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ENTREVISTA
ADRIANO MIOLO
Miolo eleva produção e planeja dar o troco nos "hermanos"
Com a compra da Almadén, vinícola quer produzir vinho de qualidade para enfrentar a concorrência de produto barato procedente de países vizinhos
DESDE 1897 na produção de uvas e há 20
anos com vínicola própria na Serra Gaúcha, a Miolo hoje tem outros centros de
gravidade, muito distantes de Bento Gonçalves (RS), devido a parcerias no Chile, na Argentina
e na Espanha e investimentos no Nordeste. Por isso, a
agenda de Adriano Miolo, 41, diretor-presidente da
empresa, está cada vez mais intensa. A compra da Almadén, em outubro, o colocou ainda mais distante
dessa tradicional região produtora de vinho do país.
Após o expediente de uma quarta-feira, Miolo recebeu a Folha na sede da vinícola, já de olho em outro compromisso a partir das 21h. O excesso de trabalho, no entanto, está compensando, segundo ele.
MAURO ZAFALON
ENVIADO ESPECIAL A BENTO GONÇALVES (RS)
Quem não for grande não sobreviverá no mercado do vinho
a partir de agora. A afirmação é
de Adriano Miolo, diretor da
Vinícola Miolo, que sonha com
a recuperação brasileira no
mercado de vinhos finos, hoje
em grande parte nas mãos dos
importadores.
Com a Almadén, o grupo
Miolo passa a ter vinhos de R$
9,90 a R$ 180 por garrafa, e
Miolo espera dar o troco nos
"hermanos", que têm invadido
o país com vinhos baratos.
Segundo ele, o peso dos impostos, a falta de crédito, os
problemas de logística e o aumento de participação no mercado devem estar cada vez mais
nas planilhas das empresas.
A seguir, os principais trechos da entrevista à Folha.
FOLHA - Como está a indústria de
vinho?
ADRIANO MIOLO - Vivendo uma
era de fusões. Só no ano passado, foram 700 no mundo.
FOLHA - Por que tantas fusões?
MIOLO - As empresas precisam
ser grandes para ser competitivas, ter força no mercado, baixar custos de logística e ganhar
participação.
FOLHA - Quem não se enquadrar
nesse modelo...
MIOLO - Vai ter problemas. As
empresas médias não conseguem ser competitivas, não
agem rápido nas mudanças,
não têm capacidade financeira
para promover mudanças na
velocidade que o mercado exige. Vão ter de passar por fusões.
FOLHA - E as pequenas?
MIOLO - Essas têm caminho
para crescer no vinho. São familiares, buscam nichos de
mercado e têm baixo custo.
FOLHA - Por isso a Miolo está fazendo parcerias com empresas estrangeiras e comprou a Almadén?
MIOLO - Exatamente. Nessas
associações, buscamos potencializar o que já temos [vinhedos e indústria] e visamos a
abertura de mercados. Não me
interessa uma associação se eu
não ganhar mercado. A Almadén é um exemplo. Adquirimos
porque é uma marca forte e já
tem mercado no Brasil.
FOLHA - Como funcionam essas
parcerias externas?
MIOLO - Essas empresas colocam nossos produtos lá fora e
nós colocamos o vinho delas
aqui. Ganhamos mercado.
FOLHA - A Miolo já assumiu a Almadén?
MIOLO - No início deste mês.
FOLHA - De onde veio o capital para a compra?
MIOLO - Os sócios são três: vinícolas Miolo e Lovara e o empresário Raul Anselmo Randon.
Além de capital do Banrisul.
FOLHA - Qual foi o objetivo da
compra da Almadén?
MIOLO - Temos uma percepção
de que o vinho Miolo é caro para o consumo diário e há uma
grande demanda por produto
de menor valor. Com a Almadén, ganhamos escala no segmento.
FOLHA - Mas como ganhar mercado com o mesmo produto?
