São Paulo, domingo, 25 de outubro de 2009

Próximo Texto | Índice

RUBENS RICUPERO

Horror ao vácuo


Como a política tem horror ao vácuo, as tentativas de ocupá-lo podem provocar novo ciclo de conflitos na AL


O ECLIPSE sem precedentes dos Estados Unidos na América Latina criou vácuo de poder cuja expressão mais notável é o impasse hondurenho. Como a política tem horror ao vácuo, as tentativas de ocupá-lo podem provocar novo ciclo de conflitos na região.
Dois séculos atrás, os norte-americanos inauguravam sua política externa com o discurso de adeus de Washington e a doutrina de Monroe. O primeiro era o desinteresse pelo resto do mundo; a segunda, a reserva da exclusividade nas Américas. Hoje, é o contrário: ativismo em toda parte, até no remoto Afeganistão, menos na vizinhança imediata.
Desde a Guerra Fria, passando pelo Vietnã e agora pelo Iraque e pelo Afeganistão, a percepção de que as ameaças estavam alhures conduziu à atitude de "benign neglect" de Nixon e sucessores. Com Obama, chegou-se ao ponto baixo de completar nove meses sem conseguir aprovar o secretário para o hemisfério e o embaixador no Brasil!
Ambos são reféns de senadores republicanos que apoiam o governo de fato de Honduras. A primeira reunião do grupo levou um dos presentes a declarar: "Jamais em minha carreira tinha visto oito senadores numa sala para falar da América Latina".
A condescendência do comentário lembra a frase do antigo redator- -chefe do "New York Times", James Reston: "Nós, americanos, estamos prontos a fazer tudo pela América Latina, exceto ler sobre a América Latina".
Com o tempo, a indiferença e a decepção tornaram-se recíprocas. A agenda latino-americana dos dois partidos de Washington se reduziu ao narcotráfico, aos imigrantes e aos acordos comerciais para garantir aos EUA direitos preferenciais na região. Para os latinos, ao menos os exportadores de commodities (a maioria), a emergência da China lhes trouxe grau apreciável de autonomia e diversificação em relação à anterior dependência dos EUA.
A crise financeira, o Afeganistão, as prioridades domésticas de Obama fizeram o resto. Nesse quadro, o novo governo achou que não valia a pena gastar nem o mínimo de capital político necessário para repelir política desmoralizada como a do bloqueio de Cuba. A paralisia decorrente da ambiguidade americana em Honduras, as confusões nascidas da falta de informação sobre o acordo militar com a Colômbia produzem penosa sensação de diplomacia à deriva.
Após a breve aparição na reunião da OEA em Trinidad, a secretária de Estado, Hilary Clinton, e o presidente Obama não voltaram a se ocupar da América Latina, única região onde Washington ainda não dispõe de equipe instalada. O problema é que ninguém tem poder para ocupar esse espaço, nem a OEA ou Chávez nem o presidente da Costa Rica ou a inexperiente diplomacia brasileira na América Central.
Nascidas da profunda e secular simbiose entre os EUA e a América Latina, muitas questões (imigração, crime organizado, comércio) só podem ser resolvidas mediante colaboração esclarecida como tentou ser a fugaz Aliança para o Progresso de Kennedy quase 50 anos atrás!
A ausência de tal política perpetua a influência deletéria de lobistas e de grupos retrógrados. Agrava, ao mesmo tempo, vácuo de poder propício à proliferação de episódios mais preocupantes que o de Honduras.
Ao cultivar a ilusão de que as ameaças à segurança se concentram apenas no outro lado do mundo, Obama corre o risco de descobrir que problemas muito mais próximos podem explodir em sua cara.


RUBENS RICUPERO, 72, diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da Fazenda (governo Itamar Franco). Escreve quinzenalmente, aos domingos, nesta coluna.

rubric@uol.com.br


Próximo Texto: Mercado Aberto
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.