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OPINIÃO ECONÔMICA
As suspeitas de sonegação da CPMF
MARCOS CINTRA
Inúmeras pesquisas de opinião pública demonstraram
que os contribuintes brasileiros
atribuem à CPMF a virtude de ser
um tributo de difícil sonegação. É
considerada universal e democrática. Todos pagam, até a economia informal. Até mesmo os contraventores e criminosos dificilmente encontram meios de burlar
a arrecadação desse tributo. Trata-se de uma reconhecida vantagem da CPMF sobre outras formas declaratórias de tributação.
Na realidade, ficam de fora dessa forma de exação fiscal apenas
as pequenas transações, mais facilmente liquidadas sem a interveniência do sistema bancário.
Contudo o valor total dessas transações é pequeno e tende a diminuir com a globalização e com a
inexorável tendência mundial de
substituição da moeda manual
pelas inúmeras formas de moeda
escritural, desde os ultrapassados
cheques de papel até as transações eletrônicas via internet.
Nesse sentido, a notícia veiculada no último dia 20 pelo "Valor
Econômico" de que a Receita Federal vem autuando pesadamente os bancos por suspeita de sonegação da CPMF causou surpresa
e indignação.
As primeiras suspeitas de evasão da CPMF vieram a público
em 2000. O Banco Central detectou transações efetuadas por bancos em favor de seus grandes correntistas. O estratagema de "economia tributária" envolvia a liqüidação de pagamentos em nome dos seus clientes preferenciais
por meio de contas correntes
mantidas com corretoras e distribuidoras de valores, cuja movimentação bancária é isenta da
cobrança de CPMF.
Agora, a Receita Federal revela
que autuou grandes bancos por
falta de recolhimento da CPMF
em operações com cheques administrativos endossáveis emitidos
em nome de clientes, que os utilizavam para a realização de pagamentos sem a cobrança da CPMF.
Segundo a Receita Federal, o valor das autuações da CPMF atingiu mais de R$ 1 bilhão em 2003, o
que representou cerca de 26% do
total das autuações fiscais contra
os bancos.
A notícia é chocante e, ao mesmo tempo, esclarecedora.
Choca por desvendar os tortuosos desígnios de alguns bancos
que não hesitam em burlar o espírito de nossa legislação tributária,
ainda que possam acreditar que
suas ações se revestiam da mais
absoluta legalidade. É claro que
seus atos podem até ser legais,
mas jamais poderiam ser considerados legítimos.
Ao mesmo tempo, a notícia dos
desvios praticados pelos bancos
esclarece a opinião pública acerca
dos riscos envolvidos na adoção
de uma sistemática tributária
inovadora, como o imposto sobre
movimentação financeira, sem as
cautelas e os cuidados que deveriam ter sido adotados quando de
sua implantação pioneira, em
meados da década passada.
A CPMF é um tributo praticamente insonegável para o contribuinte comum. No entanto sua
operacionalização é efetuada pelo sistema bancário. É possível
afirmar que o tributo é de difícil
evasão, a menos que exista má-fé
e conivência dos bancos.
O sistema bancário é o operador e o fiel depositário da CPMF.
Nesse sentido, ao praticar atos
que lesem o interesse público deve
ser responsabilizado.
Mas o que efetivamente chama
a atenção é o fato de que, desde
sua implantação inicial em meados da década de 90, pouca ou nenhuma atenção foi dispensada
pela Receita Federal na fiscalização dos bancos no tocante ao recolhimento da CPMF. Apenas nos
últimos três anos é que se passou
a fiscalizá-los com maior rigor,
após as revelações do Banco Central sobre as fraudes que vinham
sendo praticadas.
A CPMF vem sendo recolhida
desde 1997 sem que o governo tenha tido, com os bancos, o mesmo
rigor na fiscalização que vem tendo com os contribuintes dos demais setores da atividade econômica. O prejuízo pode ter sido incalculável. Por outro lado, é natural que surjam dúvidas até mesmo sobre a correção das transferências aos cofres públicos dos valores debitados nas contas correntes dos depositantes no passado.
A CPMF revelou ser um tributo
eficiente, de baixo custo, robusto e
resistente a fraudes em sua mecânica operacional regular. Contudo não se pode esperar que seja
igualmente resistente às investidas maliciosas de seus próprios
operadores. Trata-se de um tributo que torna desnecessária a manutenção do gigantesco aparato
fiscalizatório usualmente associado aos tributos declaratórios como o Imposto de Renda e o ICMS,
mas não pode dispensar um aparato de auditoria nos meandros
da engenharia financeira e da informática bancária.
De fato, a CPMF não necessita
de um único fiscal para auditar o
contribuinte. Mas não pode prescindir de um sistema de fiscalização eficiente e especializado
quando se trata de auditar os
próprios arrecadadores.
Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, 58, é doutor em Economia pela Universidade Harvard, professor titular e vice-presidente da FGV. Foi deputado federal (1999-03). É autor do livro "A
Verdade sobre o Imposto Único" (LCTE,
2003). Atualmente, é secretário das Finanças de São Bernardo do Campo.
Internet: www.marcoscintra.org
E-mail - mcintra@marcoscintra.org
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