MIOLO - Vamos introduzir algumas modificações básicas
tanto nos vinhedos como na vinificação para conseguir elevar
de 70% a 80% a qualidade do vinho da Almadén.
FOLHA - Muda o produto?
MIOLO - Vamos sair do "docinho" e fazer um vinho seco. Isso não significa que não será
um vinho fácil de ser tomado. O
mundo todo está abolindo o
açúcar. Não tem sentido o Brasil insistir com esse produto.
FOLHA - E o preço?
MIOLO - Vamos elevar a qualidade sem mexer no preço. O
grupo passará a ter vinhos de
R$ 9,90 com qualidade Miolo.
FOLHA - Ou seja, vocês incorporam
uma nova classe de consumidor?
MIOLO - Com certeza. Vamos
ter do Almadén a R$ 9,90 ao
Sesmaria, de R$ 180,00.
FOLHA - Quais os maiores desafios
da indústria neste momento?
MIOLO - Retomar o mercado
perdido de vinho. O saudável
seria uma divisão de 50% com
os importados [hoje está próximo de 80% para os de fora].
FOLHA - A Almadén ajuda?
MIOLO - Sim. Tivemos um volume muito grande de vinho argentino barato no mercado.
Com a Almadén, vamos dar o
troco nos "hermanos". Além do
mercado interno, vamos exportar esses produtos com a marca
Palomas. Não podemos usar
Almadén lá fora.
FOLHA - As exportações crescem?
MIOLO - Estão aumentando,
mas o dólar não favorece. O
bom é que continuamos competitivos nos vinhos "premium"
e "reserva", os de maior valor
agregado. Já nos vinhos baratos
não temos competitividade.
FOLHA - Como está a qualidade do
vinho fino nacional?
MIOLO - O país caminha para
uma melhora, mas temos uma
dificuldade em mostrar isso no
vinho fino, o que já não ocorre
com os espumantes.
FOLHA - Por que essa diferença de
um para o outro?
MIOLO - São muitos fatores. O
principal é que o espumante já
tem o reconhecimento do consumidor brasileiro e é melhor
do que o importado, quando se
compara a mesma categoria.
FOLHA - Mas o que falta é apenas o
reconhecimento ao vinho fino?
MIOLO - Não, a indústria brasileira vem fazendo um esforço
nos últimos dez anos e isso é
percebido na qualidade dos vinhedos e dos novos equipamentos utilizados, o que torna
o produto melhor.
FOLHA - E esse processo é rápido?
MIOLO - O problema é esse. Da
implantação de um vinhedo à
obtenção das uvas realmente
de qualidade são pelo menos
cinco anos. O envelhecimento
demora outros dois. Ou seja, o
produto só vai ao mercado depois de sete anos.
FOLHA - Esse reconhecimento necessita, então, de um tempo de
amadurecimento?
MIOLO - Sim, porque só agora
começam a chegar ao mercado
os primeiros vinhos feitos com
qualidade. E o consumidor vai
começar a notar que o produto
de hoje não é mais o mesmo de
há quatro ou cinco anos.
FOLHA - Por isso tantos investimentos e apostas no setor?
MIOLO - O cenário atual parece
desfavorável pela participação
do importado, mas ele passa a
ser potencialmente favorável
quando as empresas começam
a ver as oportunidades futuras.
FOLHA - Qual é esse potencial?
MIOLO - Hoje a indústria brasileira vende apenas 15 milhões
de litros de vinho fino por ano.
É ridículo. Apenas um contrato
das grande redes lá fora supera
isso. Ou seja, as vendas nacionais estão próximas de 1 milhão
de caixas.
FOLHA - Mas já foram melhores...
MIOLO - E muito. Basta lembrar que, no auge das exportações, apenas a Aurora chegou a
vender 1,2 milhão de caixas de
vinho para os Estados Unidos.
