São Paulo, domingo, 25 de novembro de 2001

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ENTREVISTA

Para o economista Fábio Giambiagi, do BNDES, próximo governo pode ter novo "milagre" graças às reformas de FHC

"Década de 90 foi frustrante, não perdida"

GUILHERME BARROS
EDITOR DO PAINEL S.A.

O economista Fábio Giambiagi, 39, gerente do departamento econômico do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social ), afirma que, apesar de hoje a situação econômica deixar a desejar, as perspectivas não poderiam ser melhores. Segundo ele, as reformas produzidas na economia na década de 90 vão levar o país a crescer a taxas de 5% no próximo governo. Para ele, a década passada foi frustrante, mas não perdida.
Ele compara as mudanças ocorridas nos últimos anos ao período Roberto Campos-Octávio Gouvêa de Bulhões (ministros da área econômica de 64 a 67). Logo depois, o Brasil viveria o "milagre econômico". Agora, para esse crescimento se materializar, Giambiagi acha fundamental o próximo governo se comprometer a manter os atuais regimes fiscal, cambial e monetário.

Folha - Por que o senhor diz que, apesar da conjuntura adversa, o Brasil vive um momento especial?
Fábio Giambiagi -
O desempenho macroeconômico do país deixou a desejar nas duas últimas décadas. Nos anos 80, o país observou um crescimento de 1,6% ao ano. Na década de 90, o crescimento médio foi de 2,7% ao ano.

Folha - Foram duas décadas perdidas?
Giambiagi -
O desempenho da década de 90 não permite que ela seja chamada de década perdida, mas sim de frustrante. O mais importante, no entanto, é que a década de 90 tem potencial para passar para a história como a década das reformas que pavimentaram o terreno para uma fase de expansão, período que estamos começando a viver. Até por isso não podemos falar que a década de 90 tenha sido perdida. Esse processo de transformação da economia brasileira na década de 90 permite uma diferenciação clara em relação aos anos 80. A década de 80 vai passar para os livros como a década da redemocratização do país, das primeiras eleições diretas para presidente depois de quase 30 anos.
São mudanças fundamentais, mas, em termos econômicos, foi uma década perdida em quase todos os sentidos. Já a década de 90 foi frustrante, mas com grandes transformações, que deixarão a economia engatilhada para dar ao país condições de ter um crescimento sólido depois de 2002.

Folha - Quais foram essas transformações?
Giambiagi -
Foi uma sequência de eventos, alguns deles se iniciam antes do atual governo. No início dos anos 90 vivemos uma guinada importante, com a privatização e a abertura comercial. Essas duas coisas introduziram um choque de concorrência na economia e obrigaram o setor produtivo se modernizar. Foi a primeira fase de transformações e compreende o período de 90 a 94, mas ainda havia o problema da inflação, que chegou a 5.000% ao ano.
A inflação era um desestímulo a qualquer investimento de longo prazo. A segunda etapa de transformações se deu com o Real, quando a baixa súbita da inflação provocou uma revolução na economia. No caso do setor público, por exemplo, pela primeira vez tornou-se possível lidar com restrições orçamentárias efetivas.
O Orçamento deixou de ser uma peça de ficção. A inflação tinha o poder de mascarar o Orçamento. Essa segunda fase vai de 94 a 98. Ao mesmo tempo, havia dois problemas graves. Um era o déficit em conta corrente. O outro era a situação fiscal. Um número crescente de pessoas vinha anunciando a possibilidade de, na virada da esquina da estabilização, sofrermos uma crise combinando desequilíbrio fiscal com desequilíbrio externo.

Folha - A crise acabou acontecendo.
Giambiagi -
De fato, a crise explodiu em 98 e 99. A partir de 99 ocorre a terceira fase desse processo de transformações. O país adota uma tríplice mudança de regimes. Nós mudamos o regime fiscal, o regime cambial e o regime monetário. O regime fiscal mudou com o sistema de metas para o déficit primário, o cambial com a adoção do câmbio flutuante e o monetário com o regime de metas de inflação. Em razão dessas mudanças, a autoridade econômica passa a ficar mais bem aparelhada para responder às crises e reagir aos desequilíbrios.

