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Consumo contemporâneo é fetichista e performático
Pessoa vai ao shopping não só para comprar, mas para se mostrar, diz antropólogo
Italiano considera shopping center como "fábrica da contemporaneidade" e afirma que tendência ultrapassa mercado de luxo
ISABELLE MOREIRA LIMA
DA REPORTAGEM LOCAL
O consumidor contemporâneo tornou-se performático.
Ele vai a um shopping center
não apenas para comprar, mas
para consumir comunicação,
para se mostrar, para encontrar
as pessoas. Nesse sentido, o
shopping center é a "fábrica da
contemporaneidade".
A tese é do italiano Massimo
Canevacci, professor de antropologia cultural da Universidade La Sapienza, de Roma, que
esteve no Brasil neste mês para
apresentar palestra sobre a fetichização visual das marcas,
realizada pelo instituto Ipsos
em parceria com a Aberje.
O fetiche, diz ele, está presente em quase toda a publicidade, principalmente na das
marcas de luxo. Esse é o tema
do último livro de Canevacci,
que será lançado no Brasil no
começo do ano que vem, pela
Ateliê Editorial, com o título
provisório de "Estética da Comunicação Global".
Leia, a seguir, trechos da entrevista à Folha.
FOLHA - O sr. defende que o consumo passou por modificações, fala
em "consumo performático". O que
isso significa?
MASSIMO CANEVACCI - Uma das
diferenças fundamentais da
transição da era industrial para
os dias de hoje está justamente
no consumo. Na época industrial, o consumo representava a
etapa final da produção. Hoje, o
consumo não existe somente
no sentido clássico-modernista
de coisas e mercadorias. Nos
últimos 20 anos, o consumo virou produto de valores econômicos ou de estilo de vida.
O consumidor contemporâneo é protagonista do consumo. Uma pessoa não vai a um
shopping center somente para
comprar coisas, mas para consumir comunicação, para se
mostrar, para encontrar outras
pessoas. Daí surge a idéia de um
consumo performático. E, nesse sentido, o shopping center
assume o papel de fábrica da
contemporaneidade.
FOLHA - Qual o papel do fetiche no
consumo contemporâneo?
CANEVACCI - As empresas, nos
últimos anos, constroem um tipo de comunicação baseada
nisso. O logotipo está na espiritualização do fetiche. O
"brand" se baseia em uma identidade fetichizada, que as marcas mais significativas desenvolvem de maneira múltipla.
Não é uma monomarca. É uma
polimarca, um tipo de produto
muito mais subjetivado.
O desafio contemporâneo é
justamente subjetivar o produto. A subjetivação é uma fetichização. O produto não é mais
um produto, mas um ser.
FOLHA - De que maneira o fetiche
transforma o produto?
CANEVACCI - O fetiche tem uma
enorme potencialidade para
cruzar o que era dividido, unir a
dimensão orgânica à inorgânica. O fetichismo visual contemporâneo faz essa mistura. No
momento em que eu compro
uma coisa, essa não é uma coisa
somente. É parte de um ser
-eu a coloco na minha identidade e a minha identidade muda. A tendência contemporânea é ter uma "multiidentidade", o que chamo de multivíduo, isto é, vários "eus" em um
só, o que é diferente de "nós".
FOLHA - O sr. vê uma ligação forte
entre fetiche e consumo de luxo...
CANEVACCI - O consumo de luxo
abriu essa mistura de códigos
fetichizados, baseados na arte e
no erotismo contemporâneo.
Quando tudo foi misturado, foi
aberta, por fim, uma avenida na
qual aparece também o produto aparentemente banal.
É o caso da Parmalat, que colocou no seio de uma modelo
sua logomarca, um tipo de fetichização mais simples, mas que
ao mesmo tempo tem sedução
erótica forte.
FOLHA - O fetiche é capaz de valorizar um produto?
CANEVACCI - Claramente aumenta o valor do produto porque a sensibilidade de uma coisa que também é parte constitutiva da minha corporalidade
favorece uma atração forte do
consumo contemporâneo. Aumenta o valor, não necessariamente o preço.
FOLHA - O sr. diz que o fetiche
transforma as coisas em seres. Ele
pode transformar também seres em
coisas?
CANEVACCI - Sim, claramente. A
distinção é dualista, no fetichismo contemporâneo e também
no tradicional. Uma banal fotografia de um pedaço de mulher
[cita anúncio da "Harper's Bazaar" japonesa no metrô de Tóquio que traz a barriga grávida
de Britney Spears] vira um fetiche visual. Há uma força nesse
tipo de fotografia.
FOLHA - O sr. acha que essa fetichização dentro do mercado acontece
em todos os lugares, é um fenômeno mundial?
CANEVACCI - É um fenômeno
muito global e também "glocal". Acho que é uma tendência
fortíssima da contemporaneidade. É um indicador para entender o processo da comunicação contemporânea.
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