São Paulo, sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

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ENTREVISTA

ADRIANO MIOLO


Miolo eleva produção e planeja dar o troco nos "hermanos"

Com a compra da Almadén, vinícola quer produzir vinho de qualidade para enfrentar a concorrência de produto barato procedente de países vizinhos

DESDE 1897 na produção de uvas e há 20 anos com vínicola própria na Serra Gaúcha, a Miolo hoje tem outros centros de gravidade, muito distantes de Bento Gonçalves (RS), devido a parcerias no Chile, na Argentina e na Espanha e investimentos no Nordeste. Por isso, a agenda de Adriano Miolo, 41, diretor-presidente da empresa, está cada vez mais intensa. A compra da Almadén, em outubro, o colocou ainda mais distante dessa tradicional região produtora de vinho do país.
Após o expediente de uma quarta-feira, Miolo recebeu a Folha na sede da vinícola, já de olho em outro compromisso a partir das 21h. O excesso de trabalho, no entanto, está compensando, segundo ele.

MAURO ZAFALON
ENVIADO ESPECIAL A BENTO GONÇALVES (RS)

Quem não for grande não sobreviverá no mercado do vinho a partir de agora. A afirmação é de Adriano Miolo, diretor da Vinícola Miolo, que sonha com a recuperação brasileira no mercado de vinhos finos, hoje em grande parte nas mãos dos importadores.
Com a Almadén, o grupo Miolo passa a ter vinhos de R$ 9,90 a R$ 180 por garrafa, e Miolo espera dar o troco nos "hermanos", que têm invadido o país com vinhos baratos. Segundo ele, o peso dos impostos, a falta de crédito, os problemas de logística e o aumento de participação no mercado devem estar cada vez mais nas planilhas das empresas. A seguir, os principais trechos da entrevista à Folha.

 

FOLHA - Como está a indústria de vinho?
ADRIANO MIOLO
- Vivendo uma era de fusões. Só no ano passado, foram 700 no mundo.

FOLHA - Por que tantas fusões?
MIOLO
- As empresas precisam ser grandes para ser competitivas, ter força no mercado, baixar custos de logística e ganhar participação.

FOLHA - Quem não se enquadrar nesse modelo...
MIOLO
- Vai ter problemas. As empresas médias não conseguem ser competitivas, não agem rápido nas mudanças, não têm capacidade financeira para promover mudanças na velocidade que o mercado exige. Vão ter de passar por fusões.

FOLHA - E as pequenas?
MIOLO
- Essas têm caminho para crescer no vinho. São familiares, buscam nichos de mercado e têm baixo custo.

FOLHA - Por isso a Miolo está fazendo parcerias com empresas estrangeiras e comprou a Almadén?
MIOLO
- Exatamente. Nessas associações, buscamos potencializar o que já temos [vinhedos e indústria] e visamos a abertura de mercados. Não me interessa uma associação se eu não ganhar mercado. A Almadén é um exemplo. Adquirimos porque é uma marca forte e já tem mercado no Brasil.

FOLHA - Como funcionam essas parcerias externas?
MIOLO
- Essas empresas colocam nossos produtos lá fora e nós colocamos o vinho delas aqui. Ganhamos mercado.

FOLHA - A Miolo já assumiu a Almadén?
MIOLO
- No início deste mês.

FOLHA - De onde veio o capital para a compra?
MIOLO
- Os sócios são três: vinícolas Miolo e Lovara e o empresário Raul Anselmo Randon. Além de capital do Banrisul.

FOLHA - Qual foi o objetivo da compra da Almadén?
MIOLO
- Temos uma percepção de que o vinho Miolo é caro para o consumo diário e há uma grande demanda por produto de menor valor. Com a Almadén, ganhamos escala no segmento.

FOLHA - Mas como ganhar mercado com o mesmo produto?
MIOLO
- Vamos introduzir algumas modificações básicas tanto nos vinhedos como na vinificação para conseguir elevar de 70% a 80% a qualidade do vinho da Almadén.

FOLHA - Muda o produto?
MIOLO
- Vamos sair do "docinho" e fazer um vinho seco. Isso não significa que não será um vinho fácil de ser tomado. O mundo todo está abolindo o açúcar. Não tem sentido o Brasil insistir com esse produto.

FOLHA - E o preço?
MIOLO
- Vamos elevar a qualidade sem mexer no preço. O grupo passará a ter vinhos de R$ 9,90 com qualidade Miolo.

FOLHA - Ou seja, vocês incorporam uma nova classe de consumidor?
MIOLO
- Com certeza. Vamos ter do Almadén a R$ 9,90 ao Sesmaria, de R$ 180,00.

FOLHA - Quais os maiores desafios da indústria neste momento?
MIOLO
- Retomar o mercado perdido de vinho. O saudável seria uma divisão de 50% com os importados [hoje está próximo de 80% para os de fora].

FOLHA - A Almadén ajuda?
MIOLO
- Sim. Tivemos um volume muito grande de vinho argentino barato no mercado. Com a Almadén, vamos dar o troco nos "hermanos". Além do mercado interno, vamos exportar esses produtos com a marca Palomas. Não podemos usar Almadén lá fora.

FOLHA - As exportações crescem?
MIOLO
- Estão aumentando, mas o dólar não favorece. O bom é que continuamos competitivos nos vinhos "premium" e "reserva", os de maior valor agregado. Já nos vinhos baratos não temos competitividade.

FOLHA - Como está a qualidade do vinho fino nacional?
MIOLO
- O país caminha para uma melhora, mas temos uma dificuldade em mostrar isso no vinho fino, o que já não ocorre com os espumantes.