Folha - Se é assim, por que o Brasil sofreu tanto neste ano?
Giambiagi -
Questiona-se muito o fato de o crescimento deste ano caminhar para ser metade do de 2000. Também questiona-se o fato de a inflação chegar a 7%, contra o teto de 6%. Eu acho que há uma outra forma de encarar a realidade. Trata-se de uma dessas situações típicas de o copo estar cheio pela metade. Na dinâmica da política, o fato de alguns indicadores não corresponderem ao ideal pode ser utilizado pela oposição de forma negativa, mas um país não pode se isolar do contexto mundial.
Não dá para imaginar um país como uma ilha. Até pouco tempo, nós estávamos atrás do resto do mundo. Na década de 90, até 98, o Brasil cresceu bem menos do que o resto do mundo. Com a nova configuração econômica, estamos crescendo mais ou menos em linha com a economia mundial. No ano passado, crescemos 4,5%, que foi mais ou menos o que cresceu o resto do mundo. Em 2001 e 2002, vamos crescer entre 2 % e 2,5 % ao ano, o que deverá ser similar à taxa de crescimento da economia mundial. Me parece que, de forma alguma, dá para dizer que essa política econômica seja um fracasso. Ela está nos permitindo nos igualar à economia mundial.
A nossa infelicidade é que a economia mundial está em recessão. A recuperação deverá começar a partir do segundo trimestre do ano que vem. Outra crítica se refere ao fato de a taxa de inflação não ter superado a meta. Não podemos deixar de levar em consideração que, nos últimos três anos, o câmbio sofreu uma desvalorização de 113%, contra uma inflação acumulada no período de 24%, o que, para mim, caracteriza um êxito da política econômica.

Folha - Mas não é essa a sensação da sociedade.
Giambiagi -
Hoje, há uma insatisfação com o estado de coisas, decorrente do fato de o salário real ter caído dois ou três anos consecutivos, e do desemprego ainda estar a níveis elevados. As pessoas também sofreram com a crise de energia. Todas essas reações por parte da população são compreensivas, e isso se espelha na baixa popularidade do governo e na alta manifestação de votos dos candidatos de oposição.
Mas, na medida em que o tempo for passando ao longo do ano que vem, num contexto previsto de recuperação da economia mundial, eu acredito que essa percepção de muitos economistas que pensam como eu vai começar a ser notada. Por isso, acredito que a propensão a se defender mudanças na política econômica vai declinar ao longo do tempo.
Os próprios candidatos vão começar a perceber que uma mudança radical de rumo pode ser suicida, principalmente no momento em que a política econômica começaria a dar seus frutos.
Nesse sentido, me parece que cabe um paralelo entre o que aconteceu nos anos 90 com o período das reformas de meados da década de 60 produzidas pela dupla Campos-Bulhões [os ministros Roberto Campos e Octávio Bulhões, no governo Castello Branco".
Naquele período, foram feitas reformas importantes, apesar de o PIB ter tido um desempenho modesto no período. Hoje, porém, todos os historiadores e economistas reconhecem que foi justamente aquele período que lançou as sementes da expansão iniciada em 1968. O país passou a crescer a taxas muito elevadas.
O próximo governo irá assumir com uma perspectiva de conseguir o tão desejado círculo virtuoso de expansão da economia. Para que isso se torne realidade, será muito importante que o próximo governo entenda que terá de preservar o compromisso com as metas fiscais e de inflação. Caso contrário, vamos morrer na praia.

Folha - Diante desse cenário, quais são suas expectativas para o crescimento da economia a partir de 2003?
Giambiagi -
A partir de 2003, não vejo obstáculos para o Brasil crescer entre 4% e 5% em 2003 e 2004 e acima de 5% em 2005 e 2006.


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