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Abandono de fronteira facilita contrabando
Falta de políticas para controlar divisa com vizinhos e desinteresse de servidores abrem caminho para entrada ilegal de mercadorias
Levantamento mostra falta
de pessoal e de estrutura em
postos fiscais de 5 Estados;
Receita anuncia operação
para reprimir contrabando
FÁTIMA FERNANDES
CLAUDIA ROLLI
DA REPORTAGEM LOCAL
A falta de políticas públicas
para controlar as fronteiras secas do país e o desinteresse de
auditores fiscais e policiais federais em trabalhar em regiões
inóspitas facilitam cada vez
mais a entrada de produtos, armas e drogas sem fiscalização
na divisa do Brasil com Bolívia,
Paraguai, Argentina e Uruguai.
Em uma área de cerca de
6.000 quilômetros de fronteira
seca desde Barra do Quaraí
(RS) até Cáceres (MT), o Sindireceita (sindicato dos analistas
tributários da Receita Federal)
constatou, em levantamento
realizado em setembro, que
postos de fiscalização da Receita em 16 cidades de cinco Estados estão sem auditores, infraestrutura e equipamentos
para o trabalho de aduana.
Sem fiscalização necessária
na divisa do Brasil com países
vizinhos, entra de tudo no território brasileiro de forma ilegal, segundo relatam auditores
fiscais, policiais federais e empresários paulistas.
São 245 auditores fiscais e
351 analistas tributários em 31
inspetorias da Receita em uma
faixa de 15 mil quilômetros do
Norte ao Sul do país para fazer
despachos de importação e exportação, controlar o chamado
comércio "formiga", além de
combater o contrabando, o descaminho, a pirataria e o tráfico
de drogas, armas e munições,
segundo o Sindireceita.
Rotas alternativas
O levantamento, que será estendido à região Norte, será encaminhado ao comando da Receita Federal. O principal objetivo é mostrar que, após o reforço do controle na ponte internacional da Amizade, que liga
Foz do Iguaçu (PR) a Ciudad
del Este (Paraguai), grupos que
atuam com contrabando e descaminho migraram para rotas
alternativas nos cinco Estados
visitados pelo sindicato.
Cigarros, brinquedos, roupas, medicamentos, agrotóxicos, madeira, bebidas, eletroeletrônicos, pneus, tubos de
PVC, computadores, CDs, carvão e produtos agrícolas são os
principais produtos trazidos de
forma ilegal ao Brasil.
"O posto fiscal em Barra do
Quaraí (RS) está praticamente
abandonado. Em Corumbá
(MT), foi feita uma estrada de
terra atrás da unidade da Receita e o servidor não pode fiscalizar porque não pode sair do
posto. Em Dionísio Cerqueira
(SC) tem um analista tributário
de plantão", diz Paulo Antenor,
presidente do Sindireceita.
"Notamos que a situação se
agravou nos últimos dois anos
também por causa do inchaço
de cargos na cúpula da Receita
após a unificação com a Previdência. É preciso diminuir o
número de pessoas em cargos
de chefia e aumentar o de funcionários em cargos operacionais, como nos postos de fiscalização nas fronteiras", diz.
Antes de a fusão da Receita
com Previdência ocorrer (abril
de 2007), existiam 2.987 cargos
de chefia, segundo outro levantamento do Sindireceita. Após
a fusão (maio de 2007), esse
número cresceu 53% (4.567).
Procurada pela Folha desde
segunda, a Receita não comentou o assunto. Na sexta, o secretário do órgão, Otacílio Cartaxo, anunciou a Operação Advento para reprimir o contrabando e o descaminho em Foz
do Iguaçu. De janeiro a agosto,
foram apreendidos no país
R$ 880,2 milhões em produtos
contrabandeados (mais 26,6%
ante a média mensal de 2008).
Fiesp treina fiscais
A precariedade dos postos da
Receita e a falta de políticas públicas para enfrentar a livre entrada de mercadorias nas fronteiras do país são confirmadas
por aqueles que já foram do comando da Receita, pelo Sindifisco (sindicato dos auditores) e
por entidades empresariais.
"A falta de fiscalização nas
fronteiras é mais do que sabida.
A Fiesp tem um serviço de defesa comercial que fez um trabalho de treinamento de cerca
de 2.500 fiscais que atuam na
área aduaneira para ajudar no
combate ao contrabando, ao
descaminho e à pirataria", diz
Roberto Giannetti da Fonseca,
diretor do Departamento de
Comércio Exterior da Fiesp.
Quando a aduana falha, cria-se concorrência desleal no
mercado. "É preciso reforçar o
trabalho de inteligência da Receita, mas a autoridade também precisa marcar território
nas fronteiras", diz Pedro Delarue, presidente do Sindifisco.
Depois que a Receita e a Polícia Federal intensificaram a fiscalização em Foz do Iguaçu, segundo Delarue, o movimento
de entrada e saída de produtos
em Guaíra (PR) disparou.
A Receita não tem condições
de conduzir o trabalho de aduana sozinha nas fronteiras do
país. Para que isso ocorra de
forma efetiva, a opinião de todos é unânime: tem de haver
atuação em conjunto entre o
fisco, a PF e o Exército.
"PF e Receita têm de se aproximar e estamos trabalhando
para isso. Em julho, as duas instituições assinaram um acordo
de cooperação", afirma Josemauro Pinto Nunes, delegado
da Divisão de Repressão ao
Contrabando, Descaminho e
Pirataria da Polícia Federal.
Everardo Maciel, ex-secretário da Receita, diz que, além da
parceria, é preciso dar estímulo
aos servidores. "Além de ter um
plano de defesa da fronteira do
país, podem ser feitos concursos específicos para determinadas regiões, como ocorria na
minha época [1995-2002]. O
que não pode acontecer é o posto fiscal ficar descoberto."
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