São Paulo, quinta-feira, 25 de outubro de 2007

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VINICIUS TORRES FREIRE

A caixinha do Senado e a CPMF


CPMF é só 4% dos tributos. Senado só se ocupa do tema a fim de ajudar amigos, fritar governos e gastar à vontade

CHAMAM DE "caixa-preta" a contabilidade dos senadores, os dinheiros que eles gastam sem prestar contas públicas. Como se sabe, caixa-preta é o nome do recipiente, em geral amarelo, que envolve os equipamentos de registro dos dados técnicos da viagem de um avião. Em caso de desgraça aérea, especialistas procuram descobrir o que havia na caixa-preta, embora não considerem adequado tornar tais informações públicas. É uma atitude controversa, mas tem lá argumentos razoáveis a seu favor.
O dinheiro embolsado pelos senadores não é, pois, uma caixa-preta. É uma caixinha. Mesmo no caso da desgraça contínua que tem sido o do Congresso, jamais chegamos a saber o que há dentro da caixinha dos senadores. É razoável supor a natureza excrementícia do interior da caixinha senatorial. Quando Renan Calheiros abriu uma fresta nesse recipiente, o odor da chantagem revoltou muito senador, a ponto de esse Calheiros deixar o posto de coronel da guarda senatorial da tampa da cloaca. A revolta não parece ter se devido ao amor da discrição ou a ameaças extorsionárias em geral, mas à paixão pelo particular, pelo dinheiro da caixinha esconsa.
Esse mesmo Senado, feito de 46 amigos desse Calheiros e muitos mais amigos da caixinha, pôs-se em convulsão devido à renovação da CPMF. Os principais indignados são os senadores do Democratas, liderados por uma expoente da bancada ruralista, Kátia Abreu. Trata-se de uma senhora a liderar senadores na tarefa de torpedear instituições dedicadas a flagrar os casos mais evidentes de senzala e pelourinho ou, como diz o eufemismo reacionário, "trabalho análogo à escravidão".
Os tucanos, que depois de renegarem o governo FHC nada têm a dizer ao público nem fibra para fazer oposição ao petismo-lulismo, seguiam o trio elétrico "demo". "Demos" e tucanos, como se sabe, são descarados. Sempre defenderam a CPMF quando isso interessou ao governo deles. Os tucanos, incitados pelos interesses dos presidenciáveis José Serra e Aécio Neves, até ensaiaram um projeto de racionalizar a cobrança desse e de outros impostos (Serra e Aécio podem assumir o governo sem tal dinheiro, em 2011).
Mas querem mesmo é fritar o governo de Lula na mesma banha de espírito de porco em que os petistas tentavam fritar o governo de FHC.
A CPMF não é o pior imposto do país. Tem a vantagem de oferecer pistas de parte do dinheiro sujo do país, como caixinhas variadas e sonegações de senadores. Mas, assim como o governo Lula quer passar o trator da CPMF no Senado, habituado que está a pisar nos capachos do Congresso, os senadores não costumam se dar ao trabalho de verificar o que se passa na grande caixa dos impostos e propor correção de distorções ou normas para o crescimento do gasto público. Onde está a grande mobilização senatorial a respeito de Cofins, FGTS, CSLL, IPI e outros dos impostos que prejudicam empresas e empregos?
A CPMF é cerca de 4% da arrecadação nacional de impostos e contribuições. Isto é, cerca de 96% do caixa nacional de tributos passa em branco pelos senadores e deputados. Quer dizer, excetuadas as ocasiões em que se pode fazer um lobby no Planalto ou emendar uma medida provisória com o objetivo de passar um contrabando de alíquota menor para o imposto do amigo empresário que financia campanhas eleitorais. Isto é, que financia a sua caixinha, aquela em que os senadores recolhem dinheiro público o qual não querem explicar como gastam.
Toda essa escória é tão banal e sabida. E, no entanto, inamovível.

vinit@uol.com.br


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