|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ENTREVISTA
Para o economista Fábio Giambiagi, do BNDES, próximo governo pode ter novo "milagre" graças às reformas de FHC
"Década de 90 foi frustrante, não perdida"
GUILHERME BARROS
EDITOR DO PAINEL S.A.
O economista Fábio Giambiagi,
39, gerente do departamento econômico do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social ), afirma que, apesar
de hoje a situação econômica deixar a desejar, as perspectivas não
poderiam ser melhores. Segundo
ele, as reformas produzidas na
economia na década de 90 vão levar o país a crescer a taxas de 5%
no próximo governo. Para ele, a
década passada foi frustrante,
mas não perdida.
Ele compara as mudanças ocorridas nos últimos anos ao período
Roberto Campos-Octávio Gouvêa de Bulhões (ministros da área
econômica de 64 a 67). Logo depois, o Brasil viveria o "milagre
econômico". Agora, para esse
crescimento se materializar,
Giambiagi acha fundamental o
próximo governo se comprometer a manter os atuais regimes fiscal, cambial e monetário.
Folha - Por que o senhor diz que,
apesar da conjuntura adversa, o
Brasil vive um momento especial?
Fábio Giambiagi - O desempenho macroeconômico do país
deixou a desejar nas duas últimas
décadas. Nos anos 80, o país observou um crescimento de 1,6%
ao ano. Na década de 90, o crescimento médio foi de 2,7% ao ano.
Folha - Foram duas décadas perdidas?
Giambiagi - O desempenho da
década de 90 não permite que ela
seja chamada de década perdida,
mas sim de frustrante. O mais importante, no entanto, é que a década de 90 tem potencial para
passar para a história como a década das reformas que pavimentaram o terreno para uma fase de
expansão, período que estamos
começando a viver. Até por isso
não podemos falar que a década
de 90 tenha sido perdida.
Esse processo de transformação
da economia brasileira na década
de 90 permite uma diferenciação
clara em relação aos anos 80. A
década de 80 vai passar para os livros como a década da redemocratização do país, das primeiras
eleições diretas para presidente
depois de quase 30 anos.
São mudanças fundamentais,
mas, em termos econômicos, foi
uma década perdida em quase todos os sentidos. Já a década de 90
foi frustrante, mas com grandes
transformações, que deixarão a
economia engatilhada para dar ao
país condições de ter um crescimento sólido depois de 2002.
Folha - Quais foram essas transformações?
Giambiagi - Foi uma sequência
de eventos, alguns deles se iniciam antes do atual governo. No
início dos anos 90 vivemos uma
guinada importante, com a privatização e a abertura comercial. Essas duas coisas introduziram um
choque de concorrência na economia e obrigaram o setor produtivo se modernizar. Foi a primeira
fase de transformações e compreende o período de 90 a 94, mas
ainda havia o problema da inflação, que chegou a 5.000% ao ano.
A inflação era um desestímulo a
qualquer investimento de longo
prazo. A segunda etapa de transformações se deu com o Real,
quando a baixa súbita da inflação
provocou uma revolução na economia. No caso do setor público,
por exemplo, pela primeira vez
tornou-se possível lidar com restrições orçamentárias efetivas.
O Orçamento deixou de ser
uma peça de ficção. A inflação tinha o poder de mascarar o Orçamento. Essa segunda fase vai de
94 a 98. Ao mesmo tempo, havia
dois problemas graves. Um era o
déficit em conta corrente. O outro
era a situação fiscal. Um número
crescente de pessoas vinha anunciando a possibilidade de, na virada da esquina da estabilização, sofrermos uma crise combinando
desequilíbrio fiscal com desequilíbrio externo.
Folha - A crise acabou acontecendo.
Giambiagi - De fato, a crise explodiu em 98 e 99. A partir de 99
ocorre a terceira fase desse processo de transformações. O país
adota uma tríplice mudança de
regimes. Nós mudamos o regime
fiscal, o regime cambial e o regime
monetário. O regime fiscal mudou com o sistema de metas para
o déficit primário, o cambial com
a adoção do câmbio flutuante e o
monetário com o regime de metas
de inflação. Em razão dessas mudanças, a autoridade econômica
passa a ficar mais bem aparelhada
para responder às crises e reagir
aos desequilíbrios.
