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ARTIGO
Déficit público dos EUA provoca bocejos
DAVID LEONHARDT
DO "NEW YORK TIMES"
Os democratas se queixam
do fato de o presidente Bush
ter desperdiçado os superávits
dos anos 90. Ministros das Finanças estrangeiros expressaram
alarme sobre o imenso déficit no
orçamento dos Estados Unidos,
durante a conferência do Grupo
dos 7 (G7) países mais industrializados, em Boca Raton (Flórida),
no início do mês. E até mesmo um
grande número de republicanos
argumenta que Bush precisa parar de arranjar desculpas e cortar
os gastos do governo.
Assim, como reagem os vigilantes dos mercados de títulos públicos, os encarregados da disciplina
que forçam a alta das taxas de juros sempre que os déficits do passado ameaçam retornar? Eles bocejam.
Desde que Bush divulgou sua
proposta de orçamento, prevendo US$ 521 bilhões em déficit para
o ano fiscal em curso, os juros sobre os títulos de dez anos do Tesouro norte-americano, na verdade, caíram um pouco. De agosto,
quando a estimativa de déficit era
de US$ 475 bilhões, para cá, a taxa
de juros desse papel caiu de cerca
de 4,4% para algo em torno de
4,1%.
O mercado de bônus, aparentemente, deixou de se preocupar e
aprendeu a amar o déficit. A questão, evidentemente, é determinar
se todo mundo também pode relaxar.
Existem algumas razões econômicas básicas para os juros baixos, por exemplo um influxo de
capital estrangeiro e os desequilíbrios da economia norte-americana, mas elas pouco têm a ver
com o déficit. No entanto também existem razões psicológicas,
aparentemente. Muitos economistas dizem que a reação discreta dos vigilantes dos mercados de
títulos públicos é tanto um símbolo quanto uma causa da calma
indevida que existe sobre os déficits, pelo menos entre os que estão longe da atmosfera de estufa
vigente em Washington.
A maior parte das pessoas em
idade de votar ou investir deve
lembrar dos anos 80, outra época
em que o governo federal gastava
mais dinheiro do que tinha. Mas
poucos conseguem identificar danos sérios ou duradouros que
aqueles déficits tenham provocado. Assim, talvez não surpreenda
que apenas 2% dos norte-americanos tenham indicado o déficit
como principal questão que gostariam de ver debatida entre os
candidatos na eleição presidencial de 2004, de acordo com recente pesquisa do "The New York
Times" e da rede de TV CBS.
Volta em 2014
A economia poderia de fato superar esses déficits, ao longo da
próxima década. Na verdade, o
Serviço Orçamentário do Congresso, uma organização de pesquisa ligada ao Legislativo e apartidária, prevê que, por volta de
2014, os superávits voltarão.
Mas muitos economistas dizem
igualmente que as rápidas reviravoltas fiscais dos 20 anos passados
criaram uma falsa sensação de segurança quanto aos déficits. Essa
serenidade talvez tenha sido reforçada por uma série de decisões
contábeis adotadas no novo orçamento de Bush que mascaram a
verdadeira dimensão do déficit,
de acordo com analistas de orçamentos.
A despreocupação é ainda mais
alarmante, agora, dados os enormes rombos nas contas do seguro
social e do programa de assistência médica aos idosos, Medicare,
para as próximas décadas, dizem
os economistas.
Antes que o presidente Bush pai
rompesse sua promessa de não
elevar impostos, os republicanos
tinham vencido três eleições presidenciais consecutivas. Desde
então, não venceram mais, no voto popular.
Esses custos políticos tendem a
ocupar os pensamentos das pessoas e tornam quase impensável a
adoção de medidas orçamentárias duras em um ano eleitoral.
Caso não haja crescimento econômico verdadeiramente espetacular e surpreendente nos próximos anos, no entanto, é provável
que essas medidas sérias tenham
de ser adotadas, por menos indicações que haja a esse respeito no
mercado de títulos públicos atual.
O mercado de títulos públicos e
seus vigilantes no passado exigiam esse tipo de medida. Se os
políticos não obedecessem, as
vendas desses papéis logo disparavam, o que gera alta nas taxas de
juros e prejudica o crescimento
econômico.
