São Paulo, quinta-feira, 26 de fevereiro de 2004

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ARTIGO

Déficit público dos EUA provoca bocejos

DAVID LEONHARDT
DO "NEW YORK TIMES"

Os democratas se queixam do fato de o presidente Bush ter desperdiçado os superávits dos anos 90. Ministros das Finanças estrangeiros expressaram alarme sobre o imenso déficit no orçamento dos Estados Unidos, durante a conferência do Grupo dos 7 (G7) países mais industrializados, em Boca Raton (Flórida), no início do mês. E até mesmo um grande número de republicanos argumenta que Bush precisa parar de arranjar desculpas e cortar os gastos do governo.
Assim, como reagem os vigilantes dos mercados de títulos públicos, os encarregados da disciplina que forçam a alta das taxas de juros sempre que os déficits do passado ameaçam retornar? Eles bocejam.
Desde que Bush divulgou sua proposta de orçamento, prevendo US$ 521 bilhões em déficit para o ano fiscal em curso, os juros sobre os títulos de dez anos do Tesouro norte-americano, na verdade, caíram um pouco. De agosto, quando a estimativa de déficit era de US$ 475 bilhões, para cá, a taxa de juros desse papel caiu de cerca de 4,4% para algo em torno de 4,1%.
O mercado de bônus, aparentemente, deixou de se preocupar e aprendeu a amar o déficit. A questão, evidentemente, é determinar se todo mundo também pode relaxar.
Existem algumas razões econômicas básicas para os juros baixos, por exemplo um influxo de capital estrangeiro e os desequilíbrios da economia norte-americana, mas elas pouco têm a ver com o déficit. No entanto também existem razões psicológicas, aparentemente. Muitos economistas dizem que a reação discreta dos vigilantes dos mercados de títulos públicos é tanto um símbolo quanto uma causa da calma indevida que existe sobre os déficits, pelo menos entre os que estão longe da atmosfera de estufa vigente em Washington.
A maior parte das pessoas em idade de votar ou investir deve lembrar dos anos 80, outra época em que o governo federal gastava mais dinheiro do que tinha. Mas poucos conseguem identificar danos sérios ou duradouros que aqueles déficits tenham provocado. Assim, talvez não surpreenda que apenas 2% dos norte-americanos tenham indicado o déficit como principal questão que gostariam de ver debatida entre os candidatos na eleição presidencial de 2004, de acordo com recente pesquisa do "The New York Times" e da rede de TV CBS.

