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LUÍS NASSIF
Burocracia e indústria
Uma das características do
pensamento burocrático é
só ter foco na própria burocracia.
Ou seja, se tenho um problema
interno, penso em uma solução
que resolva a situação independentemente do impacto sobre o
cliente.
No Brasil não existe o direito de
cidadania das pequenas empresas. Permanentemente são entupidas por uma saraivada de exigências que tornam o exercício da
formalidade uma atividade quase proibitiva. Cria-se a estrutura
pesada, a ferocidade legiferante e,
em torno dela, passa a coexistir
toda uma economia não produtiva, voltada exclusivamente para
atender aos trâmites da burocracia.
Anteontem comentei sobre o
Perfil Profissiográfico Profissional (PPP), novo documento exigido pelo INSS. O documento será
uma espécie de ficha médica do
funcionário, que o acompanhará
por toda a vida. A intenção era
resolver um problema: o da fraude em aposentadorias especiais.
Confira o caminho percorrido.
Antes, exigiam-se laudos
-PPRA e PCMSO- apenas para as atividades consideradas insalubres. Agora, cria-se o PPP,
que englobará os laudos anteriores. Seria uma racionalização,
não fosse o fato de que a exigência do PPP será estendida a todas
as atividades e empresas -da
multinacional ao botequim da
esquina. Essa interpretação me
foi confirmada por três contadores de São Paulo.
Quem é esse pessoal que atua
nessa atividade, da medicina do
trabalho? Uma amostra pode ser
dada pelo e-mail que recebo de
Dário Mello, me intimando a publicá-lo. Confira:
"Publicado ontem [anteontem]
em sua coluna, desrespeitosamente e sem quaisquer conhecimentos estatísticos e correlacionados ao INSS, venho novamente
exigir explicações lógicas e prudentes:
1) Você é capaz de imaginar que
pelo simples fato de ter publicado
o texto do PPP muitos empresários estarão descumprindo leis? 2)
Por acaso você sabe que o Brasil é
recordista mundial de benefícios
acidentários? 3) Já observou bem
no alto de um prédio algum funcionário de alguma construtora,
dependurado sem quaisquer proteções devidas? (...) Então o que
tem a me dizer? Você foi ou não
foi infeliz em desencorajar o empresário a cumprir a lei? (...) Você
deve explicações, Luís! Não seja
covarde, responda a este e-mail e
publique o correto. Seja um verdadeiro homem em admitir que
errou. Obs.: este e-mail está sendo
mandado à vossa diretoria, conforme conversações telefônicas
com ela".
O dono do boteco onde vou tomar meu café diário disse que jamais funcionário seu foi visto dependurado no alto de construção.
Mas terá que pagar pelos laudos.
A empresa do sr. Dário -cujo
nome consta no rodapé do e-mail- é especializada em medicina ocupacional e engenharia do
trabalho. Liguei para o número
de 0800 anotado no e-mail e me
apresentei como dono de um restaurante com 20 funcionários.
Para obter o PPP, precisaria, antes, do PCMSO, algo que sairia
por R$ 120 mensais (R$ 6 mensais
por funcionário) ou R$ 1.440 ao
ano. Precisaria também de um
LTCA, para medir o nível dos ruídos, que custaria de R$ 400 a R$
500.
Esse é um caso típico do fenômeno burocrático. Tome-se uma
boa causa, crie-se uma solução
complexa e depois se monte uma
indústria em torno dela.
E-mail -
Luisnassif@uol.com.br
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