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FINANÇAS
Empresas burlam sigilo bancário e cobram comissão para sacar dinheiro de contas não-recadastradas e bloqueadas em 1997
Esquema desenterra dinheiro em bancos
LÁSZLÓ VARGA
DA REPORTAGEM LOCAL
Contas correntes e de poupança
bloqueadas desde 1997 estão dando origem a um negócio ilegal de
consultoria financeira. Tais contas foram bloqueadas porque seus
titulares não efetuaram o recadastramento bancário exigido pelo
governo federal em 1993.
A Folha apurou que empresas
têm quebrado o sigilo bancário de
correntistas que não sabem da
existência de seus depósitos bloqueados. Tais empresas oferecem
a liberação do dinheiro mediante
a cobrança de uma taxa de prestação de serviço sobre os valores.
Os representantes dessas empresas recebem de funcionários
de instituições financeiras dados
sigilosos das contas bloqueadas.
O crime os sujeita a penas de um a
quatro anos de detenção, conforme a legislação do sigilo bancário.
Existem hoje cerca de R$ 360
milhões bloqueados no Tesouro
Nacional, referentes a depósitos
bloqueados. As empresas que liberam os recursos cobram cerca
de 30% sobre os montantes a que
os correntistas têm direito.
Como o dinheiro liberado é corrigido pelo Tesouro em cerca de
50%, percentual equivalente ao
rendimento da poupança entre
novembro de 1997 e novembro de
2001, o montante em jogo pode
chegar hoje a R$ 540 milhões.
Isto é, as empresas que vêm
quebrando o sigilo dos correntistas para identificá-los e oferecer o
desbloqueio estão na realidade de
olho em comissões que no limite
podem representar cerca de R$
160 milhões.
Uma consultoria
A Folha identificou no Rio de
Janeiro uma das empresas que
têm quebrado o sigilo de correntistas. Seu escritório fica em um
edifício no Méier (zona norte do
Rio de Janeiro), numa sala que
não tem identificação na porta. É
de lá que as contadoras Ironete
Ribeiro e Nize André coordenam
uma rede espalhada em todo o
país especializada em desbloquear as contas.
O "Diário Oficial" da União publicou em 1998 os números das
contas e os valores bloqueados,
mas não identificava os correntistas. Como a grande maioria da
população não lê a publicação e
desconhece a existência das contas bloqueadas, foi aberta uma
brecha para que empresas iniciassem o serviço ilegal com a quebra
do sigilo bancário.
Para poder realizar o serviço,
Ironete Ribeiro admite que recebe
o apoio de pessoas em instituições
financeiras, que lhes fornece os
nomes dos correntistas.
"Parte desse trabalho é pegar os
números das contas que foram divulgadas e descobrir seus correntistas. Depois é preciso achá-los,
pois muitos mudaram de endereço ou morreram", explica Ribeiro. A contadora tem inclusive
aberto processos na Justiça para
que os herdeiros tenham acesso
ao dinheiro.
Gil Gomes e desbloqueio
A Folha conversou com um dos
clientes que utilizaram o serviço
da contadora e de sua sócia Nize.
O empresário, que pediu para não
ser identificado, declara que recebeu várias cartas da contadora
desde julho, onde ela informava
que ele tinha cerca de R$ 4.500
bloqueados em uma poupança do
banco Itaú.
O empresário desconfiou da
história e foi até a sua agência,
checar se o montante de fato existia. Apresentou o número da sua
poupança e o funcionário da instituição informou não haver nenhum dinheiro bloqueado.
Uma semana depois, o empresário decidiu fechar o acordo com
Ironete e Nize. Elas viajaram do
Rio de Janeiro para São Paulo, encontraram-se com o empresário
na porta da agência. Entraram e
imediatamente as duas apresentaram o número de uma conta
poupança, do qual o empresário
nem se lembrava mais.
As contadoras informaram então ao gerente do banco que queriam liberar o dinheiro com base
na lei do desbloqueio. Em 40 minutos conseguiram reaver os recursos. Cobraram do empresário
cerca de R$ 1.500 pelo serviço.
Outra pessoa que utilizou o esquema de Ironete e Nize foi o
apresentador Gil Gomes. Procurado pela Folha na rádio Tupi FM
na tarde de sexta-feira passada, o
radialista não foi localizado. Sua
assistente Leani declarou que Gil
Gomes estava incomunicável.
O ator Carlos Alberto Ricelli é
uma das pessoas que as contadoras vêm procurando. Há meses
elas tentam localizar o artista, que
teria cerca de R$ 17 mil bloqueados no Tesouro Nacional.
Responsabilidade
As fontes de onde têm saído as
informações que permitem àquelas empresas identificar os correntistas são difíceis de serem localizadas. O chefe do departamento de cadastramento do Banco Central, Sérgio Lima, garante
que as informações para a quebra
do sigilo não estão partindo da
instituição.
"O Banco Central não tem nem
condições para fazer isso. O banco possui apenas os números das
contas bloqueadas e os valores depositados. Os nomes dos correntistas permanecem com os bancos", afirma Lima.
O executivo ressalta que os responsáveis pelo envio das informações estão sujeitos às penas da
lei complementar nš 105, de janeiro de 2001, que proíbe a quebra do
sigilo bancário sem autorizações
especiais.
O analista do Banco Central Roberto Duarte admitiu que recentemente teve informação sobre
uma empresa que vem realizando
desbloqueios através da quebra
de sigilos.
"Uma pessoa me disse ter recebido uma carta de uma empresa
que se dispunha a fazer o serviço.
Informei que somente os bancos
poderiam fazer isso."
Diariamente, o Banco Central
recebe cerca de cinco pedidos de
desbloqueio de contas não-recadastradas. Esse volume de requisições já fez que o montante depositado no Tesouro caísse dos cerca
de R$ 460 milhões em 1997 para
R$ 360 milhões.
Segundo o advogado Luís Carlos Szymonowicz, quem quebrar
sigilo bancário está sujeito também ao pagamento de indenizações, além da pena de um a quatro
anos de reclusão.
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