Volta em 2014
A economia poderia de fato superar esses déficits, ao longo da próxima década. Na verdade, o Serviço Orçamentário do Congresso, uma organização de pesquisa ligada ao Legislativo e apartidária, prevê que, por volta de 2014, os superávits voltarão.
Mas muitos economistas dizem igualmente que as rápidas reviravoltas fiscais dos 20 anos passados criaram uma falsa sensação de segurança quanto aos déficits. Essa serenidade talvez tenha sido reforçada por uma série de decisões contábeis adotadas no novo orçamento de Bush que mascaram a verdadeira dimensão do déficit, de acordo com analistas de orçamentos.
A despreocupação é ainda mais alarmante, agora, dados os enormes rombos nas contas do seguro social e do programa de assistência médica aos idosos, Medicare, para as próximas décadas, dizem os economistas.
Antes que o presidente Bush pai rompesse sua promessa de não elevar impostos, os republicanos tinham vencido três eleições presidenciais consecutivas. Desde então, não venceram mais, no voto popular.
Esses custos políticos tendem a ocupar os pensamentos das pessoas e tornam quase impensável a adoção de medidas orçamentárias duras em um ano eleitoral. Caso não haja crescimento econômico verdadeiramente espetacular e surpreendente nos próximos anos, no entanto, é provável que essas medidas sérias tenham de ser adotadas, por menos indicações que haja a esse respeito no mercado de títulos públicos atual.
O mercado de títulos públicos e seus vigilantes no passado exigiam esse tipo de medida. Se os políticos não obedecessem, as vendas desses papéis logo disparavam, o que gera alta nas taxas de juros e prejudica o crescimento econômico.
Os investidores agiam assim em defesa de seus interesses, preocupados com a possibilidade de que os déficits diminuíssem o valor de suas carteiras devido a uma inundação de novos papéis do governo nos mercados. Mas a estratégia causava elevação ainda maior dos juros, ao aumentar a oferta de títulos do governo e forçar os emissores a propor taxas ainda mais elevadas.
Em parte, a dinâmica de outras variáveis econômicas manteve as taxas de juros baixas o bastante para firmar a recuperação econômica desequilibrada. Dinheiro estrangeiro, boa parte do qual oriunda de governos asiáticos que tentam manter elevada a taxa de câmbio entre o dólar e as suas moedas, para baratear suas exportações, flui para os Estados Unidos em grande volume. Isso permitiu que os títulos públicos encontrassem compradores, mesmo a juros baixos.
Há também o mercado de trabalho ainda fraco, nos Estados Unidos, que forçou o Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano) a manter sua taxa de referência para os juros de curto prazo no ponto mais baixo dos últimos 50 anos, e isso limita qualquer alta nos juros de prazo mais longo.
Mas o otimismo vem sendo um fator importante, igualmente. Ao longo das duas últimas décadas, muita gente se convenceu de que déficits orçamentários não são grande problema porque o governo federal evitará que se tornem problema. "Em tese, os déficits não podem durar para sempre", diz Woody Jay, diretor-executivo de títulos públicos do Lehman Brothers.
Funcionários da Casa Branca dizem ter começado esse trabalho ao proibir a alta de gastos não relacionados ao seguro social, à defesa e à segurança interna. Bush propôs a eliminação de alguns programas escolares e cortes em financiamentos para departamentos de polícia e bombeiros, a Administração Federal da Aviação (FAA) e o Serviço de Receita Federal (IRS).
"Estamos dispostos a fazer escolhas difíceis, para reduzir o déficit", disse Mankiw, do conselho de assessores econômicos. "A questão mais interessante é decidir se o Congresso nos acompanhará."
Mesmo que o Congresso não acrescente gastos novos, porém, o déficit de longo prazo parece mais elevado do que sugerem os números oficiais da Casa Branca. A proposta atual não prevê gastos com atividades militares no Iraque depois de 30 de setembro e exclui, entre outros itens, um crédito fiscal de US$ 65 bilhões para que pessoas desprovidas de assistência médica comprem seguros para doenças sérias, ao longo da próxima década. E o orçamento lida apenas com os cinco próximos anos, ignorando a maior parte do custo de tornar permanente o corte de impostos proposto por Bush no ano passado.

Bombas-relógio
Os déficits atuais também impedem o governo de investir o superávit hipotético do seguro social para o momento em que os impostos sobre o trabalho não mais cobrirem as pensões dos aposentados. Quando os membros da geração "baby boom" (os norte-americanos nascidos entre 1946 e 1964) começarem a atingir 65 anos, em 2011, custarão mais e mais ao orçamento federal.
Essas bombas-relógio fiscais fazem com que a maior parte dos economistas acredite que cortes de orçamento ou aumentos de impostos virão a ser necessários -ou os vigilantes dos mercados voltarão a se inquietar. Diversos desdobramentos, de uma recuperação econômica saudável a uma convicção de que os déficits não desaparecerão sozinhos, podem gerar elevação nos juros.
É improvável que os juros subam acentuadamente no curto prazo. O déficit não basta para gerar juros mais altos, diz a maioria dos economistas, sendo um fator entre muitos. Por enquanto, a questão tem horizonte de tempo longo e afeta pouco os mercados de títulos públicos. "As pessoas que arriscam o seu dinheiro na verdade o fazem em horizonte de cinco anos", diz Wright.
Stan Jonas, diretor-executivo da Fimat USA, uma corretora de Nova York, diz que "há muitos boatos de que o déficit se inflará em 2020. Está bem, concordo". "Mas não estarei lá para receber qualquer aposta feita agora sobre a forma do déficit daqui a 20 anos."
Além disso, os vigilantes não podem ter razões pessoais para encarar os déficits atuais como diferentes dos passados. "Os vigilantes dos mercados de títulos públicos estão envelhecendo", disse Jonas. "O déficit os beneficia e será um problema só para seus filhos."


Tradução de Paulo Migliacci


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