São Paulo, quarta-feira, 25 de dezembro de 2002

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TERRA EM TRANSE

Desempenho dos países europeus decepciona; China oferece potencial, mas importações do país são baixas

Para analistas, EUA terão que liderar recuperação global

DANIEL ALTMAN
DO "THE NEW YORK TIMES"

Na eleição quanto ao país que tem mais chance de conduzir a recuperação econômica mundial, só há um candidato recebendo votos: os EUA.
Não importa que o crescimento do país seja apenas moderado neste ano, com expectativas semelhantes para 2003. Reino Unido, França, Alemanha e Japão tiveram, todos, desempenho ainda pior. Apenas a China vem emergindo como um desafio formidável, mas seu momento de apogeu pode demorar alguns anos.
"Há pouca chance de que tenhamos uma recuperação mundial liderada por alguém diferente dos EUA", disse Kermit Schoenholtz, economista-chefe do Salomon Smith Barney. As economias européias vêm apresentando desempenho inferior ao esperado ao longo de todo o recente ciclo econômico. O claudicante Japão, que no passado contribuiu para a expansão da economia mundial, até que entrou em depressão no começo dos anos 90, continua a retardar o crescimento asiático, acrescenta Schoenholtz.
Entre os países mais ricos, apenas Canadá e Austrália crescerão mais rápido que os EUA em 2002 e 2003, de acordo com a maioria das projeções. Mas suas economias são pequenas demais para que eles arrastem o resto do mundo por meio de investimento em indústrias no exterior e da importação de bens e serviços. Combinadas, as duas economias equivalem a apenas um sétimo da norte-americana.
A falta de crescimento acelerado no Japão e na Europa Ocidental é fonte de consternação para John Taylor, subsecretário do Tesouro dos EUA para assuntos internacionais. "Todos os países do mundo deveriam crescer mais rápido do que os EUA", diz.
Más decisões políticas retardaram muitas das maiores economias, explica Taylor. "O Banco do Japão tornou as condições para o crescimento muito difíceis", afirma. Sem que a espiral de queda de preços seja detida, diz, não se pode esperar que o país reviva.
A Alemanha, prossegue Taylor, não conseguira reproduzir os ganhos norte-americanos em produtividade, a quantidade de bens e serviços que um dado número de trabalhadores é capaz de gerar em um período determinado de tempo. Criticou ainda as restrições a contratações e demissões, dizendo que elas dificultam a resposta da economia alemã às mudanças.

Modelo imperfeito
Alemanha, França e os demais países que adotaram o euro como moeda talvez também estejam sendo prejudicados por uma política monetária conservadora, diz David Dodge, o presidente do Banco Central do Canadá. "Obviamente, eles estão funcionando muito abaixo de sua capacidade", afirma. O economista sugere que o Banco Central Europeu (BCE) poderia reduzir as taxas de juros sem aumentar a ameaça de inflação, mas lamenta as imperfeições do sistema regional. "Temos uma política monetária severa demais para a Alemanha e frouxa demais para a Irlanda."
Ainda que haja apenas letargia do outro lado do Atlântico, do outro lado do Pacífico há um vislumbre de esperança, que pode se inflamar. "Existe outro grande propulsor de crescimento lá na Ásia", diz Gerard Kleisterlee, presidente da Royal Philips Electronics, da Holanda. "Trata-se da China."
Números oficiais sobre o crescimento econômico chinês vêm variando entre 7% e 8%, ajustados pela inflação, já há alguns anos. Em termos de dólares, a economia chinesa equivale a um nono da norte-americana. Se ajustada pelas diferenças entre os preços relativos, equivale a cerca de metade da economia dos EUA.
Os maiores parceiros importadores da China são Japão, Taiwan, Coréia do Sul e EUA. Mas as importações respondem por 5% do PIB chinês, enquanto nos EUA respondem por 11%, e os padrões de vida chineses são apenas um oitavo dos norte-americanos. A China talvez ainda não esteja preparada para alimentar o crescimento econômico no exterior, mas empresas de todo o mundo já começam a se aproveitar do potencial de crescimento de seu mercado.
Carlos Ghosn, presidente da Nissan, diz que a demanda chinesa por veículos a motor vem crescendo mais rápido do que qualquer um poderia esperar. Mais de 3 milhões de unidades foram vendidas neste ano, e as vendas da Nissan subiram 80%. Por volta de 2010, prevê Ghosn, a China estará comprando 5 milhões de veículos ao ano.

Emergentes
Com a admissão da China na OMC (Organização Mundial do Comércio), ingressar no mercado do país deve se tornar mais fácil. Mas Ghosn adverte que as empresas que ainda não têm boas relações com o governo chinês talvez encontrem dificuldades.
Além de destacar a China, Kleisterlee diz que a Philips está desenvolvendo novos produtos para a Índia e outros mercados com classes médias em expansão. Ghosn diz que o Irã e o Iraque, que ele espera se tornem democracias voltadas ao comércio, ainda demorarão para entrar nesse grupo. O Brasil, apesar das dúvidas a respeito do novo governo, também poderia apresentar oportunidades valiosas assim que sua economia se estabilizar, afirma Dodge. Por pelo menos mais dois anos, porém, o ônus da liderança econômica mundial cabe claramente aos EUA. Esse papel pode ter seus custos.
O déficit comercial, que vem subindo há uma década e bate novos recordes a cada ano, só pode aumentar, caso os EUA continuem importando aceleradamente e mantenham sua posição como destino preferencial do investimento estrangeiro. Se a alegação de Taylor de que todo país deveria crescer mais rápido que os norte-americanos um dia se realizar, essa situação decerto mudará.

Dólar fraco?
Quando isso acontecer, o que pode demorar, os estrangeiros preferirão aplicar seu capital financeiro em outro lugar. Os EUA perderão uma fonte crucial de financiamento de investimento e terão de poupar mais, em lugar de consumir mais, para manter o crescimento.
Com menos demanda por ações e títulos do governo norte-americanos, haverá menos demanda pelos dólares necessários a comprá-los. O dólar, portanto, perderá terreno nos mercados de câmbio. Ainda que um dólar mais fraco possa estimular as exportações, pode também causar altas de preços nos EUA, o que levaria o Federal Reserve (banco central norte-americano) a segurar a economia por um período prolongado. Mas à medida que os estrangeiros passaram a adquirir bens e serviços norte-americanos, em lugar de papéis, o déficit comercial desaparecerá.
Ghosn, cuja empresa está sediada no Japão, diz não se preocupar com essa possibilidade, devido à capacidade de produção da Nissan nos EUA. Se o dólar desabar, o custo de um carro produzido nos EUA não mudará muito.
Walter B. Wriston, ex-presidente do Citicorp, vai um passo além. O déficit comercial, diz, é "um dos dois números que quer dizer menos", junto com o déficit público.


Tradução de Paulo Migliacci


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