Folha - Se é assim, por que o Brasil sofreu tanto neste ano?
Giambiagi - Questiona-se muito
o fato de o crescimento deste ano
caminhar para ser metade do de
2000. Também questiona-se o fato de a inflação chegar a 7%, contra o teto de 6%. Eu acho que há
uma outra forma de encarar a realidade. Trata-se de uma dessas situações típicas de o copo estar
cheio pela metade. Na dinâmica
da política, o fato de alguns indicadores não corresponderem ao
ideal pode ser utilizado pela oposição de forma negativa, mas um
país não pode se isolar do contexto mundial.
Não dá para imaginar um país
como uma ilha. Até pouco tempo,
nós estávamos atrás do resto do
mundo. Na década de 90, até 98, o
Brasil cresceu bem menos do que
o resto do mundo. Com a nova
configuração econômica, estamos crescendo mais ou menos
em linha com a economia mundial. No ano passado, crescemos
4,5%, que foi mais ou menos o
que cresceu o resto do mundo.
Em 2001 e 2002, vamos crescer entre 2 % e 2,5 % ao ano, o que deverá ser similar à taxa de crescimento da economia mundial. Me parece que, de forma alguma, dá para dizer que essa política econômica seja um fracasso. Ela está
nos permitindo nos igualar à economia mundial.
A nossa infelicidade é que a economia mundial está em recessão.
A recuperação deverá começar a
partir do segundo trimestre do
ano que vem. Outra crítica se refere ao fato de a taxa de inflação não
ter superado a meta. Não podemos deixar de levar em consideração que, nos últimos três anos, o
câmbio sofreu uma desvalorização de 113%, contra uma inflação
acumulada no período de 24%, o
que, para mim, caracteriza um
êxito da política econômica.
Folha - Mas não é essa a sensação
da sociedade.
Giambiagi - Hoje, há uma insatisfação com o estado de coisas,
decorrente do fato de o salário
real ter caído dois ou três anos
consecutivos, e do desemprego
ainda estar a níveis elevados. As
pessoas também sofreram com a
crise de energia. Todas essas reações por parte da população são
compreensivas, e isso se espelha
na baixa popularidade do governo e na alta manifestação de votos
dos candidatos de oposição.
Mas, na medida em que o tempo for passando ao longo do ano
que vem, num contexto previsto
de recuperação da economia
mundial, eu acredito que essa percepção de muitos economistas
que pensam como eu vai começar
a ser notada. Por isso, acredito
que a propensão a se defender
mudanças na política econômica
vai declinar ao longo do tempo.
Os próprios candidatos vão começar a perceber que uma mudança radical de rumo pode ser
suicida, principalmente no momento em que a política econômica começaria a dar seus frutos.
Nesse sentido, me parece que
cabe um paralelo entre o que
aconteceu nos anos 90 com o período das reformas de meados da
década de 60 produzidas pela dupla Campos-Bulhões [os ministros Roberto Campos e Octávio
Bulhões, no governo Castello
Branco".
Naquele período, foram feitas
reformas importantes, apesar de
o PIB ter tido um desempenho
modesto no período. Hoje, porém, todos os historiadores e economistas reconhecem que foi justamente aquele período que lançou as sementes da expansão iniciada em 1968. O país passou a
crescer a taxas muito elevadas.
O próximo governo irá assumir
com uma perspectiva de conseguir o tão desejado círculo virtuoso de expansão da economia. Para
que isso se torne realidade, será
muito importante que o próximo
governo entenda que terá de preservar o compromisso com as
metas fiscais e de inflação. Caso
contrário, vamos morrer na praia.
Folha - Diante desse cenário,
quais são suas expectativas para o
crescimento da economia a partir
de 2003?
Giambiagi - A partir de 2003, não
vejo obstáculos para o Brasil crescer entre 4% e 5% em 2003 e 2004
e acima de 5% em 2005 e 2006.
Texto Anterior: Desbloqueio foi mal divulgado, afirma consultor Próximo Texto: Frases Índice
|