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sociais & cia.
Terceiro setor questiona ação empresarial de ONGs
Montagem de negócios para gerar receita própria abre debate sobre limites éticos e legais
Discussão sobre atividades das ONGs envolve desde tratamento tributário diferenciado até facilidades para fornecer ao governo
ANDRÉ PALHANO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
O aumento da busca de geração de receita própria por parte
das ONGs (organizações não-governamentais), com a venda
de produtos e serviços dos mais
variados tipos, vem despertando um novo debate no terceiro
setor: a existência ou não de limites legais ou éticos para a
atuação empresarial dessas organizações.
Trata-se de uma discussão
com várias vertentes, que ganhou fôlego com o aumento do
número de entidades. Vai desde o questionamento sobre o
fato de as ONGs terem tratamento tributário diferenciado
-o que, em tese, as coloca em
situação de vantagem em relação aos concorrentes do setor
privado- até a criação de
ONGs por pessoas e empresas
com o único objetivo de serem
dispensadas de licitação na
prestação de serviços ao setor
público -objeto até de escândalos recentes envolvendo desvios de dinheiro público.
"Esse é um debate interessante. A busca cada vez maior
das ONGs por recursos próprios, legítima na medida em
que elas devem buscar sua independência em relação a governos e a empresas, acabou
criando uma zona cinzenta
muito grande sobre os limites
de sua atuação -onde deveria
ir como ONG, onde deveria ir
como empresa", avalia o advogado Eduardo Szazi, consultor
jurídico do Gife (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas) e professor de direito do
terceiro setor da FIA-USP
(Fundação Instituto de Administração) e da Fundação Getulio Vargas.
O problema, diz ele, é que esses limites são tênues. "É como
querer classificar a foto de uma
mulher nua como pornografia
ou como nu artístico. A diferença existe, mas os conceitos envolvidos muitas vezes não são
objetivos", compara.
Lucro
É importante esclarecer,
afirmam os especialistas, que o
fato de as ONGs serem entidades sem fins lucrativos não as
impede de desenvolver atividades econômicas. Segundo eles,
essa busca pela própria sustentabilidade financeira é algo saudável, sobretudo se realizada de
modo profissional.
"As ONGs têm legitimidade
para isso, inclusive em termos
legais. A única coisa que não me
parece coerente é que elas
atuem ou desenvolvam produtos e serviços sem nenhuma relação com sua missão na sociedade. É o caso, por exemplo, de
uma ONG que trabalhe com
educação abrir um restaurante
sem nenhuma motivação educacional", aponta Eleílson Leite, diretor regional da Associação Brasileira de Organizações
Não-Governamentais (Abong)
em São Paulo.
Relação direta
É justamente esse o conceito
sobre limites de atuação empresarial das ONGs mais utilizado -e aceito- hoje em dia no
terceiro setor: se ela guarda ou
não alguma relação com sua
atividade principal, de preferência de maneira direta. "É
importante que tenhamos essa
relação com a atividade-fim de
cada organização, aquilo que é a
sua grande causa na sociedade.
Um hospital filantrópico, por
exemplo, tem de agir como hospital e pode cobrar por isso. Afinal, ele tem de pagar seus médicos, suas contas, seus equipamentos. A coisa já muda de figura se esse hospital começar a
ganhar dinheiro com a propaganda de remédios ou com a
consultoria em gestão hospitalar", exemplifica Szazi.
Como grande parte das empresas tem preferido alocar integralmente o seu trabalho de
responsabilidade socioambiental para as ONGs, outra questão
que se coloca no debate é a propriedade com que tais organizações poderão tratar de temas
com os quais, em tese, não estão familiarizadas -como o
planejamento mercadológico
de seus produtos e serviços.
Segundo os especialistas, a
forma como as ONGs lidam
com sua gestão pode definir sua
própria sustentabilidade. "Começamos a ver as empresas se
preocupando com essa gestão
profissional dos serviços e produtos prestados pelas ONGs
que apóiam. Muitas vezes, é
preferível que as próprias
ONGs contratem parceiros para determinadas ações, concentrando, assim, o foco no que sabem fazer: a ação social", afirma Clarissa Medeiros, diretora
da Eis Comunicação, empresa
de relações públicas especializada no terceiro setor.
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