São Paulo, domingo, 25 de novembro de 2001

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FINANÇAS

Empresas burlam sigilo bancário e cobram comissão para sacar dinheiro de contas não-recadastradas e bloqueadas em 1997

Esquema desenterra dinheiro em bancos

LÁSZLÓ VARGA
DA REPORTAGEM LOCAL

Contas correntes e de poupança bloqueadas desde 1997 estão dando origem a um negócio ilegal de consultoria financeira. Tais contas foram bloqueadas porque seus titulares não efetuaram o recadastramento bancário exigido pelo governo federal em 1993.
A Folha apurou que empresas têm quebrado o sigilo bancário de correntistas que não sabem da existência de seus depósitos bloqueados. Tais empresas oferecem a liberação do dinheiro mediante a cobrança de uma taxa de prestação de serviço sobre os valores.
Os representantes dessas empresas recebem de funcionários de instituições financeiras dados sigilosos das contas bloqueadas. O crime os sujeita a penas de um a quatro anos de detenção, conforme a legislação do sigilo bancário.
Existem hoje cerca de R$ 360 milhões bloqueados no Tesouro Nacional, referentes a depósitos bloqueados. As empresas que liberam os recursos cobram cerca de 30% sobre os montantes a que os correntistas têm direito.
Como o dinheiro liberado é corrigido pelo Tesouro em cerca de 50%, percentual equivalente ao rendimento da poupança entre novembro de 1997 e novembro de 2001, o montante em jogo pode chegar hoje a R$ 540 milhões.
Isto é, as empresas que vêm quebrando o sigilo dos correntistas para identificá-los e oferecer o desbloqueio estão na realidade de olho em comissões que no limite podem representar cerca de R$ 160 milhões.

Uma consultoria
A Folha identificou no Rio de Janeiro uma das empresas que têm quebrado o sigilo de correntistas. Seu escritório fica em um edifício no Méier (zona norte do Rio de Janeiro), numa sala que não tem identificação na porta. É de lá que as contadoras Ironete Ribeiro e Nize André coordenam uma rede espalhada em todo o país especializada em desbloquear as contas.
O "Diário Oficial" da União publicou em 1998 os números das contas e os valores bloqueados, mas não identificava os correntistas. Como a grande maioria da população não lê a publicação e desconhece a existência das contas bloqueadas, foi aberta uma brecha para que empresas iniciassem o serviço ilegal com a quebra do sigilo bancário.
Para poder realizar o serviço, Ironete Ribeiro admite que recebe o apoio de pessoas em instituições financeiras, que lhes fornece os nomes dos correntistas.
"Parte desse trabalho é pegar os números das contas que foram divulgadas e descobrir seus correntistas. Depois é preciso achá-los, pois muitos mudaram de endereço ou morreram", explica Ribeiro. A contadora tem inclusive aberto processos na Justiça para que os herdeiros tenham acesso ao dinheiro.

Gil Gomes e desbloqueio
A Folha conversou com um dos clientes que utilizaram o serviço da contadora e de sua sócia Nize. O empresário, que pediu para não ser identificado, declara que recebeu várias cartas da contadora desde julho, onde ela informava que ele tinha cerca de R$ 4.500 bloqueados em uma poupança do banco Itaú.
O empresário desconfiou da história e foi até a sua agência, checar se o montante de fato existia. Apresentou o número da sua poupança e o funcionário da instituição informou não haver nenhum dinheiro bloqueado.
Uma semana depois, o empresário decidiu fechar o acordo com Ironete e Nize. Elas viajaram do Rio de Janeiro para São Paulo, encontraram-se com o empresário na porta da agência. Entraram e imediatamente as duas apresentaram o número de uma conta poupança, do qual o empresário nem se lembrava mais.
As contadoras informaram então ao gerente do banco que queriam liberar o dinheiro com base na lei do desbloqueio. Em 40 minutos conseguiram reaver os recursos. Cobraram do empresário cerca de R$ 1.500 pelo serviço.
Outra pessoa que utilizou o esquema de Ironete e Nize foi o apresentador Gil Gomes. Procurado pela Folha na rádio Tupi FM na tarde de sexta-feira passada, o radialista não foi localizado. Sua assistente Leani declarou que Gil Gomes estava incomunicável.
O ator Carlos Alberto Ricelli é uma das pessoas que as contadoras vêm procurando. Há meses elas tentam localizar o artista, que teria cerca de R$ 17 mil bloqueados no Tesouro Nacional.

Responsabilidade
As fontes de onde têm saído as informações que permitem àquelas empresas identificar os correntistas são difíceis de serem localizadas. O chefe do departamento de cadastramento do Banco Central, Sérgio Lima, garante que as informações para a quebra do sigilo não estão partindo da instituição.
"O Banco Central não tem nem condições para fazer isso. O banco possui apenas os números das contas bloqueadas e os valores depositados. Os nomes dos correntistas permanecem com os bancos", afirma Lima.
O executivo ressalta que os responsáveis pelo envio das informações estão sujeitos às penas da lei complementar nš 105, de janeiro de 2001, que proíbe a quebra do sigilo bancário sem autorizações especiais.
O analista do Banco Central Roberto Duarte admitiu que recentemente teve informação sobre uma empresa que vem realizando desbloqueios através da quebra de sigilos.
"Uma pessoa me disse ter recebido uma carta de uma empresa que se dispunha a fazer o serviço. Informei que somente os bancos poderiam fazer isso."
Diariamente, o Banco Central recebe cerca de cinco pedidos de desbloqueio de contas não-recadastradas. Esse volume de requisições já fez que o montante depositado no Tesouro caísse dos cerca de R$ 460 milhões em 1997 para R$ 360 milhões.
Segundo o advogado Luís Carlos Szymonowicz, quem quebrar sigilo bancário está sujeito também ao pagamento de indenizações, além da pena de um a quatro anos de reclusão.


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