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CONTRAPONTO
EUA não se reerguerão tão cedo, e Brasil sentirá efeitos
DO PAINEL S.A.
O economista José Júlio Senna,
55, sócio diretor da MCM Consultores Associados e ex-diretor da
dívida pública do Banco Central
(1985), não compartilha do otimismo do mercado. Segundo ele,
a recuperação econômica dos
EUA não acontecerá tão cedo como se prevê. O Brasil sentirá os
efeitos dessa recessão. Por isso, ele
prevê que, em 2002, o Brasil cresça no máximo 1,5%.
Senna acha que o mundo vive
hoje um novo ciclo, semelhante à
desaceleração ocorrida logo depois do início da Revolução Industrial, no século 19.
(GB)
Folha - O processo de desaceleração na economia está com os dias
contados?
José Júlio Senna - Os EUA darão
o tom da recuperação da economia mundial. São o país mais dinâmico do planeta, a economia
mais flexível de todas e representam cerca de 30% do PIB mundial. Por isso, a gente precisa olhar
com lupa os acontecimentos econômicos nos EUA.
Folha - O que sua lupa diz sobre
os Estados Unidos?
Senna - Olhando os EUA, agora,
a gente vê um crescimento desprezível no segundo trimestre, ligeiramente negativo no terceiro
trimestre e negativo novamente
no atual trimestre. Há chances de
ser negativo também no primeiro
trimestre do ano que vem. Isso caracteriza um quadro recessivo na
primeira economia do planeta.
Está ficando cada vez mais claro
que estamos vivendo um novo ciclo na economia. Há cinco semestres consecutivos os investimentos privados caem significativamente.
O exemplo histórico mais parecido é o dos investimentos em ferrovias em meados do século 19.
Em 1855, os ingleses se depararam
com 8.000 milhas (12.800 km) de
linhas férreas instaladas no país.
Em alguns casos, havia três opções distintas de linha férrea para
ligar cidades importantes. É evidente que, nesse período, houve
uma bolha especulativa no mercado. Só que a bolha furou. Na fase atual, a grande força propulsora foram os investimentos em tecnologia da informação (computadores, softwares e telecomunicações). A grande indústria do anos
90, que provocou a bolha da Nasdaq, também furou. Se de fato estamos vivendo um novo ciclo de
investimentos, com uma fase inicial de euforia seguida de depressão, a principal consequência do
fenômeno será a perda de eficácia
da política monetária.
Folha - Adianta reduzir juros?
Senna - Enquanto os empresários não voltarem a ficar otimistas, de pouco adianta baixar as taxas. Ou seja, a resposta da economia vai demorar mais do que o
normal. É bem possível que a resposta comece a se materializar
dois anos depois do início da fase
de frouxidão monetária. Isso significa que a recuperação só acontecerá no segundo semestre.
Folha - Mas o consumo está se recuperando.
Senna - Muitos analistas, a meu
ver erradamente, chamaram a
atenção para a manutenção do
consumo, mas deixaram de registrar que ele crescia, há menos de
dois anos, ao ritmo de 5% ao ano.
No final do primeiro semestre,
passou a crescer 2,5% ao ano.
Agora, o crescimento caiu para
1,2%.Trata-se de uma desaceleração significativa. O aumento do
desemprego vai agravar esse processo. Poderíamos pensar em impulsos fiscais para tirar a economia dessa fase ruim, mas, como
sempre, os políticos dificilmente
farão o que efetivamente faria
sentido. Ou seja, produzir aumentos temporários no dispêndio público e cortar impostos
temporariamente. Ao mexer na
política fiscal, os políticos irão sinalizar desequilíbrios orçamentários alguns anos adiante, e isso
impedirá a queda de juros de longo prazo, o que compromete a retomada de investimentos.
Folha - O presidente George W.
Bush está então fazendo tudo errado ao cortar impostos e aumentar
os gastos públicos?
Senna - Ao cortar gastos e aumentar impostos, Bill Clinton sinalizou com orçamentos fiscais
superavitários, e, com isso, os juros de longo prazo caíram. Foi isso que permitiu o "boom" dos investimentos no final dos anos 90.