Os investidores agiam assim em
defesa de seus interesses, preocupados com a possibilidade de que
os déficits diminuíssem o valor de
suas carteiras devido a uma inundação de novos papéis do governo nos mercados. Mas a estratégia
causava elevação ainda maior dos
juros, ao aumentar a oferta de títulos do governo e forçar os emissores a propor taxas ainda mais
elevadas.
Em parte, a dinâmica de outras
variáveis econômicas manteve as
taxas de juros baixas o bastante
para firmar a recuperação econômica desequilibrada. Dinheiro estrangeiro, boa parte do qual
oriunda de governos asiáticos que
tentam manter elevada a taxa de
câmbio entre o dólar e as suas
moedas, para baratear suas exportações, flui para os Estados
Unidos em grande volume. Isso
permitiu que os títulos públicos
encontrassem compradores,
mesmo a juros baixos.
Há também o mercado de trabalho ainda fraco, nos Estados
Unidos, que forçou o Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano) a manter sua taxa de
referência para os juros de curto
prazo no ponto mais baixo dos últimos 50 anos, e isso limita qualquer alta nos juros de prazo mais
longo.
Mas o otimismo vem sendo um
fator importante, igualmente. Ao
longo das duas últimas décadas,
muita gente se convenceu de que
déficits orçamentários não são
grande problema porque o governo federal evitará que se tornem
problema. "Em tese, os déficits
não podem durar para sempre",
diz Woody Jay, diretor-executivo
de títulos públicos do Lehman
Brothers.
Funcionários da Casa Branca
dizem ter começado esse trabalho
ao proibir a alta de gastos não relacionados ao seguro social, à defesa e à segurança interna. Bush
propôs a eliminação de alguns
programas escolares e cortes em
financiamentos para departamentos de polícia e bombeiros, a
Administração Federal da Aviação (FAA) e o Serviço de Receita
Federal (IRS).
"Estamos dispostos a fazer escolhas difíceis, para reduzir o déficit", disse Mankiw, do conselho
de assessores econômicos. "A
questão mais interessante é decidir se o Congresso nos acompanhará."
Mesmo que o Congresso não
acrescente gastos novos, porém, o
déficit de longo prazo parece mais
elevado do que sugerem os números oficiais da Casa Branca. A proposta atual não prevê gastos com
atividades militares no Iraque depois de 30 de setembro e exclui,
entre outros itens, um crédito fiscal de US$ 65 bilhões para que
pessoas desprovidas de assistência médica comprem seguros para doenças sérias, ao longo da
próxima década. E o orçamento
lida apenas com os cinco próximos anos, ignorando a maior parte do custo de tornar permanente
o corte de impostos proposto por
Bush no ano passado.
Bombas-relógio
Os déficits atuais também impedem o governo de investir o superávit hipotético do seguro social
para o momento em que os impostos sobre o trabalho não mais
cobrirem as pensões dos aposentados. Quando os membros da
geração "baby boom" (os norte-americanos nascidos entre 1946 e
1964) começarem a atingir 65
anos, em 2011, custarão mais e
mais ao orçamento federal.
Essas bombas-relógio fiscais fazem com que a maior parte dos
economistas acredite que cortes
de orçamento ou aumentos de
impostos virão a ser necessários
-ou os vigilantes dos mercados
voltarão a se inquietar. Diversos
desdobramentos, de uma recuperação econômica saudável a uma
convicção de que os déficits não
desaparecerão sozinhos, podem
gerar elevação nos juros.
É improvável que os juros subam acentuadamente no curto
prazo. O déficit não basta para gerar juros mais altos, diz a maioria
dos economistas, sendo um fator
entre muitos. Por enquanto, a
questão tem horizonte de tempo
longo e afeta pouco os mercados
de títulos públicos. "As pessoas
que arriscam o seu dinheiro na
verdade o fazem em horizonte de
cinco anos", diz Wright.
Stan Jonas, diretor-executivo da
Fimat USA, uma corretora de Nova York, diz que "há muitos boatos de que o déficit se inflará em
2020. Está bem, concordo". "Mas
não estarei lá para receber qualquer aposta feita agora sobre a
forma do déficit daqui a 20 anos."
Além disso, os vigilantes não
podem ter razões pessoais para
encarar os déficits atuais como diferentes dos passados. "Os vigilantes dos mercados de títulos públicos estão envelhecendo", disse
Jonas. "O déficit os beneficia e será um problema só para seus filhos."
Tradução de Paulo Migliacci
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