FOLHA - Por que o mercado de espumante cresce tanto
MIOLO - Cresce 20% ao ano e
ainda tem muito espaço para
crescer. Tem tudo para ser a bebida do dia a dia do brasileiro. A
qualidade do produto é boa e os
preços ficaram competitivos.
FOLHA - É um mercado consolidado?
MIOLO - Temos ainda grandes
desafios. Fazer o Brasil ser reconhecido como terra do espumante e montar uma padronização do produto, determinando regiões produtoras e métodos de elaboração.
FOLHA - O que um vinho precisa ter
para ser aceito no mercado?
MIOLO - Ter uma qualidade intrínseca, preço competitivo, segurança alimentar, rastreabilidade e, agora, começa-se a exigir também sustentabilidade.
FOLHA - Como está o fornecimento
de crédito oficial ao setor?
MIOLO - Gostaríamos que fosse
melhor, mas não dá para dizer
que não tem ajudado. Estamos
solicitando algumas mudanças.
FOLHA - Quais?
MIOLO - O EGF [Empréstimo
do Governo Federal] precisa
ter seu tempo estendido. Estamos solicitando ao governo
cinco anos: dois de carência e
três para pagar.
FOLHA - Por que a extensão?
MIOLO - O governo empresta o
recurso para a indústria pagar a
uva para os produtores. O dinheiro deve ser devolvido em
um ano, mas a produção de vinho demora de quatro a cinco
anos. Nesse período, há um desencaixe financeiro.
FOLHA - Qual o maior custo hoje
para a indústria do vinho?
MIOLO - Sem sombra de dúvida, os impostos. Eles somam
43% para a indústria e 52,5%
para o consumidor. Ou seja, de
cada R$ 100 que o consumidor
gasta em vinho, R$ 52,50 ficam
com os governos federal, estadual e municipal.
FOLHA - Por que carga tão grande?
MIOLO - Porque o vinho é taxado como bebida alcoólica, o que
é um grande erro. No mundo
todo, é visto como alimento. É
claro que o produto contém álcool e não deve ser tomado em
excesso, mas em muitos países
se vê o lado benéfico à saúde.
FOLHA - Em que países?
MIOLO - A Espanha tem imposto zero. França, Itália e outros
países europeus também consideram o vinho como alimento e
impõem imposto menor do que
uma bebida alcoólica destilada.
FOLHA - Há possibilidade de mudança nesse conceito no Brasil?
MIOLO - É difícil. Já houve uma
tentativa no Estado. A Assembleia aprovou o vinho como alimento, mas o governo anterior
[Germano Rigotto] vetou.
FOLHA - Mas tirar os impostos não
seria injusto com outros setores?
MIOLO - Não queremos taxa zero, mas que se considere o produto como em qualquer outra
parte do mundo. Em geral, as
taxas ficam próximas de 15%.
FOLHA - Quais as consequências
dessa carga tributária pesada?
MIOLO - O vinho fica caro demais e dificulta o consumo no
país. É uma questão de custo:
impostos menores trariam novos consumidores.
FOLHA - Esse imposto caro não leva
à sonegação?
MIOLO - Claro. Ele facilita a sonegação e é um dos graves problemas do mercado brasileiro.
E incentiva o contrabando.
FOLHA - Mas a sonegação também
parte das próprias empresas?
MIOLO - Com certeza, seja ela
produtora ou importadora, o
que provoca um indesejável
mercado informal no Brasil.
FOLHA - E o efeito do câmbio?
MIOLO - Neste momento, só
prejudica. Facilita as importações e dificulta as exportações.
FOLHA - Como foi o ano de 2009
para a Miolo?
MIOLO - Na verdade, tivemos
um ano cheio de realizações. A
Osborne [empresa espanhola]
entrou como sócia definitiva do
projeto Ouro Verde, no Vale
São Francisco, e fizemos a compra da Almadén.
Os jornalistas MAURO ZAFALON e AYRTON VIGNOLA viajaram a convite da Miolo.
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