Bush está fazendo o contrário, o
que permite supor que sua política irá prejudicar o já debilitado investimento privado.
Folha - E quais são as consequências desse processo para o Brasil?
Senna - O Brasil tem elevada dependência de financiamento externo. A forma mais saudável de
financiar o balanço de pagamentos é mediante investimentos diretos. A União Européia e os EUA
responderam nos últimos seis
anos por 75% dos investimentos
diretos. Com a desaceleração
mundial, os investimentos diretos
estrangeiros recuarão para níveis
mais modestos, dificultando o financiamento do balanço de pagamentos. Como se sabe, eventuais
dificuldades no balanço de pagamentos tendem a gerar pressões
sobre o mercado de câmbio.
Folha - Mas a cotação do dólar está em queda.
Senna - O Banco Central vem
adotando uma estratégia para impedir a depreciação adicional do
real. Quando a taxa chegou a R$
2,80, o BC agiu pesado, vendendo
maciçamente títulos cambiais. O
BC não vai querer perder essa briga. Se houver depreciação adicional do real, o BC vai usar o arsenal
de que dispõe. Além disso, toda
depreciação cambial tem seu lado
positivo, que é o incentivo às exportações e o freio às compras externas. Por isso, é possível prever
um superávit comercial superior
a US$ 6 bilhões no ano que vem, o
que é um fato bastante animador.
Como também foi bom o Brasil
ter em setembro cumprido com
folga a meta fiscal do ano todo do
acordo com o FMI. Houve também o reforço da antecipação dos
créditos da Polônia, as polonetas,
o que representou US$ 2,5 bilhões
adicionais no caixa. Diante disso,
podemos prever um final de ano
sem muitas pressões no câmbio.
O dólar deve chegar a atingir no
máximo R$ 2,60 ou R$ 2,65.
Para o ano que vem, com esse
cenário mundial, as perspectivas
são mais preocupantes. O setor
privado sozinho não vai trazer
dólares suficientes para o equilíbrio do balanço de pagamentos.
O mais provável é que em 2002 seja necessária a continuidade da
política de irrigação do mercado
de câmbio. O governo vai precisar
levantar fundos lá fora para poder
irrigar o mercado. Estamos falando de alguma coisa como US$ 7
bilhões.
Folha - Com essa necessidade de
recursos externos, os juros não terão que continuar altos?
Senna - A boa notícia é a enorme
disposição do BC de não elevar
mais as taxas. Muitos economistas pediram um choque de juros
no passado recente, mas eu não
comungo dessa idéia. No atual
momento, principalmente com a
presença de um vizinho do andar
de baixo tão barulhento, aumentos de juros tendem a piorar a cara
do Brasil e nos tornar mais parecidos com a Argentina. O grande
indício da enorme vontade do BC
de reduzir os juros é a sua própria
estimativa para a inflação. Enquanto o mercado espera para
2002 uma inflação acima de 5%, o
BC estima em 3,9%. Ou seja, o BC
acredita na apreciação do real, ou
pelo menos na ausência de uma
depreciação significativa, e portanto em baixos coeficientes de
repasses para os preços.
Folha - Mas os juros não serão necessários para atrair recursos externos?
Senna - Seria contraproducente,
já que o aumento de juros prejudica as contas públicas e piora o
risco-país.
Folha - Mas, na semana passada,
o BC manteve os juros
Senna - São os velhos dilemas de
política monetária. O mercado
antecipou a queda dos juros. Os
juros de seis meses caíram para
20%, um número abaixo das projeções do BC. E como são esses juros que influenciam a demanda, o
BC não tinha outra alternativa. Os
juros longos são os que efetivamente influenciam a demanda
agregada. Nenhum componente
de demanda é influenciado pelo
overnight (taxa Selic). Além disso,
todas as estimativas correntes de
núcleo de inflação revelam números entre 6% e 7%. A tendência
dos juros é de queda, como o mercado antecipou, mas o "timing"
pode não ter chegado ainda. Mas,
mesmo com a queda dos juros,
em razão da situação internacional o crescimento do Brasil estará
limitado, no ano que vem, em no
máximo 1,5%.
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