultado da balança comercial, pelas linhas de crédito ao exportador e pelo fluxo financeiro da moeda, entre outros fatores. Mas, segundo Emilio Garofalo Filho, ex-diretor do Banco Central, o que mais tem influenciado o preço do dólar, neste momento, é a eleição: "A cotação atual não tem nada a ver com a economia real. Não há como prever o que vai acontecer com o valor da moeda norte-americana. Trata-se de um movimento sem lógica".
Além das empresas e bancos que estão comprando dólar para se proteger ou para evitar perdas maiores, também há a figura do especulador, que aproveita o resultado das pesquisas de intenção de voto para forçar a cotação para cima ou para baixo. No mercado financeiro, quanto mais um ativo oscila, maiores são as oportunidades para especular.
"Acho difícil a atual cotação do dólar se sustentar por muito tempo. Está ocorrendo um "overshooting" [reação exagerada]. Já não há mais qualquer fundamento econômico no preço do dólar", observa Luiz Antonio Vaz das Neves, diretor da corretora Planner.


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