São Paulo, domingo, 25 de novembro de 2001

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CONTRAPONTO

EUA não se reerguerão tão cedo, e Brasil sentirá efeitos

DO PAINEL S.A.

O economista José Júlio Senna, 55, sócio diretor da MCM Consultores Associados e ex-diretor da dívida pública do Banco Central (1985), não compartilha do otimismo do mercado. Segundo ele, a recuperação econômica dos EUA não acontecerá tão cedo como se prevê. O Brasil sentirá os efeitos dessa recessão. Por isso, ele prevê que, em 2002, o Brasil cresça no máximo 1,5%.
Senna acha que o mundo vive hoje um novo ciclo, semelhante à desaceleração ocorrida logo depois do início da Revolução Industrial, no século 19. (GB)

Folha - O processo de desaceleração na economia está com os dias contados?
José Júlio Senna -
Os EUA darão o tom da recuperação da economia mundial. São o país mais dinâmico do planeta, a economia mais flexível de todas e representam cerca de 30% do PIB mundial. Por isso, a gente precisa olhar com lupa os acontecimentos econômicos nos EUA.

Folha - O que sua lupa diz sobre os Estados Unidos?
Senna -
Olhando os EUA, agora, a gente vê um crescimento desprezível no segundo trimestre, ligeiramente negativo no terceiro trimestre e negativo novamente no atual trimestre. Há chances de ser negativo também no primeiro trimestre do ano que vem. Isso caracteriza um quadro recessivo na primeira economia do planeta. Está ficando cada vez mais claro que estamos vivendo um novo ciclo na economia. Há cinco semestres consecutivos os investimentos privados caem significativamente.
O exemplo histórico mais parecido é o dos investimentos em ferrovias em meados do século 19. Em 1855, os ingleses se depararam com 8.000 milhas (12.800 km) de linhas férreas instaladas no país. Em alguns casos, havia três opções distintas de linha férrea para ligar cidades importantes. É evidente que, nesse período, houve uma bolha especulativa no mercado. Só que a bolha furou. Na fase atual, a grande força propulsora foram os investimentos em tecnologia da informação (computadores, softwares e telecomunicações). A grande indústria do anos 90, que provocou a bolha da Nasdaq, também furou. Se de fato estamos vivendo um novo ciclo de investimentos, com uma fase inicial de euforia seguida de depressão, a principal consequência do fenômeno será a perda de eficácia da política monetária.

Folha - Adianta reduzir juros?
Senna -
Enquanto os empresários não voltarem a ficar otimistas, de pouco adianta baixar as taxas. Ou seja, a resposta da economia vai demorar mais do que o normal. É bem possível que a resposta comece a se materializar dois anos depois do início da fase de frouxidão monetária. Isso significa que a recuperação só acontecerá no segundo semestre.

Folha - Mas o consumo está se recuperando.
Senna -
Muitos analistas, a meu ver erradamente, chamaram a atenção para a manutenção do consumo, mas deixaram de registrar que ele crescia, há menos de dois anos, ao ritmo de 5% ao ano. No final do primeiro semestre, passou a crescer 2,5% ao ano. Agora, o crescimento caiu para 1,2%.Trata-se de uma desaceleração significativa. O aumento do desemprego vai agravar esse processo. Poderíamos pensar em impulsos fiscais para tirar a economia dessa fase ruim, mas, como sempre, os políticos dificilmente farão o que efetivamente faria sentido. Ou seja, produzir aumentos temporários no dispêndio público e cortar impostos temporariamente. Ao mexer na política fiscal, os políticos irão sinalizar desequilíbrios orçamentários alguns anos adiante, e isso impedirá a queda de juros de longo prazo, o que compromete a retomada de investimentos.

Folha - O presidente George W. Bush está então fazendo tudo errado ao cortar impostos e aumentar os gastos públicos?
Senna -
Ao cortar gastos e aumentar impostos, Bill Clinton sinalizou com orçamentos fiscais superavitários, e, com isso, os juros de longo prazo caíram. Foi isso que permitiu o "boom" dos investimentos no final dos anos 90. Bush está fazendo o contrário, o que permite supor que sua política irá prejudicar o já debilitado investimento privado.

