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OPINIÃO ECONÔMICA
Vade retro!
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Hoje, não quero entrar em
bola dividida. A conjuntura política está pegando fogo; o
governo federal atravessa uma
espécie de inferno astral. Não é à
toa que satanás anda freqüentando as conversas do presidente
da República. A Folha relatou o
desabafo do presidente, que, durante jantar com alguns governadores e ministros, na semana
passada, teria dito que não pretende vender a sua alma ao diabo para se reeleger em 2006.
Força de expressão? Provavelmente. De qualquer maneira, é
realmente estarrecedor o que
vem acontecendo. O fluxo de informações político-econômicas
está sendo fortemente contaminado e deturpado pelas escaramuças pré-eleitorais. Cheguei a
pensar em dar ao artigo de hoje o
seguinte título: "2006 é agora".
Mas vou deixar esse tema para
outra ocasião (não faltarão
oportunidades). Peço a atenção
do leitor para um assunto menos
candente, mas que também esteve presente nas manchetes nos
últimos dias: a proposta de ampliação do CMN (Conselho Monetário Nacional).
Na quinta-feira passada, o
CDES (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social) aprovou, por larga maioria, uma moção em defesa do aumento do
número de integrantes do CMN
de três para até nove, com inclusão de representantes dos empresários e dos trabalhadores, assegurada a maioria para o governo. O presidente da República
parece ser simpático à idéia. A
resistência vem do Ministério da
Fazenda, do Banco Central e dos
bancos privados. Um dos banqueiros que fazem parte do
CDES criticou duramente a proposta, sob o argumento de que
ela poria em risco o controle da
inflação.
Mais correto seria dizer que a
mudança do CMN talvez ponha
em risco a política de juros altos,
e não o controle da inflação (favor não confundir uma coisa
com a outra). E aí, justamente,
está um dos seus atrativos.
Defendo há muito tempo essa
proposta nesta coluna. Não vou
repetir os argumentos anteriormente utilizados. Gostaria de
tratar o tema sob outro ângulo.
Em 2003, conversei com o ministro Palocci a respeito da ampliação do CMN. Objeção do ministro: os empresários escolhidos
para o Conselho passariam a ter
informação privilegiada, além
de acesso mais fácil às autoridades econômicas. Ele tem razão.
Mas a objeção é perfeitamente
contornável.
Uma das maneiras de contorná-la, preservando a essência da
proposta: os integrantes do CMN
indicados por trabalhadores e
empresários teriam que ter perfil
eminentemente técnico. As entidades empresariais e as centrais
sindicais apresentariam as suas
listas tríplices de pessoas de notório conhecimento econômico-financeiro. O presidente da República, assessorado pelo ministro
da Fazenda, faria então as escolhas finais.
Poderia haver, ainda assim,
conflitos de interesse. Ao ser nomeado para o CMN, um determinado técnico não se tornaria
funcionário público e continuaria desempenhando as suas atividades privadas. Mas certas atividades são incompatíveis com o
exercício do cargo. Por exemplo:
consultoria a instituições financeiras e outras empresas diretamente interessadas nas decisões
do CMN. Os representantes dos
empresários e trabalhadores ficariam submetidos a certas normas de conduta, que teriam de
estar definidas com precisão, assim como as punições em caso de
violação.
A ampliação do CMN é enganosamente simples. É mais ou
menos fácil escrever artigos de
jornal a respeito ou votar moções
de apoio no CDES. Mas, para
que a proposta realmente funcione, seria essencial associá-la a
uma revisão geral do CMN, inclusive das suas atribuições. Seria conveniente, por exemplo,
manter no CMN apenas as decisões de cunho estratégico ou macroeconômico (a definição do regime monetário e cambial, do
grau de conversibilidade da
moeda nacional, das metas de
inflação e da TJLP, entre outras)
e transferir para o Banco Central
ou para o Ministério da Fazenda
decisões mais operacionais ou setoriais.
Tudo isso teria que ser objeto
de um projeto de lei detalhado e
bem pensado.
Caso contrário, a ampliação do
CMN poderia se tornar inócua
ou até prejudicial. Como diz o
velho provérbio, o diabo (ele,
sempre ele!) está nos detalhes.
Paulo Nogueira Batista Jr., 50, economista e professor da FGV-EAESP, escreve
às quintas-feiras nesta coluna. É autor
do livro "A Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail -
pnbjr@attglobal.net
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