FOLHA - Por que essa diferença de um para o outro?
MIOLO
- São muitos fatores. O principal é que o espumante já tem o reconhecimento do consumidor brasileiro e é melhor do que o importado, quando se compara a mesma categoria.

FOLHA - Mas o que falta é apenas o reconhecimento ao vinho fino?
MIOLO
- Não, a indústria brasileira vem fazendo um esforço nos últimos dez anos e isso é percebido na qualidade dos vinhedos e dos novos equipamentos utilizados, o que torna o produto melhor.

FOLHA - E esse processo é rápido?
MIOLO
- O problema é esse. Da implantação de um vinhedo à obtenção das uvas realmente de qualidade são pelo menos cinco anos. O envelhecimento demora outros dois. Ou seja, o produto só vai ao mercado depois de sete anos.

FOLHA - Esse reconhecimento necessita, então, de um tempo de amadurecimento?
MIOLO
- Sim, porque só agora começam a chegar ao mercado os primeiros vinhos feitos com qualidade. E o consumidor vai começar a notar que o produto de hoje não é mais o mesmo de há quatro ou cinco anos.

FOLHA - Por isso tantos investimentos e apostas no setor?
MIOLO
- O cenário atual parece desfavorável pela participação do importado, mas ele passa a ser potencialmente favorável quando as empresas começam a ver as oportunidades futuras.

FOLHA - Qual é esse potencial?
MIOLO
- Hoje a indústria brasileira vende apenas 15 milhões de litros de vinho fino por ano. É ridículo. Apenas um contrato das grande redes lá fora supera isso. Ou seja, as vendas nacionais estão próximas de 1 milhão de caixas.

FOLHA - Mas já foram melhores...
MIOLO
- E muito. Basta lembrar que, no auge das exportações, apenas a Aurora chegou a vender 1,2 milhão de caixas de vinho para os Estados Unidos.

FOLHA - Por que o mercado de espumante cresce tanto
MIOLO
- Cresce 20% ao ano e ainda tem muito espaço para crescer. Tem tudo para ser a bebida do dia a dia do brasileiro. A qualidade do produto é boa e os preços ficaram competitivos.

FOLHA - É um mercado consolidado?
MIOLO
- Temos ainda grandes desafios. Fazer o Brasil ser reconhecido como terra do espumante e montar uma padronização do produto, determinando regiões produtoras e métodos de elaboração.

FOLHA - O que um vinho precisa ter para ser aceito no mercado?
MIOLO
- Ter uma qualidade intrínseca, preço competitivo, segurança alimentar, rastreabilidade e, agora, começa-se a exigir também sustentabilidade.

FOLHA - Como está o fornecimento de crédito oficial ao setor?
MIOLO
- Gostaríamos que fosse melhor, mas não dá para dizer que não tem ajudado. Estamos solicitando algumas mudanças.

FOLHA - Quais?
MIOLO
- O EGF [Empréstimo do Governo Federal] precisa ter seu tempo estendido. Estamos solicitando ao governo cinco anos: dois de carência e três para pagar.

FOLHA - Por que a extensão?
MIOLO
- O governo empresta o recurso para a indústria pagar a uva para os produtores. O dinheiro deve ser devolvido em um ano, mas a produção de vinho demora de quatro a cinco anos. Nesse período, há um desencaixe financeiro.

FOLHA - Qual o maior custo hoje para a indústria do vinho?
MIOLO
- Sem sombra de dúvida, os impostos. Eles somam 43% para a indústria e 52,5% para o consumidor. Ou seja, de cada R$ 100 que o consumidor gasta em vinho, R$ 52,50 ficam com os governos federal, estadual e municipal.

FOLHA - Por que carga tão grande?
MIOLO
- Porque o vinho é taxado como bebida alcoólica, o que é um grande erro. No mundo todo, é visto como alimento. É claro que o produto contém álcool e não deve ser tomado em excesso, mas em muitos países se vê o lado benéfico à saúde.

FOLHA - Em que países?
MIOLO
- A Espanha tem imposto zero. França, Itália e outros países europeus também consideram o vinho como alimento e impõem imposto menor do que uma bebida alcoólica destilada.

FOLHA - Há possibilidade de mudança nesse conceito no Brasil?
MIOLO
- É difícil. Já houve uma tentativa no Estado. A Assembleia aprovou o vinho como alimento, mas o governo anterior [Germano Rigotto] vetou.

FOLHA - Mas tirar os impostos não seria injusto com outros setores?
MIOLO
- Não queremos taxa zero, mas que se considere o produto como em qualquer outra parte do mundo. Em geral, as taxas ficam próximas de 15%.

FOLHA - Quais as consequências dessa carga tributária pesada?
MIOLO
- O vinho fica caro demais e dificulta o consumo no país. É uma questão de custo: impostos menores trariam novos consumidores.

FOLHA - Esse imposto caro não leva à sonegação?
MIOLO
- Claro. Ele facilita a sonegação e é um dos graves problemas do mercado brasileiro. E incentiva o contrabando.

FOLHA - Mas a sonegação também parte das próprias empresas?
MIOLO
- Com certeza, seja ela produtora ou importadora, o que provoca um indesejável mercado informal no Brasil.

FOLHA - E o efeito do câmbio?
MIOLO
- Neste momento, só prejudica. Facilita as importações e dificulta as exportações.

FOLHA - Como foi o ano de 2009 para a Miolo?
MIOLO
- Na verdade, tivemos um ano cheio de realizações. A Osborne [empresa espanhola] entrou como sócia definitiva do projeto Ouro Verde, no Vale São Francisco, e fizemos a compra da Almadén.

Os jornalistas MAURO ZAFALON e AYRTON VIGNOLA viajaram a convite da Miolo.


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