Folha - E quais são as consequências desse processo para o Brasil?
Senna -
O Brasil tem elevada dependência de financiamento externo. A forma mais saudável de financiar o balanço de pagamentos é mediante investimentos diretos. A União Européia e os EUA responderam nos últimos seis anos por 75% dos investimentos diretos. Com a desaceleração mundial, os investimentos diretos estrangeiros recuarão para níveis mais modestos, dificultando o financiamento do balanço de pagamentos. Como se sabe, eventuais dificuldades no balanço de pagamentos tendem a gerar pressões sobre o mercado de câmbio.

Folha - Mas a cotação do dólar está em queda.
Senna -
O Banco Central vem adotando uma estratégia para impedir a depreciação adicional do real. Quando a taxa chegou a R$ 2,80, o BC agiu pesado, vendendo maciçamente títulos cambiais. O BC não vai querer perder essa briga. Se houver depreciação adicional do real, o BC vai usar o arsenal de que dispõe. Além disso, toda depreciação cambial tem seu lado positivo, que é o incentivo às exportações e o freio às compras externas. Por isso, é possível prever um superávit comercial superior a US$ 6 bilhões no ano que vem, o que é um fato bastante animador. Como também foi bom o Brasil ter em setembro cumprido com folga a meta fiscal do ano todo do acordo com o FMI. Houve também o reforço da antecipação dos créditos da Polônia, as polonetas, o que representou US$ 2,5 bilhões adicionais no caixa. Diante disso, podemos prever um final de ano sem muitas pressões no câmbio. O dólar deve chegar a atingir no máximo R$ 2,60 ou R$ 2,65.
Para o ano que vem, com esse cenário mundial, as perspectivas são mais preocupantes. O setor privado sozinho não vai trazer dólares suficientes para o equilíbrio do balanço de pagamentos. O mais provável é que em 2002 seja necessária a continuidade da política de irrigação do mercado de câmbio. O governo vai precisar levantar fundos lá fora para poder irrigar o mercado. Estamos falando de alguma coisa como US$ 7 bilhões.

Folha - Com essa necessidade de recursos externos, os juros não terão que continuar altos?
Senna -
A boa notícia é a enorme disposição do BC de não elevar mais as taxas. Muitos economistas pediram um choque de juros no passado recente, mas eu não comungo dessa idéia. No atual momento, principalmente com a presença de um vizinho do andar de baixo tão barulhento, aumentos de juros tendem a piorar a cara do Brasil e nos tornar mais parecidos com a Argentina. O grande indício da enorme vontade do BC de reduzir os juros é a sua própria estimativa para a inflação. Enquanto o mercado espera para 2002 uma inflação acima de 5%, o BC estima em 3,9%. Ou seja, o BC acredita na apreciação do real, ou pelo menos na ausência de uma depreciação significativa, e portanto em baixos coeficientes de repasses para os preços.

Folha - Mas os juros não serão necessários para atrair recursos externos?
Senna -
Seria contraproducente, já que o aumento de juros prejudica as contas públicas e piora o risco-país.

Folha - Mas, na semana passada, o BC manteve os juros
Senna -
São os velhos dilemas de política monetária. O mercado antecipou a queda dos juros. Os juros de seis meses caíram para 20%, um número abaixo das projeções do BC. E como são esses juros que influenciam a demanda, o BC não tinha outra alternativa. Os juros longos são os que efetivamente influenciam a demanda agregada. Nenhum componente de demanda é influenciado pelo overnight (taxa Selic). Além disso, todas as estimativas correntes de núcleo de inflação revelam números entre 6% e 7%. A tendência dos juros é de queda, como o mercado antecipou, mas o "timing" pode não ter chegado ainda. Mas, mesmo com a queda dos juros, em razão da situação internacional o crescimento do Brasil estará limitado, no ano que vem, em no máximo 1,5%.


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